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Um peptídeo sintético foi desenhado inspirado na proteína ACE2 e resultados indicam que ele atua como um escudo molecular e abre caminho para o desenvolvimento de novos antivirais
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) publicaram na revista Antiviral Research um trabalho no qual sintetizaram um peptídeo inspirado na proteína ACE2, que atua como receptor do vírus SARS-CoV-2 nas células humanas, e demonstraram que a molécula pode proteger células pulmonares humanas contra a infecção em testes in vitro e reduzir a inflamação em camundongos suscetíveis à COVID-19. Esses resultados apontam uma nova estratégia para o desenvolvimento de novos bloqueadores antivirais mais eficazes contra o SARS-CoV-2, que foi responsável por matar mais de 700 mil brasileiros.
A infecção pelo vírus depende da interação entre a proteína spike do SARs-CoV-2 e o receptor ACE2 das células humanas. Essa interação ocorre devido a complementaridade entre as duas moléculas, cuja estrutura tridimensional é fundamental para que esta interação aconteça, como um tipo de encaixe. Quanto melhor for essa interação, maior será o potencial de infecção do vírus – este é, o fator que tornou a variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2 tão mais contagiosa, como mostrou artigo do mesmo grupo de pesquisadores divulgado em 2021 na plataforma bioRxiv.
Neste novo estudo, os cientistas investigaram maneiras de bloquear a ligação da spike com a ACE2 e, por consequência, proteger as células humanas da infecção. Para isso, um peptídeo mimético (semelhante) ao receptor ACE2 foi desenhado por meio de programas de bioinformática de proteínas. Em seguida, eles testaram diferentes modificações em seus resíduos de aminoácidos, ou seja, nas unidades que compõem a estrutura do peptídeo. Durante esse processo de testes, descobriram que algumas partes específicas do receptor ACE2 – mais especificamente os resíduos de aminoácidos F28, K31, F32, F40 e Y41 presentes na alfa hélice α1, uma das estruturas secundárias dessa proteína – são cruciais nessa interação.
A partir daí, com experimentos in vitro utilizando células pulmonares humanas em cultura, em outras palavras, cultivadas em laboratório, e in vivo com camundongos suscetíveis ao vírus, a equipe confirmou que o peptídeo sintético foi capaz não só de controlar a infecção, mas também de tratar os animais que haviam sido previamente infectados, fazendo com que a inflamação pulmonar causada pela COVID-19 diminuísse drasticamente.
“Nós conseguimos ‘enganar’ o vírus, dando a ele uma parte do receptor ACE2 livre [o peptídeo sintético], que, interagindo com a spike antes que essa proteína se ligasse à superfície das células, obstruiu sua entrada. Estudando as bases estruturais do reconhecimento do receptor ACE2 pelo SARS-CoV-2, nós elaboramos uma barreira molecular contra o vírus”, explica Geraldo Aleixo Passos, professor do Departamento de Biologia Básica e Oral da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp-USP) e um dos coordenadores da pesquisa.
De acordo com o pesquisador, o peptídeo desenhado nesse estudo pode servir como base para um produto farmacêutico, que não depende do sistema imunológico para atuar, podendo ser desenhado de forma específica para cada nova variante. Como ele tem ação rápida, pois funciona como um escudo molecular, pode ser eficaz para barrar o vírus em um curto prazo, especialmente em pacientes imunossuprimidos ou crianças com imunodeficiências e baixa resposta imunológica às vacinas.
“A COVID-19 foi controlada com a vacinação em massa, que reduziu drasticamente o número de casos e mortes, sendo, portanto, a melhor opção para evitar que a doença se espalhe nas populações. Mas o vírus SARS-CoV-2 ainda está em circulação, infectando milhares de pessoas no mundo. Além disso, o vírus circulante pode sofrer novas mutações. Estudos sobre sua evolução indicam que a perspectiva de novas epidemias ou até mesmo uma pandemia como a causada pela cepa original de Wuhan e linhagens subsequentes é plausível e, justamente por isso, nós, cientistas, precisamos continuar investigando o assunto”, também considera Passos.
Colaboração:
Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site Agência Fapesp, intitulada “Molécula sintetizada na USP age como escudo molecular e impede o vírus da COVID-19 de infectar a célula”, publicada em 03/09/24. https://agencia.fapesp.br/molecula-sintetizada-na-usp-age-como-escudo-molecular-e-impede-o-virus-da-covid-19-de-infectar-a-celula/52652