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Autocuidado e promoção de bem-estar a pacientes com câncer através de cosméticos coloridos
Destaques: – O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente em mulheres, e seu tratamento provoca mudanças significativas na imagem corporal e na autoestima; – Pensando nisso, um grupo de pesquisadores em ciências cosméticas da Unicamp e maquiadores voluntários promovem oficinas gratuitas de automaquiagem a mulheres em tratamento oncológico; – Além de buscar suavizar a rotina de pacientes oncológicas, o projeto também propõe levar divulgação científica sobre ciências cosméticas para a sociedade. |
O câncer de mama é uma séria questão de saúde pública e é o tipo de câncer mais incidente em mulheres mundialmente. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), as estimativas de incidência de câncer de mama para os próximos dois anos são de 66.280 casos novos por ano, o que representa um risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres. Em 2017, ocorreram 16.724 óbitos por câncer de mama feminina no Brasil.
Além do prognóstico e do difícil tratamento dessa doença, o câncer também é muito temido por afetar também o bem-estar, autoestima e qualidade de vida dos pacientes. Alguns aspectos ligados à estética, como perda de cabelos, o ressecamento da pele e a palidez cutânea ocorrem durante e após o tratamento para diversos tipos de câncer, trazendo consequências negativas à autoestima, à qualidade de vida e possivelmente aos resultados no tratamento desses pacientes.
A condição também impacta em aspectos psicológicos, visto que as pacientes passam por autorreflexão e questionamentos advindos do processo gradual de aceitação da doença. Essas mudanças afetam diretamente as relações interpessoais, sejam com o parceiro, família ou amigos; questões de autoimagem e autoestima; bem como pode desencadear quadros de ansiedade, tensão, medo e depressão.
O tratamento de câncer provoca mudanças significativas na imagem corporal e, diante disto, muitas mulheres em tratamento apresentam dificuldades para se olharem no espelho. Estudos mostram de forma alarmante que, mesmo após a volta do crescimento dos fios de cabelos, o autoconceito da mulher sobre sua imagem não retorna aos padrões de antes do tratamento, evidenciando o impacto da quimioterapia na concepção da própria imagem das pacientes. Concomitantemente às mudanças sentidas no corpo, surge a incapacidade de assumir os compromissos sociais e muitas vezes até manter o convívio social com família e amigos. Há diversos trabalhos que demonstram os impactos negativos da quimioterapia sobre atividades sociais e interações devido às mudanças na aparência física, com consequente prejuízo na qualidade de vida.
Por outro lado, estudos envolvendo pacientes mulheres com câncer de mama constataram que essas pacientes têm vontade de aprender a se automaquiar, e se sentem mais bonitas após a realização da maquiagem. Além disso, relataram também que a maquiagem pode influenciar positivamente na autoestima durante o tratamento contra o câncer de mama.
Felizmente, a sobrevida das mulheres pacientes de câncer de mama aumentou devido a novas opções e tecnologias utilizadas no diagnóstico e no tratamento da doença, sendo fundamental compreender o cotidiano dessas pacientes, sobretudo na sua (re)elaboração da imagem corporal e promoção da melhoria da qualidade de vida.
Neste contexto, surgiu o programa “De Bem com Você – a Beleza contra o câncer”, conhecido mundialmente como “look good feel better”, coordenado pela Fundação Look Good Feel Better da Professional Beauty Association. Este programa se trata de um movimento mundial que, desde a década de 80, promove oficinas gratuitas de automaquiagem a mulheres em tratamento oncológico em diversos países. Apenas nos Estados Unidos, o programa já atendeu cerca de um milhão de pacientes com câncer.
Este projeto foi abraçado pela equipe de pesquisa do Centro de Especialidades em Ciência Cosmética e Dermatológica (CeCD) liderado pela Profa. Dra. Gislaine Ricci Leonardi da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, em conjunto com o Prof. Dr. Cássio Cardoso Filho da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, e direcionado à pacientes sob tratamento oncológico do Hospital da Mulher Prof. Dr. J. A. Pinotti – CAISM/Unicamp, na cidade de Campinas (SP). O projeto conta com o trabalho voluntário de maquiadores profissionais, e com o apoio da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC).
Essas ações consistem em oficinas de automaquiagem que ensinam técnicas que ajudam a suavizar e combater os efeitos relacionados ao tratamento contra o câncer. Cada participante da oficina ganha uma necessaire com um kit de maquiagem individual contendo diversos itens como, por exemplo, rímel, sombra, base facial, demaquilante, batom, lápis para os olhos, pincéis de aplicação e lenço de cabeça. Em frente à um espelho individual, as pacientes podem aplicar as técnicas aprendidas, pintando toda a região da face com itens individuais de maquiagem. Essas oficinas são oferecidas às pacientes na sala de espera do CAISM, enquanto elas aguardam sessões de quimioterapia ou atendimento em consultas de acompanhamento. Neste recrutamento, as mulheres são gentilmente abordadas com uma breve explicação do projeto, seguido de um convite para participação.
O projeto visa impactar positivamente a rotina de pacientes oncológicas do CAISM – Unicamp, procurando aumentar a qualidade de vida das mulheres recrutadas durante o tratamento quimioterápico, e auxiliar cada participante durante o enfrentamento da doença e pós-tratamento, promovendo um aumento da autoestima. Também vale ressaltar o importante papel das oficinas em contribuir para uma melhor adesão ao tratamento oncológico. Por meio deste projeto, é possível criar um vínculo colaborativo entre as pacientes e a equipe envolvida, trazendo uma perspectiva de tratamento mais humanizado. Durante a ação é criado um ambiente de conforto, no qual as mulheres, estando inseridas em um mesmo contexto, podem livremente discutir e dividir seus anseios e iniciar novas amizades enquanto se capacitavam para adquirir empoderamento para o enfrentamento e tratamento da doença.
Até agora muitas mulheres foram beneficiadas com a ação e a previsão é que muito mais oficinas sejam oferecidas no ano que vem.
A pesquisa acadêmica voltada para a ciência cosmética é desconhecida por grande parte da população, seja por ausência de divulgação ou por este campo ser estereotipado como apenas aparência estética. Entretanto isto não é verdade: diferente do que é pensado, a ciência cosmética tem uma densa fundamentação científica, abrangendo a físico-química, fisiologia, anatomia, microbiologia, entre outras áreas de conhecimento.
Produtos cosméticos são vendidos livremente, e muitas vezes são susceptíveis a inverdades divulgadas nas mídias sociais. Cosméticos são preparações para serem usadas externamente no corpo humano e ajudam a proteger a saúde das pessoas.
Durante o processo de fabricação de cosméticos, várias normas devem ser seguidas para proteger o consumidor final. Durante o desenvolvimento de uma formulação cosmética, são realizados estudos de estabilidade física, química e microbiológica, bem como estudos de segurança e eficácia; afinal são produtos que são usados livremente e precisam ser preparados e divulgados com responsabilidade.
Neste contexto, surge um objetivo secundário deste projeto de extensão universitária; que foi a divulgação científica que busca discutir temas que estejam inseridos no mundo acadêmico, levando sempre em conta sua influência e importância em nossa sociedade.
A busca por informação está na base das decisões que tomamos no dia-a-dia. Todo cidadão, independente de classe ou nível social, deveria ser diretamente beneficiado pelos estudos que acontecem dentro dos laboratórios de cosmetologia. Cada vez se faz mais importante a divulgação científica, bem como as atividades de extensão, pois além de contribuir na formação dos próprios alunos da universidade, também colabora para o combate de desigualdades sociais, promovendo acesso.
As oficinas de automaquiagem são um braço dos benefícios que a pesquisa pode contribuir na vida da população em que está inserida, trazendo saúde e qualidade de vida para além das portarias da universidade. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Desta forma, o bem-estar e autoestima constituem um elemento fundamental na constituição do estado de saúde do indivíduo. Seja em condições fisiológicas normais ou em condições patológicas, sabe-se que o cuidado estético pode melhorar o bem-estar, autoestima e as relações sociais.
Para mulheres, o uso de maquiagem claramente está relacionado tanto quanto um artifício para suavizar imperfeições quanto para sedução, dependendo da personalidade de cada uma. Entretanto, o seu uso também está envolvido em uma resposta sensorial de prazer psicológico, sendo capaz de elevar a autoestima das usuárias. Conforme escreveram Teixeira e Melo (2019):
“A maquiagem é uma alternativa na qual as mulheres podem se apoiar para terem uma nova expectativa de viver e se amar. Tem-se como foco restaurar a beleza, no sentido de reforçar traços que após a quimioterapia podem ter se apagado com a queda de pelos e palidez ocasionada pelo tratamento, mostrando a elas que podem ser lindas e confiantes, mesmo passando por essa etapa de tratamento contra o câncer.”
Nesse sentido, a maquiagem pode incentivar o aumento da autoestima dessas mulheres, à medida que o principal objetivo da maquiagem não é camuflar o indivíduo e enquadrar todos os rostos em um padrão de beleza pré-definido, que não é natural, mas sim ressaltar as qualidades, criar harmonia, de estar bem consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Uma das maneiras de levar a vida leve e prazerosa é estar com sua autoestima elevada. A auto aceitação faz com que as obrigações não se tornem uma dificuldade, mas sim uma alegria de executá-las, fazendo as pazes com sua aparência e sua personalidade.
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Colaboração: Mariane Massufero Vergilio sobre a autora
Fontes consultadas:
– Livro ‘’Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil’’, elaborado pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, publicado pelo INCA em 2020. (Livro)
– Artigo científico intitulado “Avaliação da autoestima de mulheres submetidas à cirurgia oncológica mamária”, publicado na revista Texto & Contexto – Enfermagem em 2013, de autoria de Gomes, N. e Silva, S.
– Matéria na Revista Rede Câncer intitulada “Autoestima é fundamental”, publicada em 04/2020. (Matéria)
– Artigo científico intitulado “Imagem corporal de mulheres com câncer de mama: uma revisão sistemática da literatura”, publicado pela revista Ciência & Saúde Coletiva em 2011, de autoria de Santos, D. e Vieira E.
– Artigo científico intitulado “Changes in self-concept and body image during alopecia induced cancer chemotherapy”, publicado na revista Supportive Care in Cancer em 1997, de autoria de Münstedt, K.; Manthey, N.; Sachsse, S.; e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Quality of life and self-esteem after mastectomy in patients who did or did not undergo breast reconstruction”, publicado na Revista Brasileira de Cirúrgia Plástica em 2013, de autoria de Furlan, V.; Neto, M.; Abla, L.; e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “The meaning of quality of life in patients being treated for advanced breast cancer: A qualitative study”, publicado na revista Psychooncology em 2004, de autoria de Luoma, M. e Hakamies-Blomqvist, L.
– Artigo científico intitulado “Work problems after breast cancer: an exploratory qualitative study”, publicado na revista Psychooncology em 1999, de autoria de Maunsell, E.; Brisson, C.; Dubois, L.; e colaboradores.
– Trabalho de conclusão de curso defendido na Universidade do Sul de Santa Catarina, no ano de 2019, intitulado “O impacto da maquiagem na autoestima de mulheres com câncer de mama”, de autoria de Teixeira, F. e Melo, V.
– Site do programa Look Good Feel Better (Website)
– Matéria no site da ABIHPEC intitulada “O poder da maquiagem na luta contra o câncer”, publicada em 04/05/20174 (Website)
– Artigo científico intitulado “‘Normalizing’ female cancer patients: Look good, feel better and other image programs”, publicado na revista Disability & Society em 2008, de autoria de Kendrick, K.
– Artigo científico intitulado “Look Good Feel Better Workshops: A ‘Big Lift’ for Women with Cancer”, publicado na revista Journal of Cancer Education em 2009, de autoria de Taggart, L.; Ozolins, L.; Hardie, H.; e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Why women use makeup: Implication of psychological traits in makeup functions”, publicado pela revista Journal of Cosmetic Science em 2008, de autoria de Korichi, R.; Pelle-De-Queral, D.; Gazano, G.; e colaboradores.
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(Editoração: Priscila Rothier, Fernando Mecca e Caio Oliveira)