#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)
A Amazon acaba de lançar uma clínica de baixo custo, que funciona totalmente on-line, onde o paciente assina uma autorização que libera o uso das informações para a empresa.
Novidade na área da saúde, a gigante Amazon acaba de inaugurar nos EUA uma clínica de baixo custo – a Amazon Clinic. Nela os usuários realizam consultas online, que custam a partir de US $30. Dessa forma, é possível entrar em contato com um médico que lhe dará uma receita sem precisar sair de casa. No entanto, para usar o serviço, o paciente assina uma autorização que permite que a empresa utilize seus dados como quiser. Essa notícia reacende o debate sobre as questões éticas relativas às novas tecnologias, como as mais recentes inteligências artificiais, e a privacidade dos dados dos pacientes é uma das questões mais urgentes, pois seus efeitos práticos já estão em curso.
Nos EUA, a autorização padrão vigente sobre dados médicos se chama HIPAA (Health Insurance Portability and Accountability Act) e garante que os médicos protejam as informações de saúde do paciente e só as compartilhem em circunstâncias bem específicas. Entretanto, a Amazon não quer saber de restrições: ao aceitar os termos de uso, a pessoa concorda que a empresa faça o que quiser com os dados, ou seja, eles deixam de estar protegidos.
Isso levanta a questão: como as leis continuarão protegendo os cidadãos se as grandes empresas de tecnologia se esforçam para buscar brechas no sentido contrário? Apesar de não haver nenhuma obrigatoriedade para aderir ao serviço, o preço acessível (num país onde os serviços de saúde são oferecidos majoritariamente por planos de saúde privados e, consequentemente, caros) e o apelo de marketing são eficientes armas para conquistar o público.
Além de dados pessoais, a Amazon Clinic também pede para o usuário enviar fotos que detalhem sua condição. E o que pode acontecer com esse dossiê que a gigante de tecnologia vai dispor? Algumas opções, segundo especialistas, incluem: vender as informações para terceiros (a autorização do paciente foi dada); direcionar anúncios com base em seu perfil médico; e até gerar, via inteligência artificial, modelos que prevejam o risco de os pacientes desenvolverem determinados tipos doença, o quais também podem ser comercializados. Quando questionada, a assessoria de imprensa da empresa afirmou que seu negócio não é vender dados e que não usa informações dos clientes para nenhum propósito sem a sua concordância. Tal afirmação não parece ser suficiente para tranquilizar o debate e a própria existência da clínica abre precedentes para empresas concorrentes também entrarem no negócio (e elas podem não seguir os princípios éticos tão à risca como a Amazon afirma seguir).
O fato é que o impacto que a inteligência artificial causará em toda a sociedade é tão evidente que o próprio Sam Altman, CEO da OpenAI e criador da plataforma ChatGPT, a mais comentada recentemente e que é capaz de elaborar qualquer tipo de conteúdo, pediu uma regulação internacional para seu uso. Sobre este assunto, há inclusive um movimento para a suspensão das pesquisas com inteligência artificial, onde um manifesto com este objetivo foi assinado por pessoas como o historiador Yuval Harari e o bilionário Elon Musk. Além disso, o ChatGPT foi “banido” da Itália por desrespeitar as leis de proteção de dados italiana e europeia (GDPR).Tudo isso acontece em meio às discussões sobre a criação de marcos regulatórios para as inteligências artificiais, que avançam no mundo inteiro puxadas pela própria União Europeia e sua Artificial Intelligence Act. A conclusão parcial é que, seja pela leis de proteção de dados pessoais, seja pelos futuros marcos regulatórios das IAs, o ChatGPT deverá ser “domado” pela lei antes mesmo de se tornar a ameaça catastrófica que alguns tanto temem e isso deve servir de base também para leis de proteção de dados mais rigorosas, que poderão ajudar a regular os dados de saúde como os de posse da Amazon Clinic.
Colaboração:
Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site FRLN Advogados, intitulada “OpenAI: a regulamentação do ChatGPT e a proteção dos dados pessoais”, de autoria de Bruno de Lima Acioli, publicada em 05/04/23. https://www.frlnadvogados.com.br/2023/04/05/openai-regulamentacao-chatgpt/
Matéria no site G1, intitulada ” O que as gigantes de tecnologia podem fazer com seus dados de saúde”, publicada em 23/05/23. https://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidade-modo-de-usar/post/2023/05/23/o-que-as-gigantes-de-tecnologia-podem-fazer-com-seus-dados-de-saude.ghtml