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Pesquisadores brasileiros identificam pela primeira vez campos com murundus (vegetação típica do cerrado que apresenta uma área plana, inundável no período chuvoso, onde estão inseridos incontáveis pequenos morros cobertos por vegetação lenhosa)
Campos naturais tropicais costumam ser negligenciados em todo o planeta, seja nos mapas, nas políticas de conservação ou em estudos ecológicos. Diante disso, pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificaram no Cerrado os campos de murundus, também chamados de savana de cupinzeiros, pela primeira vez. Essas formações compõem ilhas de áreas úmidas no Cerrado (bioma conhecido por sua secura) e exercem funções ecológicas relevantes.
Após o controle da invasão por espécies do gênero Pinus em uma unidade de conservação do Cerrado no sudeste do Brasil, um ecossistema graminoso sem registro regional surgiu nas imagens de satélite recentes. Diante disso, os pesquisadores tentaram identificar que tipo de vegetação havia sido encontrada. Assim, as análises em campo resultaram no primeiro registro de campo com murundus.
O campo foi encontrado na Estação Ecológica de Santa Bárbara (EEcSB), no município paulista de Águas de Santa Bárbara e a mancha de vegetação de murundus possui tamanho de 3,5 hectares (ha), sendo o primeiro registro desse tipo de vegetação no estado de São Paulo e abaixo dos 21 graus de latitude sul, próximo à borda sul do Cerrado. Isso é curioso justamente por ser incomum nessa região, sendo mais facilmente encontrado em Goiás, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e norte de Minas Gerais.
“Os campos de murundus funcionam como grandes esponjas, retendo a água da chuva, filtrando-a e liberando-a lentamente para abastecer os corpos d’água na estação seca”, explica a bióloga Bruna Helena Campos, da Unicamp e primeira autora do artigo sobre este trabalho publicado em março na revista Biota Neotropica. “Além disso, os solos mal drenados dos campos com murundus armazenam carbono retirado da atmosfera pelas plantas, contribuindo para a regulação do clima global.”
Foram examinadas cerca de 10 amostras de murundus e identificadas 64 espécies de plantas, das quais 59 cresciam sobre os cupinzeiros e 22 ao redor deles. Em seus achados foi possível identificar na região dos murundus árvores endêmicas do Cerrado e, na região úmida ao redor, foram encontradas gramíneas típicas de campos úmidos.
“Uma análise acurada de imagens históricas do interior do estado de São Paulo após a descoberta desse pequeno campo com murundus mostrou que já existiram outros, que foram destruídos, e o terreno drenado e nivelado com máquinas agrícolas”, comenta a engenheira florestal Giselda Durigan, do IPA, uma das autoras do estudo. “No entanto, os cupins dos campos com murundus são exclusivos desses locais alagadiços e não oferecem ameaça às plantações.”
Até agora, essas áreas são pouco preservadas. Goiás é o único estado com uma lei declarando os campos com murundus como Áreas de Preservação Permanente. “No Pantanal do rio Araguaia [corta os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará], as extensas áreas de campos com murundus são refúgios importantes para o gado e para animais silvestres como a onça”, diz a botânica do IPA Natalia Ivanauskas, que também participou da pesquisa.
Os autores concluem que esperam que esse registro possa estimular a busca por outros remanescentes despercebidos fora da região de ocorrência já conhecida, desencadeando esforços para sua conservação e estudos que possam melhorar a compreensão desses ecossistemas icônicos.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes:
Artigo científico intitulado “Campos tropicais negligenciados: primeiro registro de campo com murundus e suas comunidades vegetais no estado de São Paulo, Brasil”, publicado na revista Biota Neotropica em 2023, de autoria de Campos e colaboradores.
https://www.scielo.br/j/bn/a/46t4DrbSRN85k8xhCm8TQ9B/abstract/?lang=pt
Matéria no site Revista Pesquisa Fapesp, intitulada “Campos com cupinzeiros formam ilhas de umidade no Cerrado”, publicada em 28/05/2023. https://revistapesquisa.fapesp.br/campos-com-cupinzeiros-formam-ilhas-de-umidade-no-cerrado/