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Quem produz ciência durante a pandemia? Alunos de Pós-Graduação e a pandemia da COVID-19
Destaques – Alunos de pós-graduação são os principais responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas dentro das universidades públicas brasileiras; – A desconexão das ações governamentais com as recomendações científicas coloca os pós-graduandos em um momento de incerteza constante e reduzem suas perspectivas, agravando tanto aspectos pessoais como procedimentais e burocráticos; – As adaptações para o ensino remoto emergencial implicaram em modificações da rotina e do estilo de vida dos pós-graduandos, trazendo à tona um cenário não favorável para o produtivismo acadêmico, que é tanto cobrado pelas instituições de ensino; – Os pós-graduandos se veem desamparados, seja por seus próprios orientadores, programas de pós-graduação e até mesmo pelo Governo Federal. |
Resumo
O presente trabalho buscou analisar postagens veiculadas em um grupo do Facebook destinado a debates sobre a Educação no Ensino Superior, tendo como questão norteadora do estudo: “Em face do cenário atual, protagonizado pela COVID-19, quais os enfrentamentos dos alunos de pós-graduação e suas implicações na educação?”. As respostas foram agrupadas em cinco classes: Adaptações emergenciais na metodologia de ensino na pós-graduação; Vivências burocráticas dos pós-graduandos em face à pandemia; Dificuldades práticas e tecnológicas no produtivismo acadêmico; Aspectos psicológicos no produtivismo acadêmico; Macropolíticas sobre a pandemia e seus reflexos na pós-graduação. Os alunos de pós-graduação estão insatisfeitos com as medidas emergenciais adotadas pelas instituições, expondo análises sobre a postura do governo, da universidade, dos docentes e dos orientadores. A COVID-19 e suas repercussões trouxeram grandes desafios para as sustentabilidades acadêmicas e pedagógicas nos programas de pós-graduação.
CONTEXTUALIZAÇÃO
A chegada da COVID-19 no Brasil, onde já se sofria uma grande crise político-econômica, impactou diretamente as áreas da Saúde, Economia e Educação. Com o decreto de isolamento social pelas autoridades sanitárias brasileiras, o fechamento das instituições de ensino, como as Instituições de Ensino Superior, foi inevitável. Neste contexto histórico e inédito, o Ministério da Educação do Brasil possibilitou a substituição das aulas presenciais por aulas remotas, cabendo às Instituições de Ensino se adaptarem para tal cenário. Nesse contexto, os autores deste estudo (todos alunos de Doutorado) buscaram pesquisar a situação dos pós-graduandos no Brasil durante a pandemia.
Para isso os autores realizaram uma observação sistemática não-participativa em um grupo do Facebook destinado a “conversar e discutir sobre a atual situação da educação no ensino superior brasileiro”, em que alunos e professores de pós-graduação compartilham conteúdos diariamente (https://www.facebook.com/groups/661750310664469/). No período entre março e a primeira semana de maio de 2020, referente ao início da quarentena no Brasil, foram coletadas postagens e comentários sobre o tema e analisados com uma abordagem qualitativa.
Os participantes fomentaram discussões referentes a questões educacionais, financeiras, psicológicas e políticas. Os depoimentos, seus núcleos centrais, e expressões-chaves apontam que o cenário atual de alunos de pós-graduação sofreu um grande impacto pela pandemia da COVID-19, quebrando a rotina de atividades e atingindo a saúde mental destes. Dessa forma, fica evidente que as medidas emergenciais tiveram, em sua maior parte, repercussões negativas, trazendo reflexões sobre a forma de interação entre governo, universidade, docentes, orientadores e alunos.
Sabemos que a modalidade Ensino à Distância (EAD) no Brasil é utilizada há muito tempo, conduzida por profissionais devidamente preparados e com todo suporte necessário para ministrar aulas e realizar atividades avaliativas. No entanto, a rápida propagação da COVID-19 pelo mundo trouxe grande implicação na educação brasileira, que precisou passar por adaptações emergenciais, atropelando o processo de planejamento estrutural necessário para essa modalidade.
As questões mencionadas acima podem ter relação direta com o surgimento de condições psicológicas negativas, as quais obtiveram grande destaque na fala dos participantes do grupo e ressaltam a importância de suportes emocionais e psicológicos por parte das instituições, para que a saúde mental dos alunos seja assegurada. Em momentos como esse, de mudanças e incertezas, observa-se a necessidade de todo apoio possível aos alunos, e a empatia de uns com os outros mostrou-se como a melhor saída. Destaca-se ainda a preocupação com o desenvolvimento de habilidades e competências, além do potencial crítico, criativo e humanístico, atrelado à consistência científica dos produtos e processos gerados neste ambiente acadêmico. A COVID-19 e suas repercussões no ensino superior em nível de pós-graduação trouxe, então, grandes desafios para as sustentabilidades acadêmicas e pedagógicas nos programas de pós-graduação.
RESULTADOS
Após coletar os conteúdos publicados na rede social, foi possível caracterizá-los em classes, como apresentado na Figura abaixo:
Classe 1: Adaptações emergenciais na metodologia de ensino na Pós-Graduação
Foi observado que essas mudanças têm gerado dificuldades no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, assim como ansiedade e frustração diante de tantas incertezas, ausências e confusões na comunicação. Além disso, problemas com o acesso à internet comprometem a presença desses alunos durante as aulas online por videoconferência, e a apropriação dos materiais de estudo disponíveis nas plataformas digitais.
Classe 2: Vivências burocráticas dos pós-graduandos em face à pandemia
As principais questões abordadas pelos participantes se referem aos prazos e prorrogações de bolsas e atividades voltadas à pós-graduação. Além disso, as cobranças impostas para publicação de artigos científicos (produtivismo acadêmico) e a preocupação generalizada no que tange aos cortes de bolsas em meio a pandemia foram temas recorrentes. Muitos alunos mostraram-se desmotivados e consternados devido a essas dificuldades, expondo a necessidade dos programas de pós-graduação aumentarem os prazos para concluírem suas pesquisas e a prorrogação das bolsas por parte das agências de fomento.
Classe 3: Dificuldades práticas e tecnológicas no produtivismo acadêmico
As principais dificuldades enfrentadas por alunos de pós-graduação e professores nesse momento de pandemia estão relacionadas a atividades práticas, como ler, escrever e estudar em casa, onde a falta de concentração e “bloqueios científicos” são dados como responsáveis por parte dessa improdutividade.
Muitos pós-graduandos relataram a dificuldade de manter uma rotina de trabalho, estudos e escrita das dissertações/teses, falhando no cumprimento das metas previamente estabelecidas. Em relação ao chamado produtivismo acadêmico, duas extremidades foram apresentadas, em que alguns estão trabalhando exageradamente, autocobrança seguida de esgotamento, e por outro lado, outros estão estagnados e sem motivação.
O corte de bolsas é trazido como algo desmotivador por parte dos pesquisadores e nos debates dos pós-graduandos, os quais colocam em questão as implicações diretas da bolsa durante a produtividade em meio a pandemia.
Mensagens positivas, amparando uns aos outros, também tiveram grande destaque, e frases como “não desista” apareceram muito nesse contexto. De certa forma, visualizar que todo mundo está passando pela mesma situação trouxe uma motivação para que fossem encontradas formas para melhorar o quadro atual vivenciado pelos pesquisadores, e coletivizar atividades que se tornaram de grande ajuda. Ademais, outros tipos de ocupações, como poesia, música, arte visual, leituras de lazer, documentários e filmes, se destacaram como meios de distrair a mente. Adaptação em tempos de pandemia, como mudar o foco dos objetivos e estabelecer pequenas metas, são citadas, constantemente, pelos alunos de Pós-Graduação dentro deste grupo.
Classe 4: Aspectos psicológicos no produtivismo acadêmico
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos estudantes está relacionada aos aspectos psicológicos no produtivismo acadêmico. Os alunos têm sofrido crises de ansiedade e vivenciado momentos de pânico, medo, nervosismo, insônia e depressão- problemas existentes em períodos comuns de pós-graduação, mas que se intensificaram em tempo de quarentena, devido a repentina adaptação para o ensino a distância e as mudanças de prazos. Nem mesmo um momento delicado como o qual enfrentamos minimiza as cobranças do produtivismo acadêmico e os alunos sentem a sobrecarga que reflete em sua saúde mental.
Classe 5: Macropolíticas sobre a pandemia e seus reflexos na Pós-Graduação
Esse foi um dos principais temas da discussão, os constructos elaborados aqui parecem manter a coesão de todas as temáticas, sendo o guia condutor de todas as postagens. Os pós-graduandos se valem de uma compreensão sobre as relações de saúde global, políticas governamentais e responsabilidade ministerial para compreender como essas ações refletem em suas atividades e promover empatia para com colegas em situações adversas.
Diante à falta de políticas públicas emergenciais consolidadas, assim como da criação de protocolos percebidos como possíveis para direcionamentos e ações em áreas mais afetadas, emerge-se a necessidade de intervenções mais agressivas em prol da população. A associação dessas deficiências nos serviços de suporte e principalmente na falta de clareza e veracidade das informações oriundas do poder Executivo, colocaram o governo atual na mira da opinião pública e na análise destes dados ficou clara a grande insatisfação dos pós-graduandos.
O cenário de instabilidade política percebida dentro do Ensino Superior brasileiro pode ser rastreado até 2015, com as mudanças radicais de líderes políticos e nas políticas de investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) observadas desde então, e mais recentemente com a implementação de projetos governamentais, como a iniciativa “Ponte para o Futuro”, implantado pelo Governo Federal em 2016, no qual o fomento governamental à pesquisa e inovação perde espaço e prioridade.
A comunidade científica brasileira se encontra sob constantes ataques e deslegitimação de suas atividades e importâncias, desde a eleição do novo governo em 2018. Esse conjunto de medidas de sucateamento das políticas nacionais de CT&I, adotadas após 2019, podem ser percebidas agora, frente a uma crise sem precedentes, sobre a qual o Brasil não contém o material ou o pessoal qualificado para reagir na medida esperada, e os pós-graduandos já inseridos no sistema se encontram desesperançosos de prosseguir com suas pesquisas.
Artigo original/referência
O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Impacto da COVID-19 em alunos de pós-graduação”, publicado pela revista Olhares & Trilhas em junho de 2021, de autoria de Assunção-Luiz, AVA; Pitta, NC; Cintra, AS et al. O artigo original pode ser acessado em: http://www.seer.ufu.br/index.php/olharesetrilhas/article/view/60117
Colaboração:
Alan Vinicius Assunção Luiz sobre o autor
Alan é biólogo, mestre em ciências da saúde e atualmente doutorando em ciências da saúde com ênfase em genética e genômica. Estuda a relação de transtornos cognitivos com polimorfismos genéticos em mulheres sobreviventes de câncer de mama. Também tem interessem em aconselhamento genético, educação em saúde, qualidade de vida e divulgação científica.
Natássia Condilo Pitta sobre a autora
Natássia é fisioterapeuta doutora em ciências. Atualmente trabalha com crianças do espectro do autismo. Tem interesse em educação em saúde, qualidade de vida e promoção de saúde.
Álefe Saloum Cintra sobre o autor
Álefe é jornalista e comunicador social. Atualmente trabalha com produções publicitárias voltadas para o varejo nacional, tanto web quanto televisiva. Também tem interesse na área de marketing e escreve para websites de críticas de cinema, TV e literatura. Busca realizar uma pós-graduação stricto sensu utilizando como base mídias digitais tanto dentro da Comunicação Social quanto outras áreas.
Carlos Alexandre Curylofo Corsi sobre o autor
Carlos é biólogo, mestre em ciências da saúde e atualmente doutorando. Estuda doação, transplantes e bioengenharia de tecidos humanos, além de seus mecanismos fisiopatológicos. Tem também interesse em educação para saúde, meta-análise e divulgação científica.
Artur Acelino Francisco Luz Nunes Queiroz sobre o autor
Artur é enfermeiro, pesquisador em Saúde Pública. Estuda prevenção de HIV e o uso de aplicativos de encontro na saúde sexual de Homens que fazem sexo com homens. É um ativista sobre direitos de Pessoas vivendo com HIV e da população LGBTQIA+.
(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca e Loren Pereira)