É bem estabelecido que o consumo moderado de bebidas alcoólicas seja um fator protetor sobre o coração; entretanto, não se sabe por que isso acontece. Pelo menos não se sabia até junho deste ano, quando pesquisadores verificaram que um metabólito derivado do álcool, em pequenas quantidades, é capaz de deixar o coração mais preparado para enfrentar o estresse de um infarto. Isto se deve à ação da ALDH2, uma enzima que metaboliza tanto o aldeído derivado do álcool, quanto outro aldeído produzido pelas próprias células do coração quando submetidas a um estresse grave, como um infarto. Corações de um grupo controle de camundongos ex-vivo foram comparados a outros submetidos à isquemia e reperfusão (I/R) com e sem tratamento com baixas doses de álcool. No grupo sem tratamento, houve morte de 50% de células, contra apenas 30% no grupo tratado. Ainda, a atividade da ALDH2 no grupo tratado foi igual à do controle, e duas vezes maior do que no grupo sem tratamento. Outro grupo foi tratado tanto com álcool, quanto com uma substância que inibe a ação da ALDH2, obtendo 80% de morte celular após I/R e confirmando a importância desta enzima no mecanismo protetor. Um quinto grupo utilizou corações transgênicos, nos quais a ALDH2 não funciona adequadamente. Neste grupo, o dano causado por I/R não foi revertido pelo tratamento com álcool – pelo contrário, ele foi agravado com 70% de morte celular. Os autores propõem que o álcool, apesar de danoso em grandes quantidades, é capaz de preparar as células cardíacas para reagir aos danos de um possível infarto, facilitando a ativação da ALDH2. Entretanto, mutações nessa enzima são comuns, especialmente em orientais, o que demonstra a complexidade de se tratar o álcool como vilão ou herói de maneira generalizada.
Esquema resumindo os principais achados do trabalho. Nota-se que tanto o álcool quanto drogas ativadoras de ALDH2 têm efeitos protetores por impedir o acúmulo de aldeído no coração. Imagem: modificada de Ueta et al., 2018.
Tweet-science: Fernando F. Mecca
Artigo original: Cardioprotection induced by a brief exposure to acetaldehyde: role of aldehyde dehydrogenase 2 # Revista Cardiovascular Research (Jun/2018). Autores: C. B. Ueta J. C. Campos, R. P. Albuquerque, V. M. Lima, M. H. Disatnik, A. B. Sanchez, C. H. Chen, M. H. G. de Medeiros, W. Yang, D. Mochly-Rosen & J. C. B. Ferreira.
(Editoração: Fernando Mecca e Caio Oliveira)