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Como os açúcares influenciam as interações microrganismo-hospedeiro
DESTAQUES: • Ácidos siálicos são um importante tipo de estrutura nas membranas celulares; • Um desses ácidos, Neu5Gc, pode causar complicações à saúde humana; • Algumas bactérias presentes nos intestinos de humanos podem ajudar a controlar os níveis de Neu5Gc, evitando tais complicações; • O MicroEco Lab integra microbiologia, biologia molecular e bioinformática para elucidar detalhes desses processos. |
Os microrganismos, que correspondem aos grupos dos protozoários, fungos, algas e bactérias, geralmente não são encontrados isoladamente na natureza, mas como membros de comunidades microbianas complexas e dinâmicas.
Esses microrganismos participam de diversos processos biológicos, seja na produção de alimentos, como queijo, iogurte, pão, cerveja e vinhos, passando pela reciclagem de nutrientes, decomposição da matéria orgânica, produção de substâncias químicas e controle de pragas, até chegarem à desempenhar um papel vital na manutenção do equilíbrio da microbiota humana, principalmente no intestino .
Pesquisas recentes têm evidenciado a importância da microbiota humana em diversos processos biológicos associados à saúde e às doenças, como no funcionamento do sistema imune, absorção de nutrientes, produção de vitaminas e controle da proliferação de bactérias maléficas ao sistema gastrointestinal. Assim, essas comunidades vivem em simbiose com o hospedeiro, contribuindo para a homeostase e regulando funções imunológicas.
Muitas dessas interações entre os microrganismos e seu hospedeiro ocorrem através do reconhecimento de moléculas e estruturas presentes na membrana plasmática das células, como proteínas, lipídeos e glicanos (moléculas compostas de açúcares e aminoácidos). Esses últimos exercendo um papel fundamental na interação entre os microrganismos e as células de seu hospedeiro, permitindo a modulação de processos biológicos.
Nesse contexto, o Laboratório de Ecossistemas Microbianos (MicroEco Lab), coordenado pela Profa. Livia Soares Zaramela e vinculado ao Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), tem como principal objetivo estudar como os microrganismos que compõe a microbiota humana interagem com o ambiente e o hospedeiro através dos glicanos.
Essas moléculas apresentam grande variabilidade estrutural, podendo ser alteradas devido às condições ambientais que as células e seus hospedeiros estão enfrentando. Dentre as diversos variabilidades de glicanos de membrana, o MicroEco Lab tem especial interesse nos ácidos siálicos.
Os ácidos siálicos são uma família de açúcares presentes em diversas formas de vida, desde vertebrados até microrganismos, como as bactérias. Na natureza, mais de 80 derivados de ácidos siálicos foram identificados, sendo o ácido N-acetil neuramínico (Neu5Ac) e o ácido N-glicolil neuramínico (Neu5Gc), um derivado do outro, os mais representativos. E apesar de apresentarem estruturas químicas semelhantes, atuam de forma diferente na interação com células, na resposta imune e no desenvolvimento de patologias.
Nas membranas celulares dos seres humanos há uma predominância do ácido Neu5Ac, o que ocorre porque a enzima CMAH, responsável pela transformação de Neu5Ac para Neu5Gc não é funcional em humanos.
Embora os humanos não sejam capazes de sintetizar Neu5Gc, a ingestão de produtos de origem animal contendo tal ácido (especialmente, carne vermelha) pode levar à incorporação dele em diversos tecidos e a carcinomas, por serem considerados um corpo estranho ao organismo e levarem a uma resposta inflamatória. Além de estar associada ao desenvolvimento de determinados tipos de câncer, esta reação imunológica está relacionada a doenças inflamatórias cardiovasculares, como a aterosclerose.
Um estudo recente liderado pela Profa. Livia mostrou que algumas bactérias intestinais, que possuem a enzima sialidase, podem preferencialmente metabolizar o ácido Neu5Gc, levando à atenuação da resposta inflamatória causada pelo consumo de alimentos de origem animal.
A incorporação dos ácidos siálicos e sua presença nas membranas celulares de bactérias pode levar, por exemplo, ao aumento da sobrevivência e à redução da imunogenicidade. Além disso, muitas bactérias comensais e patogênicas utilizam os ácidos siálicos como fontes de carbono, favorecendo a proliferação delas. Embora sejam conhecidos na literatura exemplos desses mecanismos, a importância do metabolismo dos ácidos siálicos em comunidades microbianas associadas a patologias ainda é pouco explorada.
Assim, o MicroEco Lab estuda diferentes aspectos desses mecanismos integrando microbiologia, biologia molecular e bioinformática, buscando compreender como os ácidos siálicos mediam as interações entre microrganismos e hospedeiros, podendo contribuir para o desenvolvimento de novos tratamentos para diversas doenças.
Colaboradores:
Edson Alexandre do Nascimento Silva
Edson é biotecnologista, mestre em Ciências e aluno de doutorado em Bioquímica. O aluno tem interesse em áreas como bioinformática e microbiologia. Sua pesquisa busca entender quais microrganismos da microbiota intestinal têm a capacidade de incorporar ácidos siálicos e como este processo de sialilação tem impacto nos processos inflamatórios.
Livia Soares Zaramela
Lívia é bioquímica, professora e cientista. Se a compreender as complexas interações entre a microbiota, o ambiente e o hospedeiro, com particular interesse nas interações mediadas por carboidratos. Em especial, a pesquisadora investiga como essas interações podem influenciar processos inflamatórios.
Referências:
Artigo científico intitulado “Biochemical and structural basis of sialic acid utilization by gut microbes”, publicado na revista JCB Reviews em 2023 de autoria de Bell, A.; Severi, E.; Latousakis, D. e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Gut bacteria responding to dietary change encode sialidases that exhibit preference for red meat-associated carbohydrates”, publicado na revista Nature Microbiology em 2019 de autoria de Zaramela, L.S.; Martino, C.; Alisson-Silva, F. e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Sialic Acids and Other Nonulosonic Acids”, publicado na revista Essentials of Glycobiology em 2015 de autoria de Varki, A.; Schanaar, R.L.; Schauer, R. e colaboradores.
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(Editoração: Fernando F. Mecca e Nathália A. Khaled)