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O que o peixe-zebra pode nos ensinar sobre o medo?

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Sobre
● Categoria: Artigo – Revista Eletrônica Frontiers for Young Minds
● Título Original: What Can Zebrafish Teach Us About Fear?
● Ano de publicação: 2019
● Link do artigo original: https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2019.00012#ref5a

RESUMO

O medo às vezes pode nos paralisar e às vezes pode ser empolgante; para algumas pessoas, o medo é tão incapacitante que pode atrapalhar significativamente suas vidas. Entendemos um pouco sobre como o cérebro age quando estamos com medo, isso, graças a estudos realizados, principalmente, estudando os cérebros de outros animais. Recentemente, foram feitas descobertas surpreendentes ao estudar o cérebro do peixe-zebra – um pequeno peixe de aquário que, no passado, ajudou os cientistas a descobrir como nossos órgãos se desenvolvem. Os peixes-zebra são bons modelos de pesquisa porque se desenvolvem rapidamente, se reproduzem com facilidade e têm cérebros semelhantes aos nossos. Eles produzem o que chamamos de “substância de alarme” que alerta seus companheiros de cardume quando um deles é ferido. Quando outros peixe-zebra sentem o cheiro dessa substância na água, eles agem como se estivesse muito assustados. Nesse momento, uma substância chamada serotonina é liberada em seus cérebros, tornando-os menos amedrontados e mais cautelosos – como se estivessem tentando descobrir se um predador está próximo ou não. Espera-se que descobrir mais sobre como o cérebro do peixe-zebra processa esse sinal de serotonina ajude os cientistas a desenvolver melhores tratamentos para os transtornos mentais associados ao medo.

 

Por que o medo é importante?

Na nossa experiência cotidiana, sentimos muitas vezes medo: de coisas perigosas, como cobras e outros animais venenosos, de alturas, de pessoas más, etc. O medo é uma emoção observada em todos os animais, ele permite um estado de alerta rápido e momentâneo quando um animal percebe que algo pode lhe pode fazer mal. A reação de um animal ao sentir medo serve para o proteger quando se encontra numa situação perigosa. 

O medo é gerado por partes do cérebro, como a amígdala, o córtex cingulado e uma região do mesencéfalo chamada área cinzenta periaquedutal, que atuam em conjunto com os sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar) para produzir uma resposta ao perigo.

Os nossos sentidos podem alertar-nos para a presença de algo potencialmente perigoso, fazendo-nos sentir medo. Por exemplo, quem de entre nós não se assustou com um barulho alto ou com uma sombra que por momentos pensou ser um animal? Neste contexto, o medo tem um papel importante na vida dos animais, porque funciona como uma espécie de proteção instintiva, nos ajudando a reconhecer tanto os riscos potenciais como os reais. 

O medo, quando é excessivo, pode fazer parte de muitas perturbações mentais diferentes chamadas ansiedade. Embora muitos investigadores defendam que o medo e a ansiedade são coisas diferentes, ambos envolvem este sentimento negativo de perigo. A ansiedade é o que acontece quando estamos à espera que algo de mau aconteça; o medo é o que acontece quando realmente experimentamos algo de mau. As perturbações de ansiedade são um dos maiores problemas de saúde do mundo atual e os tratamentos atualmente disponíveis não são muito bons. Assim, novas descobertas sobre o medo e o cérebro podem ajudar a tratar as pessoas com perturbações de ansiedade.

Utilização de animais para estudar o medo

Sabemos um pouco sobre o medo em  seres humanos – por exemplo, utilizando a neuroimagem (métodos que permitem que neurocientistas, cientistas que estudam a estrutura e a função do cérebro, vejam o que está acontecendo no interior do cérebro humano vivo) para tentar entender  o que se passa no cérebro das pessoas quando estas sentem medo (Figura 1) – mas esta não é uma tarefa fácil.

Em primeiro lugar, a tecnologia de neuroimagem atual não permite que regiões mais profundas do cérebro (incluindo regiões importantes para o medo, como o mesencéfalo) sejam observadas. Além disso, é difícil fazer com que as pessoas sintam medo no  laboratório, porque parte das coisas que nos fazem sentir muito medo, também podem ser traumáticas.. Por último, é difícil encontrar pessoas que se voluntariem para este tipo de experiência. Como resultado, muito do que sabemos sobre o medo e a forma como o cérebro controla esta emoção provém da investigação em outros animais.

peixe-zebra
Figura 1. Regiões do cérebro humano que estão envolvidas no medo. Estas imagens foram obtidas com vários instrumentos de neuroimagem. As áreas do cérebro envolvidas no medo são mostradas em vermelho e assinaladas com um círculo. D, dorsal (“top”); V, ventral (“bottom”); A, anterior (“in front”); P, posterior (“in the back”); L, left; R, right.

Alguns animais são utilizados na investigação científica para facilitar as pesquisas  sobre comportamentos que também são observados nos seres humanos. Embora tenhamos tendência a pensar em ratazanas e ratos quando pensamos em animais de laboratório, são utilizadas muitas espécies diferentes para este tipo de investigação, incluindo moscas, coelhos, cães e peixes. Alguns investigadores argumentam que o fato de nos concentrarmos apenas em roedores (ratos e ratazanas) limita o que podemos aprender sobre o cérebro humano.

Estas ideias levaram os neurocientistas a procurar outras espécies animais que respondessem como os seres humanos, como, por exemplo, os peixe-zebra. Este animal é amplamente utilizado para investigação nos domínios da genética, embriologia e comportamento, e está começando a ser utilizado  para a investigação também na neurociência. O peixe-zebra tem semelhanças genéticas (DNA) e físicas com os seres humanos (por exemplo, cérebros semelhantes), e estas semelhanças tornam-no um bom modelo para estudar as perturbações de ansiedade humanas (Figura 2).

Figura 2. O peixe-zebra. Este pequeno peixe é importante na neurociência e na farmacologia, devido ao seu pequeno tamanho e à sua rápida reprodução. O animal da imagem tem cerca de 4 cm (≈1,6 in) de comprimento! Fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=260841

 

A substância de alarme do peixe-zebra

Uma das muitas vantagens de utilizar o peixe-zebra para estudar o medo é o fato de, tal como outros peixes semelhantes, produzirem uma substância de alarme especial na sua pele quando são feridos. Esta substância é produzida por células da epiderme, e o objetivo da substância é sinalizar aos outros membros do cardume que um peixe foi ferido.

Quando a pele de um peixe é danificada por um predador, por exemplo, a substância de alarme é libertada e os outros peixes conseguem cheirá-la. Este  “cheiro de perigo” faz com que os outros peixes sejam mais cautelosos e se comportem como se estivessem com medo. Quando sentem esta substância de alarme, os peixes-zebra nadam mais próximos uns dos outros para aumentar a proteção. Eles também começam a nadar em zigue-zague para diminuir a probabilidade de serem comidos e para agitar os sedimentos (pedaços de folhas, areia ou terra) no fundo do oceano, tornando a água turva.

Por vezes, o peixe-zebra também congela no local, diminuindo a probabilidade de o predador o ver . Os neurocientistas e os cientistas comportamentais podem observar esses comportamentos para determinar se o peixe está com medo ou não, e depois utilizar esta informação para compreender melhor como o cérebro atua quando está assustado.

Uma das descobertas feitas ao utilizar o peixe-zebra como modelo de estudo, foi relacionada à serotonina. A serotonina – também chamada “5-HT”, abreviatura do seu nome químico, 5-hidroxitriptamina – é um tipo de neurotransmissor – uma substância química libertada pelos neurônios (células nervosas) e por outras células cerebrais quando estas são excitadas.

Os neurotransmissores permitem que as células nervosas comuniquem entre si, com células musculares e células que liberam hormônios para a corrente sanguínea. A serotonina é conhecida como o “hormônio da felicidade”, porque os medicamentos para a depressão e a ansiedade atuam estimulando a atividade da serotonina no cérebro. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade: há evidências de que a serotonina aumenta a ansiedade , embora pareça diminuir o medo .

Em 2014, pesquisadores descobriram que a substância de alarme provoca a liberação de serotonina nos cérebros dos peixes-zebra quando estes deixam de cheirar a substância , o que torna os peixes mais cautelosos, como se estivessem tentando determinar se existe ou não um predador por perto. Mas como é que a serotonina produz este efeito?

Para que a serotonina atue no cérebro, é necessário que ela se ligue a  uma molécula denominada receptor – uma proteína especial das nossas células. Isso inicia uma resposta no interior da célula, como uma chave (que seria a serotonina) que entra numa fechadura (como o receptor). A serotonina pode se ligar a uma variedade de  receptores e cada conexão produz efeitos diferentes.

Quando os peixes cheiram a substância de alarme pela primeira vez, agem como se estivessem com medo, nadando descontroladamente e, por vezes, até congelando no lugar; quando a substância deixa de ser detectável, já não têm medo, mas agem com “cuidado extra” (ou seja, ansiosos) para se certificarem de que o perigo já não existe. Os pesquisadores descobriram que um dos receptores da serotonina, chamado 5-HT1A, não parece estar envolvido nesta “precaução extra” que aparece depois de a substância de alarme deixar de ser detectável.

A prova da participação deste receptor vem de outro estudo [5] que descobriu que a injeção de um fármaco que bloqueia o receptor – ou seja, não permite que a serotonina produza o seu efeito habitual – fazia com que os peixes tivessem mais medo quando cheiravam a substância de alarme, mas não depois de a substância deixar de existir. Este grupo também descobriu que o bloqueio de outros receptores de serotonina produz um efeito semelhante, sugerindo que a serotonina diminui o medo, mas também pode estar envolvida no aumento da cautela subsequente que é observada quando a substância já não está presente (Figura 3).

Figura 3. O neurotransmissor serotonina (5-HT) atua como um sinal de que a substância de alarme já não está presente.

A linha preta no canto superior esquerdo da figura representa uma ordem temporal, as linhas  indicam quando a substância de alarme é detectável na água (“substância de alarme ‘ON’”) e quando já não é detectável (“substância de alarme ‘OFF’”).

Na região onde um neurônio se encontra com outro neurônio, chamada “sinapse”, a  serotonina é liberada de um neurônio para o outro quando a substância de alarme já não está presente (“substância de alarme ‘OFF’”), mas não quando a substância de alarme está presente. A serotonina ativa  receptores no outro neurônio o que resulta em menos medo (no peixe-zebra, menos natação em zigue-zague  e congelamento), mas mais cautela (no peixe-zebra, aproximação e exploração mais cautelosas do tanque).

Conclusão

O nosso cérebro (e o cérebro do peixe-zebra)  está sempre pronto para lidar com coisas assustadoras de uma forma que nos proteja. Com a ajuda da serotonina, podemos alternar entre duas estratégias para lidar com situações assustadoras: fugir de um perigo conhecido ou investigar cautelosamente e – preocuparmo-nos – se existe um perigo real. É possível que estudar mais sobre a serotonina e outros neurotransmissores no cérebro do peixe-zebra nos ajude a produzir novos medicamentos para tratar doenças relacionadas ao medo e a ansiedade.

 

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida na ausência de qualquer relação comercial ou financeira que poderia constituir um potencial conflito de interesses.

 

Colaboração:

Priscilla Elias Ferreira da Silva sobre a autora

Licenciada em Ciências Biológicas, Mestra em Ciências (Clínica das Doenças Infecciosas e Parasitárias). Doutora em Ciências (Parasitologia e Imunologia Aplicadas) pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Infectologia da UFTM. Faz pesquisas na área da Leishmaniose Visceral (LV) com ênfase em estudos envolvendo flebotomíneos.

 

Artigo Original:

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “What Can Zebrafish Teach Us About Fear?”, publicado pela revista Frontiers For Young Minds em 11 de fevereiro de 2019, de autoria de Pyterson, M. P.; Guedes, Pd. T; Ikeda, S.R.; Dias, T. Nascimento, W.; Lima-Maximino, M. G.; Maximino C.

 

(Editoração: Nathália A. Khaled)

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