#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)
Eu acho que vi uma suçuarana (nas cidades da América Latina)!
Suçuaranas em ecossistemas urbanos da América Latina: uma revisão das informações midiáticas
Aposto que você já viu alguma notícia como “onça-parda foi encontrada em árvore no centro de cidade” ou “suçuarana foi registrada por câmeras de segurança de condomínio”. Essas notícias estão se tornando cada vez mais comuns, devido à expansão das áreas ocupadas e modificadas pelos humanos, o que reduz e fragmenta os habitats de animais selvagens.
No artigo apresentado a seguir, publicado em 2022 pelos pesquisadores María de las Mercedes Guerisoli e Mauro Ignacio Schiaffini, os autores tentaram fornecer possíveis explicações para avistamentos de suçuaranas em áreas urbanas da América Latina a partir da busca sistematizada por reportagens da mídia sobre o assunto.
Este texto faz parte da campanha Semana da Suçuarana, uma ação do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (@pcmc_brasil) para promover discussões para conservação da espécie e também a coexistência com este animal icônico! Ahhh, o tema deste ano para Semana da Suçuarana é “CONEXÃO! A suçuarana unindo biomas, pessoas e ações” …
Assim, já fica o desafio: Depois de ler o texto abaixo, você consegue identificar por que a suçuarana é um animal que consegue unir diferentes temáticas em comum mesmo em países diferentes da América?
Introdução
Mais da metade das pessoas no mundo vivem em áreas urbanas. Na América Latina essa urbanização é marcada por concentrar quatro das quinze cidades mais populosas: São Paulo, Cidade do México, Buenos Aires e Rio de Janeiro. Esse processo ameaça a biodiversidade global devido a perda e fragmentação de habitats, especialmente de mamíferos com grandes áreas de vida e baixas densidades populacionais. Animais, geralmente, associados à saúde de um ecossistema.
Estes mamíferos podem ser representados, por exemplo, por predadores como a suçuarana, também conhecida como onça parda, animal esse com ampla distribuição na América Latina, porém sensível à fragmentação de habitat e modificações humanas no ambiente.
Em resposta a essa fragmentação, as populações de suçuaranas tendem a ser menores e mais isoladas, por exemplo. Considerados animais com alta adaptabilidade a novos ambientes, as suçuaranas são excelentes modelos para compreender a interação de predadores selvagens com ambientes atípicos. Ainda mais quando consideramos a fronteira com áreas urbanas, no qual há tráfego intenso de veículos e pedestres, poluição acústicas, químicas e luminosas.
Nesse cenário, o artigo aqui detalhado propõe caracterizar eventos de pumas em ambientes urbanos e periurbanos. Colocando como objetivos: (1) caracterizar a publicação das mídias sobre a presença de pumas em áreas urbanas e periurbanas nos últimos 10 anos na América Latina e (2) entender se a relação entre as visitas e os diferentes graus de urbanização na América Latina.
Materiais e Métodos
Como os autores buscaram as informações que precisavam?
Eles fizeram uma busca sistematizada no Google por notícias em português e espanhol usando como termos de busca, nomes comuns para suçuarana na América Latina e palavras como “urbano”, “cidade”. Só foram registradas notícias de 2011 até maio de 2021.
O que os autores notaram da notícia?
Sempre que possível os autores registraram: (a) se foi apenas o avistamento do animal; (b) qual o desdobramento do evento (por exemplo: se foi capturado); (c) se houvesse qualquer informação adicional sobre a presença da suçuarana no ambiente urbano.
Como determinar possíveis fatores para presença da suçuarana na área urbana?
Os autores definiram seis variáveis, baseados em pesquisas sobre pumas e outros predadores, que poderiam justificar a presença deste animal nestas áreas:
⇒ Densidade humana. Os autores usaram um mapa da densidade humana.
⇒ Cobertura vegetal. Suçuaranas estão associadas a habitats com cobertura vegetal, então os autores coletaram informações sobre o tipo de cobertura de vegetação na área.
⇒ Intensidade de luzes artificiais. Autores avaliaram valores relacionados a intensidade de luzes artificiais nas áreas em que as notícias foram registradas.
⇒ Densidade de animais de criação (gado, ovelhas e cabras). Muitas vezes conflitos com estes animais estão relacionados a predação de animais domésticos.
Resultados
No total, o estudo encontrou 162 registros de notícias de suçuaranas em áreas urbanas. Esse número cresceu no período analisado, especialmente no período de isolamento da Covid-19. No hemisfério sul, ainda, o número de eventos reportados na mídia flutuou de acordo com a estação, sendo, no verão, o menor número de registros e o inverno, o maior.
Desses casos, apenas 4 foram de suçuaranas mantidas em residências e 8 reportaram predação de animais domésticos. Em 75 casos, desdobramentos do acontecido foram registrados, sendo que nove resultaram na morte da onça, durante a captura ou antes mesmo da tentativa de captura das mesmas vivas. Já, das 80 notícias que relataram a idade dos animais, 40 foram adultos, porém houve números consideráveis de jovens (23) e filhotes (17).
Quanto à densidade de pessoas por quilômetros quadrados, a maior parte dos registros foram em áreas com 500 a 600 pessoas por km2 e a maior parte dos registros aconteceram no Brasil (52), sendo a densidade de cabeças de gado em áreas em que houveram notícias de suçuaranas em ambientes urbanos parecida, cerca de 700 cabeças de gado por km2.
Em relação à cobertura vegetal mais presente nas áreas em que a notícia foi reportada, 62 tratavam-se de arbustos e 35 de áreas de plantação.
A análise estatística indicou diferença significativa entre a presença e ausência de registros de suçuaranas relacionados a densidade humana e de gado, mas a intensidade da iluminação pareceu ser o fator mais relevante sendo a presença das suçuaranas mais comum em ambientes com maior iluminação.
Discussão
As notícias de suçuaranas em áreas urbanas foram maiores no Brasil, país associado a áreas com altas densidades humanas. Porém, notícias em áreas consideradas rurais (com menos de 300 pessoas por km2), como na Argentina e Chile. Esses dados, associados ao baixo número de registros associados à predação de animais domésticos, podem estar associados à diferença de cobertura midiática em ambos os estes cenários.
Foi, ainda, surpreendente o maior número de adultos registrados do que de jovens, já que jovens suçuaranas poderiam estar mais propensas a dispersão para outras áreas. Estes dados podem indicar estrutura populacional mais idosa de suçuaranas, porém mais estudos precisam ser realizados.
Colaboradora:
Bruna Lima Ferreira sobre a autora
Bruna é bióloga e mestre pela USP e pesquisadora colaboradora do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). É fascinada pelas relações que as pessoas têm com a natureza e pela busca de estratégias que promovam comportamentos mais sustentáveis e a reaproximação (e valorização) da sociedade e natureza. Acredita no papel da popularização científica e ensino de ciências para construção de uma ciência democrática.
Artigo Original:
O texto apresentado é uma adaptação do artigo ““I Did, I Did Taw a Puddy Tat!” Pumas in Urban Ecosystems of Latin America: A Review of the Mediatic Information”, publicado pela revista [Frontiers in Conservation Science] em maio de2022, de autoria de [Guerisoli, M.M; Schiaffini, M.I]. O artigo original pode ser acessado em https://www.frontiersin.org/journals/conservation-science/articles/10.3389/fcosc.2022.739026/full
(Editoração: Nathália A. Khaled)