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Você conhece a Tristeza Parasitária Bovina?

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Condição é responsável por grandes perdas em rebanhos brasileiros

DESTAQUES:
• A tristeza Parasitária Bovina é uma doença capaz de gerar grandes perdas econômicas;
• Protozoários Babesia bigemina e B. bovis e a bactéria Anaplasma marginale são os responsáveis pelos desfechos clínicos em bovinos;
• Carrapatos Rhipicephalus microplus e moscas hematófagas são os transmissores da doença. O controle desses vetores é fundamental para se evitar a propagação da doença.

A tristeza parasitária bovina (TPB) é uma doença parasitária que tem afetado rebanhos ao redor do mundo todo, principalmente no Brasil, causando inúmeros prejuízos na pecuária. Essa infecção é causada pelos protozoários Babesia bigemina e Babesia bovis e pela bactéria Anaplasma marginale. A transmissão dos agentes ocorre através do carrapato Rhipicephalus microplus e por moscas hematófagas

No Brasil, a bovinocultura é uma commoditie de grande importância econômica, ocupando a posição do segundo maior rebanho no mundo, com 213 milhões de cabeças de gado. Tendo isso em vista, as questões relacionadas à biosseguridade, ou seja, aos protocolos que têm como objetivo evitar a entrada de vírus, fungos, bactérias e protozoários do rebanho, devem ser seguidas rigorosamente, pois o surgimento de enfermidades pode causar grandes prejuízos em uma propriedade.

Os parasitos Anaplasma marginale, Babesia bigemia e Babesia bovis são responsáveis pelo surgimento das enfermidades mais conhecidas como Anaplasmose e Babesiose, que podem se manifestar isoladamente ou de forma associada no hospedeiro. A Anaplasmose e a Babesiose causam enormes prejuízos ao produtor devido à sua alta taxa de mortalidade e morbidade, aos altos custos do tratamento da doença, à queda na produção e à infertilidade temporária.

tristeza parasitária bovina
Imagem 1. Desenhos esquemáticos evidenciando parasitos (Babesia spp. e Anaplasma germinale) em esfregaços sanguíneos. A) A infecção por Babesia spp. aparece como lesões nas hemácias. B) A infecção por A. marginale é percebida como corpúsculos nessas células. Fonte: Tickboss.

No que se refere à epidemiologia, as regiões tropicais e subtropicais são consideradas áreas com uma elevada incidência da TPB. Podemos, então, imaginar 3 categorias de contextos epidemiológicos para essas doenças: 1) as áreas livres, em que não há a presença do vetor responsável pela transmissão da babesiose; 2) áreas de instabilidade enzoótica, conhecidas como as áreas marginais, nas quais o ciclo do carrapato é interrompido durante a estação do inverno e, assim, os animais deixam de ser protegidos imunologicamente, o que pode provocar surtos da doença; e 3) áreas com estabilidade enzoótica, as quais se encontram fora das zonas marginais. Nessas áreas, os bovinos são mais expostos aos carrapatos e, nessas condições, espera-se uma imunidade natural pela exposição aos agentes etiológicos da TPB. Assim, nos primeiros meses de idade dos bezerros, há a formação de uma janela imunológica protetora, o que diminui as chances de surtos.

É importante ressaltar que a doença acomete de forma mais severa animais com altos índices de genética taurina (Bos taurus), enquanto animais zebuínos (Bos indicus) parecem ter uma resistência maior tanto aos vetores transmissores do complexo TPB, quanto à doença em si. Isso se deve ao processo de adaptação desses animais em áreas de climas predominantemente tropicais, ou seja, regiões de maior prevalência da doença.

Também é importante mencionar que tanto B. bovis quanto B. bigimina realizam transmissão transovariana quando inoculadas em algumas espécies de carrapatos, como Rhipicephalus microplus. Esse fator contribui de maneira significativa para a endemicidade da doença causada por esses protozoários. Quanto à A. marginale, apesar de a transmissão transovariana já ter sido observada em algumas espécies de carrapatos, esse não parece ser o caso com R. microplus.

Ressalta-se que A. marginale também pode ser transmitida mecanicamente por moscas hematófagas e objetos contaminados. A transmissão congênita do complexo TPB é possível, contudo a transmissão de A. marginale tem sido relatada com muito mais frequência que a dos outros agentes.

A babesiose tem o período de incubação (intervalo de tempo entre o contato com a doença ao aparecimento dos primeiros sintomas) que varia de sete a 20 dias, podendo haver a multiplicação dos protozoários da doença tanto em vasos viscerais (B. bovis), que são vasos sanguíneos que suprem os órgãos viscerais, como o fígado, os rins, o estômago e os intestinos,  quanto em vasos periféricos (B. bigemina), que são os vasos localizados fora do sistema circulatório central, que inclui o coração e os pulmões. Essa multiplicação tende a levar à destruição das hemácias. 

Durante o processo, temos o dia de maior multiplicação, em que ocorre a hemólise, que é clinicamente aparente e pode provocar anemias severas, icterícia (amarelamento da pele e dos olhos), hemoglobinúria (presença de hemoglobina na urina) e até mesmo evoluir para o óbito. 

  1. marginale tem seu período de incubação de 28 a 42 dias e é conhecida, principalmente, por causar anemia em bovinos. O grau de parasitemia (presença de parasitas no sangue do hospedeiro) pode variar devido ao número de hemácias infectadas. 

Após a infecção das hemácias, essas células apresentam alterações de superfície e podem ser facilmente eliminadas pelo sistema imunológico. Além da anemia severa, ocorre o aumento da temperatura, deixando o animal completamente debilitado. Além desses, outros sinais e sintomas podem ser observados, como anorexia, pelos arrepiados, alterações nos ritmos cardíaco e respiratório, redução dos movimentos ruminais, anemia, prostração, redução da lactação e icterícia. Pode ser observado também febre, apatia, palidez de mucosas, desidratação, perda de apetite, tremores musculares, ranger dos dentes e presença de hemoglobina livre no sangue.

Nos casos de infecção por B. bovis, o animal pode apresentar alguns sinais neurológicos, como incoordenação motora, hiperexcitabilidade, cegueira, paralisia dos membros pélvicos, andar em círculos, agressividade e até mesmo convulsão.

Diagnóstico, medidas profiláticas e tratamento da TPB

Há várias maneiras de se diagnosticar a TPB, tanto indiretamente (quando os anticorpos produzidos para combater a doença são identificados) quanto diretamente (quando os agentes causadores da doença são identificados). Entre as formas indiretas, destacam-se: teste de conglutinação rápida (TCR), teste de aglutinação em látex, testes de hemaglutinação, fixação de complemento (FC), imunofluorescência indireta (IFI), teste ELISA indireto e teste ELISA competitivo.

Para formas diretas de detecção da doença, tem-se como principais a detecção dos agentes etiológicos em esfregaço sanguíneo por microscopia (em casos de infecção aguda) e a amplificação de DNA por PCR (reação em cadeia da polimerase). 

Todos os parasitos envolvidos no complexo TPB são intracelulares obrigatórios, ou seja, precisam infectar uma célula viva para completar seu ciclo biológico. As células parasitadas em questão são as hemácias, que se mostram com pequenos corpúsculos quando infectadas por A. marginale ou com lesões caracterizadas pela presença dos agentes etiológicos quando infectadas por Babesia spp..

Os métodos de profilaxia para Tristeza Parasitária Bovina consistem em: controle dos vetores, quimioprofilaxia, premunição (que será mencionado a seguir) e uso de vacinas.

Uma das principais medidas de prevenir a TPB é o controle dos vetores da doença. Destaca-se o uso de carrapaticidas e acaricidas que possuem extrema importância para a erradicação dos carrapatos presentes nos animais e no pasto. É aconselhado a realização dos banhos de imersão com os carrapaticidas sempre com a dose e concentração correta, atentando-se em fazer o rodízio do princípio ativo para não ocorrer a resistência contra os medicamentos utilizados. Especialmente para os casos de anaplasmose, deve-se realizar o controle das moscas, principalmente em épocas chuvosas, quando elas aparecem em maior número.

A quimioprofilaxia consiste em tratar os animais que não tiveram contato com a Tristeza Parasitária Bovina e os expor ao agente causador da doença. Sendo assim, no decorrer da diminuição da droga utilizada, o animal entrará em contato com certa quantidade de carrapatos contaminados e, consequentemente, terá aumentada a sua imunidade contra esses agentes. Observa-se em alguns casos a ocorrência de resistência ao antibiótico utilizado no tratamento e, também, a outros patógenos, como a bactéria Escherichia coli.

A premunição é um método que se baseia na inoculação do sangue de um animal portador da TPB em animais suscetíveis à infecção. Ao realizar o tratamento corretamente, o sistema imunológico do animal tende a se fortalecer; entretanto, se algo der errado neste tratamento existe o risco de a doença ser disseminada.Além disso, trata-se de uma técnica de alto custo. Além da possível transmissão da TPB, a premunição pode causar a disseminação de outras doenças transmitidas pelo sangue entre bovinos, tais como leucose bovina, rinotraqueíte bovina, diarreia viral bovina, tuberculose e leptospirose. É um método que deve ser discutido com parcimônia entre os responsáveis técnicos e proprietários.

Em relação ao uso de vacinas na prevenção de TPB, estas são dispostas para que o rebanho esteja protegido contra a doença. Essas vacinas podem ser de microrganismos vivos (inclusive esse método tem sido o mais utilizado em maior quantidade no Brasil, em sua forma tríplice, com os 3 agente etiológicos aqui discutidos); ou em sua forma inativada, a qual é desenvolvida através de sangue de animais infectados no pico de parasitemia. 

A colostragem é um meio de profilaxia realizado a partir da ingestão do colostro pelo bezerro, a qual garante a imunidade passiva desse animal com máxima absorção intestinal de imunoglobulinas

O tratamento da TPB é realizado, sobretudo, a partir da aplicação de medicamentos  à base de dipropionato de imidocarb, eficaz contra a B. bigemina, B. bovis e A. marginale. Esse medicamento é o mais utilizado devido à sua lenta metabolização, porém pode causar diarreia, cólica e salivação no animal. Ademais, a utilização dele é aconselhada quando a infecção é mista, já que ele age contra todos os agentes causadores da TPB. Vale ressaltar que esse é um medicamento com prescrição veterinária. Portanto, médicos veterinários precisarão acompanhar cuidadosamente o desempenho/dosagem em cada animal acometido pela TPB.

A babesiose é tratada de maneira que os protozoários sejam destruídos com medicamentos à base de aceturato de diminazeno, dipropionato de imidocarb, diisetionato de amicarbalina e fenamidina. No caso da anaplasmose, é utilizado a oxitetraciclina, que possui ação bacteriostática e, portanto, é capaz de inibir a síntese proteica das bactérias.

A TPB é uma doença com alto índice de mortalidade nos rebanhos e causa um grande prejuízo econômico para o pecuarista tanto de corte quanto de leite, que afeta principalmente os bezerros e causa diminuição no ganho de peso e perda na produção. O pecuarista que se depara com problemas como a TBP no seu rebanho tem aumento de gastos na criação, pois necessita de maior auxílio do médico veterinário e do uso medicamentos não só para o tratamento, como também para prevenir que a doença se espalhe no rebanho.

 

Colaboração:

Bárbara Vitória Corrêa Alves sobre a autora

Graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade de Uberaba. Atualmente, atua como aluna bolsista de iniciação científica no curso de medicina veterinária da Uniube. Além disso, é monitora da matéria de Bioestatística, da grade do curso de Medicina Veterinária.

 

Joely Ferreira Figueiredo Bittar sobre a autora 

Graduada e Mestra Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Ciência Animal (UFMG) e pós-doutora pelo Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ Minas. Atua na área de Medicina Veterinária Preventiva, principalmente nos seguintes temas: Epidemiologia das principais enfermidades que acometem os bovinos, diagnóstico e controle de doenças parasitárias e imunologia envolvida nas respostas aos agentes parasitários.

Júlia Oliveira Alcântara sobre a autora 

Graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade de Uberaba. Atualmente, atua como aluna de Iniciação Científica no projeto no curso de Medicina Veterinária da Uniube. Além disso é presidente do grupo de estudos de animais de pequeno porte (GEAPP) da Universidade de Uberaba.

 

Maria Fernanda de Oliveira Lima sobre a autora

Graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade de Uberaba. Atualmente, atua como aluna bolsista de iniciação científica no curso de medicina veterinária da Uniube.

Matheus Santos Benzi sobre o autor

Graduando em Medicina Veterinária pela Universidade de Uberaba. Atualmente, atua como aluno bolsista de iniciação científica no curso de medicina veterinária da Uniube. Além disso, é monitor da matéria de Parasitologia e Doenças Parasitárias, da grade do curso de Medicina Veterinária.

 

Priscilla Elias Ferreira da Silva sobre a autora

Licenciada em Ciências Biológicas, Mestra em Ciências (Clínica das Doenças Infecciosas e Parasitárias). Doutora em Ciências (Parasitologia e Imunologia Aplicadas) pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Infectologia da UFTM. Faz pesquisas na área da Leishmaniose Visceral (LV) com ênfase em estudos envolvendo flebotomíneos.

 

Referências:

Apresentação de pôster intitulado “Diagnóstico molecular de tristeza parasitária bovina em Rhipicephalus microplus da região tropical do México / Molecular diagnosis of cattle tick fever agents in Rhipicephalus microplus from tropical region of México”, apresentado em 2016 no XIX Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária / 8th Novel approaches to the control of helmith parasites of livestock de autoria de Pina, F.; Blecha, I.; Duarte, P.; e colaboradores.  

Artigo científico intitulado “Bovine babesiosis a study of factors concerned in transmission”, publicado na revista Annals of Tropical Medicine & Parasitology em 1969, de autoria de Mahoney, D.

Artigo científico intitulado “Caracterização epidemiológica e patológica do índice de mortalidade em bovinos da microrregião de Catalão-GO, publicado na revista Brazilian Journal of Development em 2024, de autoria de Sousa, L.; Nascimento, F.; Santos, F.; e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Epidemiologia e controle da tristeza parasitária bovina na região sudeste do Brasil”, publicado na revista Ciência Rural em 2000, de autoria de Gonçalves, P. 

Artigo científico intitulado “Epizootiological factors in the control of bovine babesiosis”, publicado na revista Veterinary Journal em 1972, de autoria de Mahoney, D. e Ross, D.

Artigo científico intitulado “Seasonal fluctuations of Babesia bigemina and Rhipicephalus microplus in Brangus and Nellore cattle reared in the Cerrado biome, Brazil”, publicado na revista Parasites Vectors em 2022, de autoria de .Martins, K.;, Garcia, M.; Bonatte-Junior, P. e colaboradores. 

Artigo científico intitulado “Tristeza parasitária bovina: Revisão”, publicado na revista Research, Society and Development em 2021, de autoria de Silva, T.; Alves-Sobrinho, A.; de Lima, L. e colaboradores.

Dissertação de Mestrado defendida na Universidade Federal do Vale do São Francisco,no ano de 2013, intitulada “Estudo epidemiológico da tristeza parasitária bovina em rebanhos dos municípios de Petrolina e Ouricuri, estado de Pernambuco”, de autoria de Santos, G.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido nas Faculdades Metropolitanas Unidas (SP)m no ano de 2009, intitulada “Tristeza Parasitária Bovina (Babesiose x Anaplasmose)”, de autoria de Kikugawa, M.

 

(Editoração: Camilla Elias da Silva, Isaac e Fernando F. Mecca)

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