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Os Rios Extintos do Nordeste Brasileiro

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

Estudos geológicos indicam que antigos rios extintos no Nordeste brasileiro compartilham uma origem comum com formações no norte da África, evidenciando uma conexão continental de milhões de anos

A região do Nordeste brasileiro, especialmente em áreas como Sobral e Juazeiro do Norte, no Ceará, Catimbau, em Pernambuco, e Monsenhor Hipólito, no Piauí, possui arenitos, um tipo de rocha que se apresenta em diversas camadas. Esse cenário indica a presença de antigos rios na região há milhões de anos. Segundo geólogos, esses rios, que existiram entre 480 e 445 milhões de anos atrás, eram extensos e diferentes dos atuais, fluindo em áreas sem vegetação.

Através de estudos de arenitos e zircões coletados em bacias sedimentares, uma pesquisa desenvolvida na Unesp concluiu que os rios desapareceram devido a uma glaciação intensa no final do período Ordoviciano. A pesquisa sugere que essas formações sedimentares têm uma origem comum, remontando a uma época em que o Nordeste brasileiro e o norte da África formavam uma unidade geológica contínua, o extinto continente Gondwana.

Os estudos realizados pelo geólogo Rodrigo Cerri, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), revelaram que os rios do Nordeste brasileiro, há milhões de anos, tinham características únicas. Essas águas fluviais, provavelmente se entrelaçavam e percorriam grandes extensões de terra com leve inclinação, as quais eram desprovidas de vegetação.

Através da análise de arenitos coletados em bacias sedimentares do Ceará, Piauí e Pernambuco, Cerri identificou camadas de sedimentos que indicam a direção desses antigos rios, agora cobertos por outras rochas e vegetação. A pesquisa foi detalhada em artigos publicados nas revistas Geological Magazine e Gondwana Research. Segundo ele, havia uma rede ou sistemas de rios, cada um com 300 a 500 km de extensão, maiores, portanto, que o Capibaribe, com 240 km, que nasce no sertão de Pernambuco, atravessa Recife e deságua no mar.

Embora com origem diferente, seriam como o São Francisco ou o Amazonas, que nascem em montanhas, respectivamente, em Minas Gerais e nos Andes peruanos, e seguem para o Atlântico. 

Há 400 milhões de anos, a região que viria a ser o Nordeste brasileiro ainda estava unida com o atual norte da África, formando uma unidade geológica contínua, que se estendia até o Oriente Médio, onde também havia rios descendo de montanhas, igualmente extintas. Como o Atlântico ainda não tinha se formado, os rios desaguavam no mar ao norte do atual Nordeste brasileiro e a oeste da África, em trechos onde os dois continentes já tinham se afastado.

A separação se completou há cerca de 100 milhões de anos, quando deve ter se quebrado o último maciço rochoso de cerca de 425 km que unia o atual norte do Rio Grande do Norte e o sul de Pernambuco à costa do que hoje são Nigéria, Camarões e Guiné Equatorial. O Atlântico ganhou então espaço para se formar e se alargar.

rios nordeste

Para determinar a idade das rochas, Cerri utilizou a técnica de datar zircões, que são minerais que incorporam elementos químicos do ambiente em que se formaram. Um dos elementos químicos do zircão é o urânio, que, por ser radioativo, se transforma – ou decai – em uma das formas de outro elemento, o chumbo. Rochas mais antigas têm menos urânio (ou mais chumbo) e as mais jovens mais urânio (ou menos chumbo). Assim, ele analisou amostras de arenitos triturados, extraindo grãos de zircão que foram examinados para medir as proporções de urânio e chumbo, indicando a idade das rochas.

Os resultados mostraram que os zircões vieram de terrenos mais antigos e altos, antes de serem transportados para áreas mais recentes e baixas. Esta evidência apoia a teoria de que os sedimentos das bacias do Nordeste têm uma origem comum, datando de uma época em que a região fazia parte de uma unidade geológica maior, conectada ao norte da África.

David Vasconcelos, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), considera válida a hipótese de Cerri sobre a origem comum das unidades sedimentares do Nordeste. Ele explica que, há 480 milhões de anos, os rios poderiam estar integrados em uma vasta depressão afro-brasileira, sendo até maior que a atual rede hidrográfica da Amazônia. Contudo, o geólogo Ticiano dos Santos, da Unicamp, adverte que não se pode descartar a possibilidade de fontes de sedimentos variadas, dado que rochas de mesma idade podem aparecer em diferentes locais. Mesmo assim, a pesquisa de Cerri traz uma nova compreensão sobre a história geológica da região.

Ao revelar que os sedimentos das bacias sedimentares do Nordeste têm uma origem comum, possivelmente conectada ao norte da África, Cerri e sua equipe oferecem uma perspectiva unificada e abrangente sobre a evolução geológica da área. Essas conclusões não apenas preenchem lacunas na compreensão científica, mas também reforçam a interconectividade histórica entre os continentes, agora separados pelo Oceano Atlântico.

A confirmação da origem comum dos sedimentos pode revolucionar o entendimento das formações geológicas do Nordeste e sua comparação com outras regiões sedimentares ao redor do mundo. Com a continuidade dos estudos e novas tecnologias de análise, a história geológica da região poderá ser ainda mais detalhada, proporcionando descobertas valiosas para a ciência e a preservação dos recursos naturais do Nordeste brasileiro.

 

Colaboração:

Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Revista Pesquisa Fapesp, intitulada “Rios extintos do Nordeste”, publicada em julho de 2024. https://revistapesquisa.fapesp.br/rios-extintos-do-nordeste/

 

 

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