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Laboratório Orion, Nível 4 de Biossegurança, está sendo construído no CNPEM em Campinas e será integrado ao síncrotron Sirius
O Brasil abrirá nesta década o primeiro laboratório de biociências de segurança máxima na América Latina. No mês de julho, comemorou-se o início das obras do laboratório Orion – um laboratório de biossegurança nível 4 (BSL-4) – em Campinas (SP), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Ele está programado para entrar em operação em 2028 e abrigará laboratórios de biossegurança de níveis mais baixos, incluindo instalações de BSL-2 e BSL-3. Além disso, será o primeiro BSL-4 do mundo equipado com um sincrotron: um acelerador de partículas, mais especificamente o Sírius, também instalado no CNPEM.
Pesquisadores estão entusiasmados com a perspectiva de uma instalação onde possam estudar com segurança os patógenos mais perigosos. No entanto, alguns se preocupam com o custo de manutenção de um laboratório desse tipo e temem a resistência que certamente receberão do público quanto ao alojamento de organismos letais.
Segundo especialistas, como Flávio Fonseca, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, a necessidade de um laboratório de biossegurança nível 4 (BSL-4) no Brasil é inquestionável. “Temos observado um aumento no número de surtos epidêmicos, e até pandêmicos, nos últimos 100 anos”, disse ele à revista Nature. Quando um surto ocorre, os pesquisadores querem poder trabalhar com segurança com o vírus vivo para entendê-lo e desenvolver vacinas e tratamentos da maneira mais rápida possível.
Há uma preocupação na comunidade científica geral com relação aos patógenos que podem surgir na América Latina. Em particular porque os humanos estão desmatando cada vez mais a floresta amazônica para agricultura e outros usos, e isso faz com que o contato com animais que podem abrigar vírus desconhecidos seja iminente.
Em adição a isso, as mudanças climáticas estão forçando algumas espécies a sair de locais remotos e se mover para áreas mais povoadas. Sendo assim, a presença de um laboratório como esse possibilita a tomada de respostas rápidas a essas problemáticas. Como exemplo dessa necessidade crescente, cinco arenavírus causadores de febres hemorrágicas — que só podem ser estudados em um laboratório BSL-4 — já foram detectados na América do Sul. Em particular, o vírus Sabiá foi relatado pela primeira vez em São Paulo.
Os laboratórios BSL-4 são os mais seguros de todos. Um laboratório desse tipo é projetado para diagnosticar e investigar patógenos sem colocar em risco a equipe ou a população em geral. Nessas instalações, isoladas das outras, os pesquisadores trabalham com patógenos que podem ser transmitidos pelo ar, que são letais e para os quais não existem vacinas ou tratamentos.
Os cientistas precisam tomar banho e trocar de roupa antes de entrar e sair e, enquanto estão nos laboratórios, usam trajes especialmente projetados, conectados a um suprimento de ar separado. Assim, um laboratório desse nível de segurança permite que cientistas manuseiem patógenos do Grupo de Risco 4, como os vírus Ebola, Lassa e Nipah.
De acordo com um relatório do ano passado da iniciativa Global BioLabs, conduzida por pesquisadores da Universidade George Mason em Fairfax, Virgínia, e do King’s College London, existem 51 laboratórios BSL-4 em operação ao redor do mundo.
Cerca de 70% estão no Canadá, Europa ou Estados Unidos. Outros 18 estão ainda em fase de planejamento ou em construção, incluindo o Orion, que é o único na América Latina. Ter um laboratório BSL-4 no Brasil pode significar mais autonomia para a ciência do país, afirma Fonseca, permitindo que os pesquisadores estudem patógenos locais e desenvolvam tratamentos internamente, em vez de viajar para laboratórios em outros países para realizar pesquisas e, depois, esperar na fila para receber testes diagnósticos e vacinas.
Outro ponto importante é que, quando a construção do Orion estiver concluída, ele será a primeira instalação BSL-4 do mundo equipada com um sincrotron: um acelerador de partículas que produz radiação de alta potência para gerar imagens. Com isso, os cientistas poderão utilizar três linhas de feixe de raios-X derivadas do sincrotron já existente no campus do CNPEM, o Sirius, para revelar as estruturas dos patógenos e esclarecer as dinâmicas de como eles infectam células, tecidos e pequenos organismos.
No entanto, essa integração demandará altos desafios técnicos e de segurança, como a necessidade de calibração e manutenção do hardware fora da área BSL-4. Além disso, o Orion enfrentará desafios na formação de pessoal para trabalhar em um ambiente novo na região, na criação de um marco regulatório para supervisionar experimentos de risco e na implementação de medidas de segurança para evitar acessos não autorizados.
Tatiana Ometto, especialista em biossegurança do CNPEM, reconhece que o Brasil ainda não possui um mecanismo de supervisão para experimentos em laboratórios BSL-4, mas destaca que as discussões estão em andamento, com o Ministério da Saúde criando um grupo de trabalho para acompanhar o desenvolvimento do Orion.
As preocupações com a biossegurança aumentaram desde a pandemia de COVID-19, especialmente devido às teorias sobre a origem do vírus SARS-CoV-2. Juliette Morgan, diretora regional da América do Sul para o CDC, ressalta que preocupações com biossegurança são relevantes em todos os laboratórios BSL-4 globalmente, e o CNPEM tem buscado preencher lacunas nesse aspecto.
O custo de manutenção do Orion também é uma preocupação, com o governo brasileiro investindo R$ 1 bilhão na construção, além das preocupações da manutenção contínua ser muito cara, como apontado por experiências internacionais. Apesar disso, o diretor do CNPEM, Antônio José Roque da Silva, observa que o Orion é mais barato de construir do que laboratórios BSL-4 nos EUA, e que o Brasil está construindo essa instalação com um quinto do valor que seria gasto em média nos EUA. No entanto, o diretor admite que a manutenção será um desafio, e o CNPEM está buscando fundos adicionais de outros Ministérios para garantir a sustentabilidade do projeto.
Colaboração:
Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site Nature, intitulada “First biolab in South America for studying world’s deadliest viruses is set to open”, publicada em 21/08/24. https://www.nature.com/articles/d41586-024-02609-w