#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)
A técnica de edição de DNA chamada de CRISPR-Cas9 foi usada para edição de genes de hamsters para estudos de neurociência social.
Provavelmente vocês já ouviram falar de CRISPR-Cas9. A tecnologia já foi assunto de polêmica quando um médico chinês a usou para deletar genes relacionados à infecção por HIV de embriões humanos enquanto realizava técnicas de reprodução assistida. Apesar dos dilemas éticos que envolvem a edição genética, a tecnologia do CRISPR-Cas9 permite alta eficiência e fornece facilidade para edição de genes nos mais diversos organismos. Foi considerando isso que em maio de 2022 pesquisadores da Universidade do Estado da Geórgia aplicaram essa metodologia para deletar um gene de hamsters que está envolvido com a comunicação social e a agressão. O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Os cientistas deletaram um gene que expressa o receptor de vasopressina (hormônio importante para vários processos fisiológicos), chamado Avpr1a, e observaram os efeitos dessa deleção na sinalização de um circuito cerebral da comunicação social e da agressão. O objetivo de metodologias de deleção de genes é identificar a diferença fenotípica (características observáveis de um organismo) entre os organismos com a deleção e os organismos normais, chamados de selvagem. Sendo assim, para realizar a deleção do receptor, foi usada a tecnologia do CRISPR-Cas9 e a ausência de Avpr1a nesses hamsters foi comprovada devido 1) uma completa falta de ligação ao receptor Avpr1a em todo o cérebro, 2) uma insensibilidade comportamental a vasopressina administrada centralmente e 3) uma ausência de resposta da regulação da pressão arterial bem conhecida que acontece devido à ativação de Avpr1a.
Os resultados surpreenderam os autores do trabalho, uma vez que a eliminação do receptor Avpr1a eliminou efetivamente a ação da vasopressina sobre ele, alterando drasticamente o comportamento social de maneiras inesperadas. O pesquisador que orientou o estudo, Dr. Albers, disse ter ficado surpreso com os resultados. “Antecipamos que, se eliminássemos a atividade da vasopressina, reduziríamos tanto a agressão quanto a comunicação social. Mas aconteceu o oposto.” – ele explica. Inesperadamente, os hamsters que tiveram o gene deletado exibiram mais comportamento de comunicação social e agressão em relação a membros do mesmo sexo do que os animais selvagens. Os hamsters utilizados na pesquisa são hamsters sírios, que vêm sendo muito utilizados para estudos de comportamento social, agressão e comunicação, fornecendo um bom modelo para esse tipo de estudo uma vez que sua organização social é mais semelhante à dos humanos do que a observada em camundongos.
Albers explica que “Embora saibamos que a vasopressina aumenta os comportamentos sociais ao atuar em várias regiões do cérebro, é possível que os seus efeitos mais globais no receptor Avpr1a sejam inibitórios. Nós não entendemos esse sistema tão bem quanto pensávamos. As descobertas nos dizem que precisamos começar a pensar sobre as ações desses receptores em circuitos inteiros do cérebro e não apenas em regiões específicas.” Isso permitiu que os cientistas afirmassem que a biologia por trás do comportamento social pode ser mais complexa do que se pensava anteriormente. Assim, os dados enfatizam a importância de estudos comparativos com abordagens de edição de genes para esse tipo de estudo e sugerem a possibilidade de uma regulação específica desses receptores, diferente da esperada.
O estudo fornece ferramentas interessantes para estudos de comportamento social, sendo esta uma de suas maiores contribuições. “Mas é importante entender os neurocircuitos envolvidos no comportamento social humano e nosso modelo tem relevância translacional para a saúde humana. Compreender o papel da vasopressina no comportamento é necessário para ajudar a identificar potenciais estratégias de tratamento novas e mais eficazes para um grupo diversificado de distúrbios neuropsiquiátricos variando de autismo a depressão” – Albers conclui.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico intitulado “CRISPR-Cas9 editing of the arginine–vasopressin V1a receptor produces paradoxical changes in social behavior in Syrian hamsters”, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) em 2022, de autoria de Taylor e colaboradores. https://www.pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.2121037119
Matéria no site Galileu, intitulada “Médico chinês diz ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados”, publicada em 27/11/2018. https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/11/medico-chines-diz-ter-criado-os-primeiros-bebes-geneticamente-modificados.html
Matéria no site Pys Org, intitulada “Researchers find CRISPR-Cas9 gene editing approach can alter the social behavior of animals”, publicada em 16/05/2022. https://phys.org/news/2022-05-crispr-cas9-gene-approach-social-behavior.html