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DESTAQUES: • A doença de Chagas foi descoberta há 114 anos pelo médico, sanitarista e pesquisador brasileiro Carlos Chagas; • Foi a primeira vez na história da medicina mundial que um pesquisador conseguiu descrever o ciclo, o vetor de transmissão, o agente etiológico, o reservatório doméstico e a patologia de uma doença; • A doença de Chagas está listada no grupo de doenças tropicais negligenciadas (DTNs) afetando, principalmente, indivíduos de áreas subtropicais e em situações de vulnerabilidade socioeconômica. |
Em 1909, com apenas 30 de idade, o médico e cientista Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas (1879-1934) chegou à cidade de Lassance, no interior de Minas Gerais, devido ao sucesso no tratamento dos trabalhadores da Estrada de Ferro da Central do Brasil, que possuíam Malária – doença parasitária transmitida por vetores e que assola inúmeras regiões do Brasil. A cidade de Lassance, na época, apresentava rumores de um surto de sífilis (Figura 1).
Com olhar observador e análises minuciosas, Chagas identificou na cidade uma infestação atípica de percevejos (hemípteras), conhecidos como barbeiros, já que costumam picar o rosto das pessoas durante a noite.
Os barbeiros se abrigavam e faziam seus ninhos nas frestas evidentes da maioria das casas de Lassance, construídas de madeira e barro (casas de pau a pique). No período da noite podia se observar que esses insetos saiam de seus ninhos e, por se tratar de insetos hematófagos, que se alimentam principalmente de sangue, as fêmeas desses insetos picavam as pessoas que moravam nas casas (Figura 2).
Ao capturar, dissecar e observar alguns desses insetos no microscópio, Chagas encontrou diversos parasitas em seu tubo digestivo, anulando imediatamente a hipótese inicial do surto de sífilis. Ele enviou os insetos parasitados para o Instituto Manguinhos, para que o pesquisador Oswaldo Cruz realizasse outras análises. Ao final das observações e consultas médicas, Chagas constatou que se tratava de uma forma nova de espécie de tripanossomatídeo, chamando a mesma de Trypanosoma cruzi (Figura 3), em homenagem à Oswaldo Cruz.
A descoberta de Carlos Chagas foi um marco na história da medicina uma vez que incluía:
- o ciclo completo da doença de Chagas;
- o agente etiológico Trypanosoma cruzi e suas fases de desenvolvimento;
- o inseto vetor e seus hábitos de vida;
- os reservatórios domésticos do protozoário;
- a patologia da doença.
Esta descoberta desencadeou novos rumos para a Medicina Tropical no Brasil.
Atualmente, estima-se que 6 a 7 milhões de pessoas em todo o mundo estejam infectadas com o Trypanosoma cruzi. A doença de Chagas, listada entre as 20 doenças tropicais negligenciadas (Neglected Tropical Disease – World Health Organization), é encontrada em áreas endêmicas de 21 países da América Latina, sendo transmitida principalmente quando humanos entram em contato com as fezes ou urina dos insetos infectados (transmissão vetorial).
A transmissão da doença de Chagas pode ocorrer das seguintes maneiras:
1) quando o indivíduo inadvertidamente coça o local da picada introduzindo as fezes contendo os protozoários na ferida criada pela picada ou, posteriormente ao tocar as mucosas da boca ou olhos;
2) pelo consumo de alimentos contaminados com resíduos de triatomíneos infectados (importante observar surtos a partir da transmissão oral);
3) transfusão de sangue ou hemoderivados de doadores infectados;
4) transmissão congênita (de mãe para filho) durante a gravidez ou parto;
5) transplante de órgãos de doadores infectados;
6) acidentes de laboratório com manuseio do T. cruzi.
Os sintomas mais comuns da doença são: febre, dor de cabeça, tosse, inchaço (presença do chagoma de inoculação e sinal de Romaña), dores abdominais, entre outros. A doença pode evoluir sem nenhum sintoma e sinais clínicos ao longo da vida, mas, a longo prazo, em 30% dos afetados, apresenta consequências irreversíveis e crônicas para o sistema nervoso, coração e sistema digestivo, estimando-se anualmente 10 mil mortes pela mesma.
Se o tratamento for iniciado durante a fase aguda dos sintomas, os medicamentos Benznidazol® ou Nifurtimox® são considerados eficazes para matar os parasitas. A eficácia desses fármacos diminui quando o diagnóstico é realizado tardiamente, ou seja, em pacientes na fase crônica. O número de pacientes que recebem diagnóstico e tratamento em tempo adequado para cura correspondem a menos de 10% dos pacientes que possuem a doença no mundo.
A transmissão da doença, bem como seu descobrimento precoce e seu tratamento, estão intimamente associados a inúmeros fatores sociais e ambientais, como más condições de moradia e pobreza, expondo milhares de pessoas à infecção. Iniciativas de saúde, da OPAS, buscam erradicar a doença de Chagas e outras DTNs até 2030, buscando cada vez mais a educação em saúde da população e assim o descobrimento precoce da doença.
É notório o engajamento de pesquisadores brasileiros na busca de novos testes diagnósticos com boas taxas de sensibilidade e especificidade, além dos estudos em relação a vacinas contra o T. cruzi.
Um exemplo é o trabalho coordenado há 20 anos pelo pesquisador Maurício Martins Rodrigues, em parceria com diversas instituições (IOC/Fiocruz, CPqRR/Fiocruz, UFF, UFMG, UFSC, UNIFESP e Universidade de Massachusetts), que desenvolveu e testou, em camundongos, uma vacina de caráter terapêutico (não preventivo) contra a doença de Chagas. Essa vacina mostrou-se capaz de estimular o sistema imunológico no combate ao protozoário. Resultados preliminares, publicados na revista científica Plos Pathogens, demonstraram: aumento de 80% de sobrevivência dos animais infectados, redução de carga parasitária e diminuição de alguns sintomas da doença, como arritmias cardíacas.
Colaboração:
Priscilla Elias Ferreira da Silva sobre a autora
Priscilla é licenciada em Ciências Biológicas, mestra em Ciências (Clínica das Doenças Infecciosas e Parasitárias) e doutora em Ciências (Parasitologia e Imunologia Aplicadas) pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Infectologia da UFTM. Faz pesquisas na área da Leishmaniose Visceral (LV) com ênfase em estudos envolvendo flebotomíneos.
Referências
Artigo científico intitulado “A human type 5 adenovirus-based Trypanosoma cruzi therapeutic vaccine re-programs immune response and reverses chronic cardiomyopathy”, publicado na revista PLoS Pathogens em 2015, de autoria de Pereira, I.R.
Artigo científico intitulado “Chagas disease”, publicado na revista Lancet em 2018, de autoria de Pérez-Molina, J.A. e Molina, I.
Artigo científico intitulado “Chagas disease as example of a reemerging parasite”, publicado na revista Seminars in diagnostic pathology em 2019, de autoria de Guarner, J.
Artigo científico intitulado “Why do we still have not a vaccine against Chagas disease?”, publicado na revista Mem. Inst. Oswaldo Cruz em 2022, de autoria de Camargo, E.P. e colaboradores.
Matéria no site da Pan American Health Organization PAHO intitulada “Less than 10% of those infected with Chagas disease receive timely diagnosis and treatment”, publicada em 13/04/2022. https://www.paho.org/en/news/13-4-2022-less-10-those-infected-chagas-disease-receive-timely-diagnosis-and-treatment
Site da Fundação Fio Cruz, que apresenta a história sobre a descoberta da doença de Chagas. https://chagas.fiocruz.br/historia/a-descoberta/
Site da Organização Mundial da Saúde, que apresenta o tópico em doenças intitulado “Chagas disease (American trypanosomiasis)”. https://www.who.int/health-topics/chagas-disease#tab=tab_1
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(Editoração: Loren Q. Pereira e Nathália A. Khaled)