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Cientistas exploraram a capacidade de aprendizado de águas-vivas e descobriram que, mesmo sem possuir um cérebro centralizado, elas podem aprender com experiências e mudar seu comportamento
Em um novo estudo publicado na revista Current Biology, cientistas da Universidade de Kiel, na Alemanha, relataram que as águas-vivas possuem a capacidade de aprender e ajustar seu comportamento com base em experiências passadas, mesmo não tendo um cérebro da forma como conhecemos. A descoberta desafia a compreensão humana da aprendizagem como uma função dos neurônios, lançando luz sobre as origens desse processo biológico e cognitivo.
Diferentemente dos vertebrados e moluscos, as águas-vivas são organismos incrivelmente simples. Elas não possuem um cérebro centralizado e, em vez disso, têm neurônios espalhados por seus corpos transparentes. Esses neurônios, particularmente concentrados perto dos centros visuais da água-viva, conhecidos como rhopalia ou ropálios, atuam como centros de processamento de informações visuais.
Para investigar se as águas-vivas podem aprender sem um cérebro, a equipe de pesquisa liderada por Jan Bielecki realizou um experimento usando a água-viva do Caribe (Tripedalia cystophora). O estudo envolveu a colocação das águas-vivas em tanques com paredes padronizadas para observar as mudanças em seu comportamento. As águas vivas foram divididas em dois grupos: um grupo foi colocado em um tanque com listras preto e branco, imitando a aparência de raízes de mangue comumente encontradas em seu habitat natural. O outro grupo foi colocado em um tanque com listras cinzas mais fracas, representando obstáculos mais distantes.
As águas-vivas no primeiro tanque apresentaram um comportamento cauteloso e evitaram tocar as listras, percebendo-as como obstáculos próximos. Por outro lado, as águas-vivas no tanque com listras cinzas mais fracas colidiam frequentemente com as listras. No entanto, o que mais surpreendeu os pesquisadores foi que, após apenas alguns minutos, as águas-vivas no tanque com listras cinzas mais fracas começaram a se comportar de forma diferente. Em vez de flutuar perto das paredes, como faziam inicialmente, elas começaram a nadar 50% mais longe delas e a se virar com mais frequência. Esse ajuste no comportamento indicou que a água-viva havia aprendido que os obstáculos (as listras na parede) estavam muito mais próximos do que inicialmente percebiam.
Para obter mais informações sobre esse processo de aprendizagem, os cientistas extraíram os neurônios visuais das águas-vivas e os expuseram a padrões fracamente listrados enquanto aplicavam pulsos elétricos para simular colisões. Eles fizeram isso com o rópálio isolado posicionado de frente para uma tela de projeção, controlando então as imagens apresentadas e medindo os sinais emitidos por esses órgãos com equipamentos semelhantes a marcapassos. Surpreendentemente, em poucos minutos, esses neurônios isolados começaram a sinalizar para o animal para que ele se virasse em resposta à imagem. Esse experimento demonstrou que a aprendizagem pode ocorrer em um nível neural sem a presença de um cérebro centralizado.
Embora o estudo em questão ofereça descobertas intrigantes sobre as águas-vivas, ele também tem implicações mais amplas para a nossa compreensão da aprendizagem em organismos mais avançados, incluindo os seres humanos. Ao explorar os mecanismos de aprendizagem em organismos mais simples, como as águas-vivas, os cientistas esperam descobrir os princípios fundamentais que sustentam a aprendizagem como um processo biológico universal. O Dr. Bielecki e sua equipe acreditam que sua pesquisa pode contribuir para identificar as origens da aprendizagem e esclarecer por que ela se tornou uma adaptação tão importante para várias formas de vida. O aprendizado desempenhou um papel fundamental no domínio da humanidade na Terra, e a compreensão de seus fundamentos biológicos pode fornecer informações valiosas sobre nossas próprias habilidades cognitivas.
Colaboração:
Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site Só Científica, intitulada “Cientistas descobrem que águas-vivas podem aprender sem um cérebro”, publicada em 26/09/23. https://socientifica.com.br/cientistas-descobrem-que-aguas-vivas-podem-aprender-sem-um-cerebro/