#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)
O sensor feito de papelão e contendo nanopartículas de ouro tem uma trilha condutora que dá origem aos eletrodos do sensor
O sensor feito de papelão está na fase final de desenvolvimento e foi criado para ser uma ferramenta útil para monitorar a qualidade da água consumida pela população. Esse dispositivo é descartável, de baixo custo e de uso simples. A pesquisa foi financiada pela FAPESP e desenvolvida pela equipe do químico Thiago Regis Longo Cesar da Paixão, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenador do Laboratório de Línguas Eletrônicas e Sensores Químicos da mesma instituição. O estudo que levou ao desenvolvimento desse equipamento foi publicado no início deste ano na revista científica Sensors & Diagnostics e atualmente um pedido de patente do processo de fabricação está sendo elaborado pelo grupo.
Para a fabricação do dispositivo, um pedaço de papelão, que pode vir de um processo de reciclagem, é cortado em forma de um pequeno retângulo de papelão medindo 15 milímetros (mm) de largura por 20 mm de comprimento e 1 mm de espessura. Este papelão é praticamente isento de reagentes químicos, comumente utilizados na fabricação de sensores, sendo a produção do sensor quase totalmente automatizada. Além do papelão, os pesquisadores usaram cola adesiva, spray impermeabilizante e um pequeno volume de solução de ouro (30 microgramas). Um laser de dióxido de carbono (CO2) aplicado sobre o papelão cria as trilhas condutoras, que são a base dos eletrodos de detecção. A solução de ouro é adicionada às trilhas e, em seguida, uma nova aplicação de laser sintetiza as nanopartículas de ouro.
“As nanopartículas são responsáveis por melhorar o desempenho do dispositivo”, explica Paixão. “O sensor realiza medidas de corrente elétrica oriunda de uma reação eletroquímica que ocorre na superfície condutora ao se aplicar um potencial elétrico. Quanto maior a concentração da substância química que se quer identificar na amostra de água colocada no sensor, maior será a corrente gerada.” O potencial elétrico que deve ser aplicado ao eletrodo central para fazer o dispositivo funcionar é de -0,2 volt (V), inferior ao de uma pilha pequena do tipo AAA (1,5 V).
Nos ensaios em laboratório para avaliar o desempenho do sensor, os pesquisadores usaram como prova de conceito (metodologia que prova, na prática, um conceito teórico) o hipoclorito de sódio (cloro). Esta substância, em altas concentrações, pode ser prejudicial
à saúde. O nível máximo de cloro livre permitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em piscinas é de 3 a 5 partes por milhão (ppm). No estudo de desenvolvimento do sensor foi possível detectar até 0,50 ppm de hipoclorito de sódio na água. Para identificar outros tipos de compostos químicos em amostras de água, a plataforma teria que ser adaptada. “Já projetamos sensores para medir metais tóxicos, pesticidas e fármacos, além de outras espécies de interesse ambiental, como nitrito e nitrato”, diz o pesquisador. Para cada substância seria preciso projetar um sensor específico, mas há a possibilidade de montar um arranjo de sensores para realizar a detecção simultânea de várias substâncias. Por enquanto, apenas um sensor foi criado, mas os pesquisadores da USP dizem ter capacidade para projetar o sistema completo, o que inclui o dispositivo que faz a leitura dos dados, ainda sem custo estimado. Além disso, também é possível usar um modelo de leitor portátil disponível no mercado – algo parecido com as fitas para medir os níveis de glicose no sangue vendidos em farmácias.
O fato de ser produzido de forma automatizada confere vantagens. “Muitas vezes temos em laboratório uma série de etapas manuais para a elaboração de sensores. Elas fazem com que os dispositivos não tenham muita reprodutibilidade. Quando recorremos a máquinas, como a que emite o laser, evitamos essa intervenção artesanal no processo de fabricação do dispositivo”, conta Paixão. O químico Wendell Karlos Tomazelli Coltro, diretor do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (IQ-UFG), que não participou do estudo, concorda. “A tecnologia baseada no uso do laser é muito atrativa por permitir escalar a produção com alta reprodutibilidade”, avalia. Para Coltro, o dispositivo apresenta elevado nível de inovação.
“A equipe da USP foi pioneira na proposição do emprego do laser para produzir sensores em papelão. O uso desse material torna o dispositivo sustentável e permite que venha a ser fabricado em qualquer lugar do mundo”, diz.
O próximo passo da pesquisa é criar um plano-piloto para testar o uso do sensor em larga escala, na residência das pessoas, por usuários não treinados. O ensaio com a população ajudará no aperfeiçoamento do dispositivo. Além disso, numa etapa posterior, o grupo pretende encontrar uma empresa que se interesse por fazer a produção comercial do sensor. “Já há conversas em andamento”, revela Paixão, destacando que a busca por sensores de papelão ou arranjos desses dispositivos para monitorar a qualidade da água em tempo real não ocorre apenas no Brasil. As startups LAIIER, em Londres, na Inglaterra, iFlux, em Niel, na Bélgica, e OmniVis, em São Francisco, nos Estados Unidos, informa o pesquisador, também trabalham no projeto de aparelhos desse tipo.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Referências:
Matéria no site G1, intitulada “O novo combustível que pode manter astronautas na Lua por longos períodos”, publicada em 05/09/2023. https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2023/09/05/o-novo-combustivel-que-pode-manter-astronautas-na-lua-por-longos-periodos.ghtml