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A ciência da (des)honestidade auxiliando no entendimento das novas regras de financiamento eleitoral

Qualquer campanha eleitoral precisa de dinheiro para ser realizada. Na tentativa de garantir que nenhum candidato se eleja porque tenha mais dinheiro para investir em propaganda do que outro, o governo cria regras, e estabelece um teto de gastos para o financiamento eleitoral. Essas regras existem, em tese, para que ocorram eleições justas, e que os candidatos possam disputar eleições de forma mais ou menos equivalente. Essas regras podem ser alteradas conforme suas falhas e brechas são percebidas.

Você notou que as regras no financiamento desta eleição foram diferentes da última? A grande mudança é que os candidatos e partidos não podem mais receber financiamento de grandes empresas, apenas de pessoas físicas. Essa é uma medida para evitar que grandes empresas se utilizem deste tipo de financiamento para depois exigirem benefícios dos políticos que se elegeram, e que estes se sintam obrigados a conceder tais benefícios em função de um comprometimento com seus financiadores de campanha. Isso é o que podemos chamar de abuso de poder econômico, e as leis eleitorais tentam evitar que isso aconteça.  

Alguns cientistas defendem que o abuso de poder econômico está instaurado como uma prática cultural nas nossas eleições. Há uma crença generalizada de que não há como se ganhar eleições agindo de forma honesta. Os últimos escândalos políticos nos mostraram que empresas e políticos consideram algumas práticas, ainda que ilegais, como corriqueiras e perfeitamente aceitáveis quando se trata de vencer uma eleição. O conhecido “caixa dois” (uma conta não oficial para financiar os gastos com a campanha eleitoral) é uma das práticas mais normalizadas no processo, independente do partido político em questão. Isso acontece porque em um contexto em que todos abusam e a convicção geral é de que há necessidade de se lançar mão de desvios para se garantir uma eleição, a tendência é de que os atores que ingressam numa competição eleitoral se sintam não só movidos, mas até autorizados a agir desse modo.

Por outro lado, existe uma crença ingênua de nossa parte de que aqueles políticos são homens malvados, inescrupulosos, e precisamos muito de pessoas mais honestas assumindo posições de poder no nosso país.  Não é que esse desejo esteja errado. Realmente precisamos de políticos melhores (coxinhas, mortadelas e afins devem concordar com isso), mas, para começar a entender o comportamento humano, a primeira coisa que precisamos assumir é que o ser humano não é esse ser racional, que age o tempo todo de forma sábia e nobre.

Imagine se trocássemos todos os políticos atuais por outras pessoas (o que na verdade acontece ao longo das décadas), provavelmente essas mesmas práticas ilícitas continuariam a acontecer, porque se trata de uma prática cultural instalada neste contexto. As ciências comportamentais defendem que o comportamento acontece em um contínuo de interação entre o ambiente e os organismos. Por isso, antes de sairmos criticando (ou defendendo) políticos, é preciso entender de que forma o ambiente (não só físico, mas social) promove certos comportamentos e como os humanos normalmente se comportam.

Todos nós já agimos de forma desonesta alguma vez na vida, mas não gostamos de assumir isso. Não gostamos de enxergar a nós mesmos como corruptos. No geral, acabamos criando “desculpas” para nós mesmos, para justificar que determinado ato não foi, realmente desonesto. O que as neurociências têm demonstrado é que nossa capacidade de avaliar uma determinada ação como ilícita ou desonesta vai ficando prejudicada conforme somos expostos a várias ocasiões em que temos a oportunidade de agir dessa forma. A amígdala (uma região bem primitiva do nosso cérebro relacionada com a detecção de perigo e estímulos aversivos) acaba sofrendo uma redução de sensibilidade à aversividade contida nas ações desonestas, como se fôssemos ficando menos sensíveis a desonestidade, que antes era percebida como algo ruim. A forma como nos comportamos vai muito além de “uma questão de escolha individual”, e é muito mediada pelo contexto ambiental “A ocasião faz o ladrão”, já dizia aquele velho ditado popular.

Considerando que o cenário eleitoral brasileiro é um ambiente propício à desonestidade, as mudanças nas regras de financiamento podem ser compreendidas como uma alteração neste contexto, visando uma alteração comportamental dos partidos e políticos brasileiros. Mas será que esta mudança vai realmente alterar as condições ambientais para práticas ilícitas? Os candidatos agora podem receber financiamento coletivo, o que algumas pessoas mais céticas já desconfiam que possa acabar virando um “disfarce” para as empresas continuarem financiando certos políticos, só que agora, de uma forma mais “pulverizada”. A solução para diminuir a corrupção no nosso sistema político não é simples, mas certamente ela pode se beneficiar ao considerar as ciências comportamentais e a psicologia da desonestidade. O Ministério Público, a Justiça Eleitoral e demais agências fiscalizadoras terão bastante trabalho diante desse novo cenário (e nós também, como eleitores), checando se o que está sendo dito/declarado como gasto, realmente corresponde aos gastos realizados.

 

Ciência et al: Aline Melina Vaz

sobre a autora

Fontes consultadas:

https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/05/financiamento-campanhas-eleicoes-2018-novidades

Ariely, D. (2012). A Mais Pura Verdadce Sobre a Desonestidade. Editora Elsevier

Garrett, N., Lazzaro, S. C., Ariely, D., & Sharot, T. (2016). The Brain Adapts to Dishonesty. Nature Neuroscience, 19(12), 1727–1732

Vaz, A. A ocasião faz o ladrão?. Disponível em https://boletimbehaviorista.wordpress.com/2017/09/18/a-ocasiao-faz-o-ladrao/

Villar, J. H. de J., Aguiar, J. C., Tabak, B. M. (2017). O abuso de poder nas eleições: a transgressão à luz da economia comportamental. Brasília, 4 (1), 38–66

(Editoração: Viviane Santana, Eduardo Borges e Caio Oliveira)

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