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A década azul

ONU declara a “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável” de 2021 a 2030

Destaques:
– Os oceanos têm grande papel na vida dos humanos, direta ou indiretamente;
– Entre os benefícios dos oceanos para nós, estudos recentes mostram que os oceanos absorveram cerca de 90% do calor gerado pela ação humana;
– A ciência oceânica recebe apenas cerca de 0,04 a 4% de todo investimento em pesquisa e desenvolvimento no mundo;
– É necessário compreender mais os oceanos, para melhor preservá-los, e consequentemente, preservar a nós mesmos;
A Década do Oceano é uma grande oportunidade para engajar líderes mundiais e cidadãos, e apoiá-los na implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Você já agradeceu ao oceano hoje? Não? Pois deveria. Hoje e todos os dias. Antes que você pense que esse é um texto “gratiluz” de uma bióloga paz-e-amor-que-conversa-com-plantas, deixe-me mostrar com muito embasamento científico como você está intrinsecamente ligado ao oceano, seja lá onde você esteja no planeta. A verdade é que 97,5% da água da Terra é composta pelo oceano e, sem ele, as coisas por aqui seriam muito diferentes. O oceano é responsável por inúmeros benefícios à vida humana, como produção de oxigênio, provisão de alimentos, geração de energia, transporte, sensação de bem-estar e modelação climática, dos quais bilhões de pessoas dependem direta ou indiretamente todos os dias, morando no litoral ou no interior dos continentes. 

Contudo, tais benefícios estão com seus dias contados devido às consequências que nosso modelo de sociedade tem imposto ao oceano, como sobrepesca, poluição e impactos decorrentes das mudanças climáticas. Em um relatório recente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) publicou que o oceano tem funcionado como um amortecedor contra efeitos do aquecimento global ao absorver cerca de 90% do calor gerado por ações antrópicas. Se já estamos presenciando ondas de calor cada vez mais intensas, com consequências dramáticas em muitos locais do planeta – vide as queimadas na Austrália – imagine como estaríamos com 90% a mais de calor na atmosfera (já está mudando de ideia sobre agradecer ao oceano?).

Apesar da grande importância dos ecossistemas marinhos e da urgência de conservação, pasme, ainda conhecemos mais da superfície lunar do que dos fundos oceânicos! Precisamos urgentemente de mais pesquisas sobre o sistema oceânico se quisermos reverter esse trágico quadro que se anuncia. De acordo com o último Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica, são gastos apenas de 0,04% a 4% do total de investimentos com pesquisa e desenvolvimento no mundo com ciência oceânica.

Levando tudo isso em consideração, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável de 2021 a 2030.  A Década será uma excelente oportunidade para mobilizar recursos, parcerias e inovação tecnológica em ciência oceânica necessários para entregar os principais aspectos à sociedade:

  1. Um oceano limpo (combate às principais fontes de poluição);
  2. Um oceano saudável e resiliente (mapeados e protegidos);
  3. Um oceano previsível (entender as variáveis passadas, presentes e futuras do oceano);
  4. Um oceano seguro (proteger as pessoas dos riscos oceânicos, como tsunamis);
  5. Um oceano produtivo e explorado sustentavelmente (garantir a provisão de alimentos e a sobrevivência das espécies marinhas);
  6. Um oceano transparente (acesso aberto aos dados coletados);
  7. Um oceano valorizado por todos (valorização da cultura oceânica na sociedade).

Eventos regionais estão sendo realizados para que isso ocorra da melhor forma possível, pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em parceria com governos e instituições regionais. No Brasil, ocorreu no Rio de Janeiro de 25 a 27 de novembro o I Workshop Regional do Atlântico Sul de preparação para a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável.

Foto I Workshop regional do Atlântico Sul, mostrando os participantes em frente às bandeiras do Brasil, da Marinha do Brasil, e de um slide com o título e logo do evento
I Workshop Regional do Atlântico Sul de preparação para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. Imagem: Marinha do Brasil.

Esse evento reuniu 120 especialistas relacionados aos oceanos, de diversos países e setores (acadêmicos, governamentais, industriais, organizações não-governamentais, etc.). O workshop teve como objetivo identificar: lacunas no conhecimento e prioridades para a ciência oceânica do Atlântico Sul para a Agenda 2030; parcerias, redes e iniciativas existentes e potenciais; prioridades de desenvolvimento de capacidades e treinamento nos assuntos relevantes para a Década; outras iniciativas e reuniões regionais a serem alinhadas ao planejamento da Década.

Foram três dias de intenso trabalho em que foram elencados e discutidos cinco temas prioritários de atuação dentro de grupos de trabalho (GT) relacionados a cada um dos sete aspectos listados acima. Tive a oportunidade de participar do GT-7 “Estratégias de comunicação para a relevância dos oceanos”. Afinal, tão importante quanto a produção científica é a comunicação desse conhecimento aos diversos setores da sociedade, de uma forma eficiente, que conecte as pessoas ao problema e estimule o engajamento e a mudança de comportamento para alcançarmos os objetivos da Década. Em 2020, serão realizados mais cinco workshops regionais pelo Brasil para debater os resultados desse primeiro evento, receber contribuições, críticas e sugestões do maior número de brasileiros, respeitando as particularidades e prioridades de cada região.

A Década do Oceano é uma grande oportunidade que traz grande responsabilidade para cada governo, instituição e indivíduo do planeta. Nós precisamos do oceano e o oceano precisa de nós. Se você chegou até aqui, espero tê-lo convencido que a nossa conexão com o oceano é inegável, e que agradecê-lo, venerá-lo e cuidá-lo, muito mais do que um bom hábito, é uma questão de sobrevivência.

Colaboração: Natalia de Miranda Grilli

sobre a autora

Fontes consultadas:

Agência Nacional de Águas (Site); 

Ocean Decade (Site); 

– Agenda 2030 (Site);

– UNESCO. A ciência que precisamos para o oceano que queremos: a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). Paris, 2019. Disponível aqui; 

IPCC, 2019: Summary for Policymakers. In: IPCC Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate. Disponível aqui;

UNESCO. Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica: o estado da ciência oceânica no mundo. Paris, 2017. Disponível no link;

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA [FAO]. The State of World Fisheries and Aquaculture 2016. Contributing to food security and nutrition for all. Roma, Itália: 2016. 200 p. Disponível em no link.

(Editoração: Priscila Rothier, Fernando Mecca e Caio Oliveira)

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