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A Economia das Plataformas Digitais

Há uma grande chance, se você está lendo isto, de já ter feito o download de um aplicativo. Ou de ter pedido comida pelo iFood. Ou ainda, de ter comprado um item de segunda mão de um site como o Mercado Livre, ou um livro da Estante Virtual. Todas estas atividades se tornaram corriqueiras à medida que incorporamos o uso da internet em novas esferas da vida. Mas você saberia dizer o que, além da internet, todas as atividades mencionadas acima possuem em comum? Plataformas!

Plataformas digitais são uma nova forma de organização que geralmente une, por meio da internet, grupos distintos e específicos de usuários/consumidores. A plataforma, portanto, organiza um mercado (que não necessariamente é articulado com base em transações monetárias), comportando-se como algo intermediário. A função de organizador de mercado realizada  pelas plataformas não é nova. Feiras medievais, como a famosa feira de Champagne, na França, já organizavam espaços, regras e normas para permitir que vendedores e compradores se encontrassem e fizessem negócios. Claro que a possibilidade de passar do mundo físico para o mundo digital (offline to online, ou O2O), amplia e muito o potencial de diversos mercados: devido aos baixos custos de operar em uma plataforma, pequenos produtores podem exportar via plataformas como a Etsy; tornou-se viável comprar itens de um grande varejista chinês, como o Alibaba, baixando os custos para o consumidor de uma infinidade de produtos; surgem, além disso, plataformas de nicho, ou seja, dedicadas a um produto ou serviço específico. As plataformas de entrega de comida, por exemplo, já se multiplicaram e hoje temos uma brasileira que, ao passar a barreira de um bilhão de dólares em avaliação, entrou para o seleto grupo dos “unicórnios”: o iFood. Precisa de uma mão para conseguir uma aula na academia? Gympass. Um auxílio no transporte urbano? 99 Táxi. Alguém para passear com seu animal de estimação? Acredite, tem uma plataforma pra isso – a Dog Hero – e para uma infinidade de outros serviços (alguns exemplos na tabela a seguir) que possam ter alguns de seus aspectos digitalizados.

 

Exemplos de Plataformas em Indústrias Diversas

Indústria Plataforma
Comunicação e Networking Linkedin, Instagram
Educação Udemy, Coursera, edX
Finanças Lending Club, Kickstarter
Cuidados Pessoais Cohealo, SimplyInsured
Trabalho e Serviços Profissionais Upwork, Fiverr, 99designs, Sittercity
Serviços Locais Yelp, Foursquare, Groupon
Mídia Medium, Viki, YouTube, Wikipedia
Varejo Amazon, Alibaba, Walgreens
Transporte Uber, Waze, BlaBlaCar, GrabTaxi, Ola Cabs
Energia e Indústria Pesada Nest, Tesla Powerwall, GE
Viagem AirBnb, TripAdvisor

Fonte: adaptado de Parker et al. (2016:13)

 

Quais aspectos de um serviço precisam ou podem ser digitalizados para que ele possa ser oferecido via plataformas digitais? Há três possibilidades: ou o próprio serviço/produto tornou-se eletrônico (como um e-book), a compra/transação é feita pela rede (como uma corrida da Uber) e/ou a própria entrega do produto/serviço ocorre eletronicamente (como uma música do iTunes). Explorando estas propriedades, os mercados digitais geram valor para todos os grupos envolvidos – os grupos conectados (muitas vezes, mas nem sempre, vendedores e compradores) e o próprio mecanismo que os conecta (a plataforma, que reintermediou estes mercados digitais). Estes mercados digitais têm, em vantagem aos mercados tradicionais, capacidade de serem mais densos, menos congestionados, mais seguros e mais simples. Estes atributos são os que Alvin Roth, ganhador do prêmio Nobel de economia em 2012, considera cruciais no sucesso de um mercado. E isto vale tanto para mercados em que o dinheiro/preço é o único critério de intermediação quanto para mercados em que ele não desempenha papel muito relevante: os chamados mercados de matching (combinação). Roth recebeu o prêmio por seus estudos sobre desenho de mercado que ajudaram a organizar, planejar e otimizar as trocas envolvendo doadores de órgãos nos EUA e a atribuição de vagas escolares a alunos da rede pública de ensino – ambos mercados de matching que exigem grande esforço de coordenação. O aperfeiçoamento destes mercados, quando digitalizados, é favorecido amplamente pelo papel dos dados: sendo que dados eletrônicos são homogenizados, ou seja, tratados e reunidos da mesma forma,  mesmo que derivados de diferentes fontes. O digital permite a manipulação e análise de conjuntos imensos de dados padronizados (Big Data) – o que, por sua vez, possibilita às plataformas digitais aperfeiçoar seus algoritmos de matching, que aperfeiçoam o mercado e a experiência de todos os usuários. As plataformas digitais estão permanentemente em reformulação, sendo alimentadas pelos dados daqueles que as utilizam. Como veremos, este traço também traz alguns desafios, como a legislação sobre proteção de dados e privacidade.

Muito bem, tudo estaria bem claro caso as plataformas digitais parassem por aí. Mas, além de reintermediarem mercados, as plataformas tem outro traço característico, este menos comentado e conhecido. Elas possuem generatividade, que nada mais é do que a capacidade da plataforma digital de servir como componente no desenvolvimento de novos produtos – em outras palavras, de fomentar inovação.

As plataformas que comentamos no início deste texto podem ser bens finais, quando o usuário utiliza seus produtos/serviços. Em outros casos, desenvolvedores independentes podem usar a plataforma como um componente na geração de um novo produto/serviço. Esta característica extensível é própria e exclusiva do meio digital. A generatividade, portanto, permite a co-criação de valor, entre as empresas, ou agentes econômicos, que fornecem e desenvolvem a plataforma (como sistemas operacionais, iOS ou Android) e desenvolvedores independentes também chamados de complementadores – que fazem novas combinações a partir de recursos de plataforma (platform resources), que são ferramentas disponibilizadas pela plataforma como SDKssoftware development kits, p.ex.

Amrit Tiwana, um pesquisador de plataformas digitais, simplifica a questão: as plataformas de software são aquelas compostas por uma plataforma e apps complementares. Nesta definição, apps são todos os elementos extensíveis adicionados à plataforma, gerando novas funcionalidades. Os agentes econômicos são (i) o proprietário da plataforma e (ii) desenvolvedores de apps, além dos (iii) usuários finais. A união de todos estes agentes cria um ecossistema de plataforma. É entre ecossistemas – e não apenas entre firmas – que se dá  a competição no capitalismo de plataformas. A inovação digital, portanto, gerou novas formas de competir e novas demandas por interação entre agentes econômicos que os economistas estão apenas começando a compreender.

 

Exemplos de Plataformas de Software (Inovativas/Extensíveis)

Indústria Plataforma “apps”
Mobile Blackberry OS Aplicativos
Apple iOS
Google Android
Browser Firefox Extensões
Google Chrome
Redes Sociais Dropbox Aplicativos
Twitter
Facebook
Publicação Kindle (Amazon) e-books
iTunes Músicas
Ferramentas de Software Especializadas R (plataforma de análise estatística) Módulos
Sistemas Operacionais Ubuntu Linux Aplicações
Videogames X-Box Desenvolvedores de jogos
Playstation

Fonte: adaptado de Tiwana (2014:8)

 

Dito isto, agora podemos dividir as plataformas digitais em três categorias: as transacionais são aquelas que organizam e reintermediam mercados, como a AirBnb; as inovativas são as que apresentam algum grau de generatividade, ou seja, permitem que terceiros desenvolvam novas soluções a partir do que já é oferecido pela plataforma, co-criando valor – uma plataforma nacional inovativa é a Dojot, operada pelo CPqD e dedicada a novas soluções de Internet das Coisas (IoT); as integradas são as plataformas que são ao mesmo tempo transacionais e inovativas, como os sistemas operacionais já mencionados.

As plataformas digitais ainda são um campo de pesquisa em formação, o que significa que os pesquisadores têm mais perguntas do que respostas sobre sua natureza, seus riscos e suas possibilidades. No nível microeconômico dos processos localizados dentro da empresa, o avanço do uso das plataformas leva a questões tais como: o que vale a pena abrir para complementadores e o que vale a pena ser modificado apenas pelo controlador da plataforma? Como atrair desenvolvedores independentes para o seu ecossistema? Como serão os arranjos de propriedade intelectual no futuro? Resumindo, como gerir a governança da plataforma? Isto também levanta questões tais como o tipo de recursos internos e de competências as empresas “plataformizadas” devem desenvolver.

No nível mais amplo, das políticas públicas, as perguntas também abundam: quando a iniciativa pública deve fomentar plataformas privadas e quando deve ela mesmo investir em plataformas públicas? É social e economicamente benéfico permitir que amplas funções sociais (como a mobilidade urbana, p.ex.) sejam geridos por plataformas digitais privadas (e estrangeiras)? Qual a melhor forma de equilibrar a legislação sobre os dados de forma a permitir o desenvolvimento de um mercado de dados (que vai muito além de dados pessoais, mas os inclui) sem retirar do indivíduo o direito de dispor dos seus próprios dados como quiser? As plataformas industriais (que recentemente geraram um grande conflito entre EUA e China, com respeito ao 5G), devem ser desenvolvidas nacionalmente ou podemos confiar em uma infraestrutura tão importante fornecida por outras nações? E finalmente, quando plataformas transacionais se dedicam a reintermediar o mercado de trabalho: quais as obrigações que devem ser atribuídas às plataformas? Para responder a estas questões pesquisadores de diversas áreas, como economia, ciências sociais e antropologia, devem trabalhar juntos. O recorte disciplinar tradicional mais atrapalha do que ajuda a compreender um fenômeno tão amplo e multifacetado como a emergência das plataformas digitais.

 

Ciência et al: Victo José da Silva Neto

sobre o autor

Fontes consultadas:

– Brynjolfsson, E., McAfee, A. 2017. Machine, Platform, Crowd: Harnessing Our Digital Future. New York: W. W. Norton & Company.

Evans, P., Gawer, A. 2016. The Rise of the Platform Enterprise: a global survey. The Center for Global Enterprise. The Emerging Platform Economy Series.

Fisman, R., Sullivan, T. 2016. Everything we know about platforms we learned from medieval France. Harvard Business Review. Disponível em < https://hbr.org/2016/03/everything-we-know-about-platforms-we-learned-from-medieval-france >.

Parker, G., Van Alstyne, M., Choudary, S.P. 2016. Platform Revolution: how networked markets are transforming the economy and how to make them work for you. New York, London: W.W.Norton & Company.

Roth, A. 2015. Como Funcionam os Mercados. São Paulo: Portfólio-Penguin.

Tiwana, A. 2014. Platform ecosystems: aligning architecture, governance, and strategy. Amsterdã: Morgan Kaufmman.

Yoo, Y., R. Boland, K., Lyytinem, A., Majchrzak. 2012. Organizing for Innovation in the Digitized World. Organization Science, 23 (5): p. 1398-1408.

(Editoração: Eduardo Borges, Viviane Santana, André Pessoni e Caio Oliveira)

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