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Conheça o arroz-carne: cientistas cultivaram células animais em grãos de arroz, criando um novo alimento híbrido

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

O arroz foi utilizado como uma estrutura para cultivar células musculares e de gordura bovina, resultando em uma combinação comestível de arroz e carne

Desde frango e carne cultivados em laboratório até proteínas derivadas de insetos, estas alternativas inovadoras oferecem esperança para um planeta que luta com os impactos ambientais e éticos da agricultura industrial. Agora, cientistas sul-coreanos acrescentam uma nova receita à lista – arroz bovino cultivado – através do cultivo de músculos animais e células de gordura dentro dos grãos de arroz. O resultado é um alimento híbrido nutritivo e saboroso que, uma vez comercializado, poderá oferecer uma alternativa proteica mais acessível e com menor pegada de carbono.

No caso desse alimento produzido em laboratório, o arroz foi utilizado como uma estrutura para cultivar células musculares e de gordura bovina, resultando em uma combinação comestível de arroz e carne, de agradável sabor, que pode ser preparada da mesma forma que o arroz normal. O estudo, publicado na revista Matter, utiliza métodos de fabricação semelhantes aos de outros produtos de carne cultivada, nos quais as células animais são cultivadas seguindo uma estrutura em laboratório, banhadas em um meio de crescimento. O uso do arroz como estrutura tem o benefício de adicionar mais valor nutricional ao arroz, com o arroz-carne tendo um teor ligeiramente maior de gordura e proteína do que o arroz padrão.

arroz carne
O híbrido arroz-carne é rosa porque o meio de cultura celular contém vermelho de fenol, um monitor de acidez. Imagem: Universidade Yonsei, Reprodução nature.

“Imagine obter todos os nutrientes de que precisamos a partir de arroz proteico cultivado em células”, diz o primeiro autor Sohyeon Park, que conduziu o estudo sob a orientação do autor correspondente Jinkee Hong na Universidade Yonsei, na Coreia do Sul. “O arroz já tem um alto nível de nutrientes, mas adicionar células de gado pode aumentá-lo ainda mais”.

Nos animais, as estruturas biológicas ajudam a orientar e apoiar o crescimento tridimensional das células para formar tecidos e órgãos. Para cultivar a carne dentro de células, a equipe imitou esse ambiente celular – usando o arroz. Os grãos de arroz são porosos e possuem estruturas organizadas, proporcionando uma estrutura sólida para abrigar células de origem animal.

A co-autora Sohyeon Park, engenheira química no Hospital Geral de Massachusetts em Boston, diz que a equipe tentou cultivar células de carne diretamente nas fendas porosas de um grão de arroz, mas as células não se adaptaram bem ao grão. Em vez disso, os pesquisadores descobriram que revestir o arroz com gelatina de peixe e o aditivo alimentar amplamente utilizado transglutaminase microbiana, melhorou a adesão e o crescimento celular.

Depois de revestir grãos de arroz não cozidos com a mistura de gelatina e aditivo, a equipe semeou os grãos com células musculares e de gordura bovina. Em seguida, as células ficaram no meio de crescimento por cerca de uma semana. Após o período de cultivo, Park lavou e cozinhou a vapor o arroz infundido com carne como faria com arroz convencional. “Definitivamente era diferente do arroz normal”, diz ela. “Tinha mais sabor de noz e era mais duro”.

O conteúdo nutricional também é diferente. Uma porção de 100 gramas de arroz híbrido contém 0,01 gramas a mais de gordura e 0,31 gramas a mais de proteína, uma mudança de 7% e 9%, respectivamente. De acordo com o estudo, é essencialmente o mesmo que comer 100 gramas de arroz com um grama de peito de boi – menos da metade de uma colher de chá. Isso ocorre porque o teor de células de carne é baixo e as células provavelmente formam apenas um filme sobre o arroz, diz John Yuen, um engenheiro de tecidos e biólogo molecular da Universidade Tufts em Medford, Massachusetts. Ele diz que o conteúdo nutricional poderia ser aumentado adicionando-se mais células bovinas nos grãos de arroz.

arroz carne
Os grãos de arroz, semeados com células bovinas, colocados no meio de crescimento. Imagem: Universidade Yonsei, Reprodução nature.

A equipe de pesquisadores sul-coreanos por trás do projeto espera que o arroz com carne encontre uso como um suplemento para comunidades com insegurança alimentar ou para alimentar tropas, e reduza o impacto ambiental da criação de gado para carne. “Encontrar fontes alternativas de proteína ou tornar a produção convencional de gado mais eficiente é crucial”, diz Jon Oatley, um biotecnologista animal da Universidade Estadual de Washington em Pullman. “É provavelmente uma das coisas mais importantes para o futuro da humanidade”.

Essa necessidade tem impulsionado uma variedade de projetos de carne cultivada em laboratórios nos últimos anos, desde filés de salmão até produtos semelhantes a carne moída. Até o ano passado, apenas os Estados Unidos e Cingapura haviam aprovado a venda de carne cultivada em laboratório.

No caso desse arroz híbrido, a equipe ainda espera melhorar o teor de gordura do arroz, o que poderia ser complicado, porque as células de gordura não crescem tão bem quanto as células musculares. Além de aumentar o teor bovino do arroz híbrido, os pesquisadores precisariam manter o preço baixo se o produto fosse comercializado, para que as comunidades com insegurança alimentar pudessem se beneficiar dele.

A equipe estima que 1 quilo do arroz híbrido, como é feito agora, custaria US$ 2,23, comparável ao arroz normal (US$ 2,20 por quilo) e muito menor que o preço da carne (US$ 14,88 por quilo). Além disso, o estudo estima que o arroz híbrido terá uma pegada de emissões mais baixa do que a produção convencional de carne nas fazendas.

Se a produção puder ser ampliada e mantida acessível, diz Oatley, o arroz híbrido poderia ser uma fonte mais barata e eficiente de nutrientes do que grandes pedaços de carne cultivada em laboratório, como hambúrgueres ou bifes. Yuen também acha o conceito empolgante. “A ideia parece realmente legal, que você pode ter apenas um arroz e cuidar de tudo”. 

 

Colaboração:

Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Nature, intitulada “Introducing meat–rice: grain with added muscles beefs up protein”, publicada em 14/02/2023. https://www.nature.com/articles/d41586-024-00398-w

 

 

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