#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)
O cerrado é o cerne do abastecimento de água do Brasil, sendo insubstituível para distribuição hídrica
O Brasil tem passado pelo pior período de estiagem em 91 anos, desde que começaram a mensurar as taxas de chuvas do país. Por ter um território mais elevado, o solo do cerrado absorve a umidade das chuvas e está relacionado com a distribuição de água para 8 das 12 bacias mais importantes do Brasil para o consumo de água e geração de energia no país. Assim, as secas que atingem o Cerrado têm papel fundamental na escassez de água do Brasil como um todo.
Se tratando da questão da seca, é preciso entender que a localização estratégica do Cerrado influencia diretamente muitas regiões do país. O Cerrado é responsável por 50% de toda vazão do Rio Paraná, que abastece a usina de Itaipu. Os rios São Francisco, Parnaíba e Paraguai têm uma dependência ainda maior do bioma, onde é responsável por cerca de 94%, 105% e 135% de toda vazão das regiões. Esses números são resultado de uma pesquisa realizada por Jorge Werneck, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa). Os valores acima de 100% incluem também a precipitação que chega ao solo e evapora devido ao sol e às formações geográficas.
Seca no Brasil — Fonte: Fernanda Garrafiel / Reprodução G1
Uma das principais explicações para a seca no Cerrado e no Brasil é o desmatamento da Amazônia. Isso porque o ar úmido que evapora da Amazônia é empurrado até a Cordilheira dos Andes e, em seguida, é rebatido pela formação rochosa em direção ao sul. Essa massa de ar úmido é essencial para as chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. Assim, com a redução da floresta, a massa de ar úmido também diminui, influenciando diretamente o ciclo das chuvas e da água no país. Além do desmatamento da Amazônia, o desmatamento do cerrado também afeta a dinâmica hídrica do país. Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das maiores especialistas em clima e Cerrado do país, explica que a vegetação interliga a atmosfera e o solo, assim, a drenagem da água também depende da cobertura vegetal.
A matriz energética do Brasil tem base na geração de energia via usinas hidrelétricas. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), cerca de 63,2% da energia do país deriva de usinas hidrelétricas. Devido às secas, houve um aumento da dependência de usinas termelétricas, que constituem 13,2% da matriz energética do país. André Felipe Simões, professor do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade São Paulo (USP), enfatiza que, por essas usinas usarem combustíveis fósseis como matéria prima, elas são fontes consideradas de energia suja. Além disso, é mais caro produzir energia através de termelétricas e esse preço é passado para o consumidor final. Nesse sentido, um dos pontos táticos para lidar com a crise hídrica é resolver o problema dos desmatamentos. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e julho do ano passado foram desmatados 9.216 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica, já o número para agosto de 2020 e julho deste ano é de 8.712 quilômetros quadrados.
José Marengo, climatologista, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), esclarece que a única maneira de evitar um racionamento ainda maior dos recursos hídricos é que a chuva chegue no Cerrado e nas demais regiões afetadas. Ele aponta que a chuva no Centro-Oeste é essencial para o abastecimento de água para todas as finalidades, como o abastecimento das cidades, a agropecuária e geração de energia elétrica.
De um modo geral, autoridades no assunto, como Werneck e Bustamante, convergem para uma ideia de que é preciso criar estratégias de gestão ambiental que sejam capazes de contemplar todos os setores. Bustamante é categórica ao explicar que a gestão dos recursos não pode enxergar as fronteiras criadas pelo homem, uma vez que os biomas do Brasil dependem uns dos outros, assim como de sua preservação. Além disso, o aquecimento global amplifica os impactos do desmatamento, intensificando as secas. Marengo conclui que tudo que o que estamos observando é devido uma combinação de dois eventos ou mais, chamados de eventos extremos compostos.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB e faz mestrado em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site G1, intitulada “Cerrado é fundamental para evitar racionamento de água e energia no Brasil; entenda elo com a crise atual”, publicado em 06/09/2021. https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/06/cerrado-e-fundamental-para-evitar-racionamento-de-agua-e-energia-no-brasil-entenda-elo-com-a-crise-atual.ghtml
Matéria no site Galileu, intitulada “Crise hídrica: as raízes da (nova) escassez de água no Brasil”, publicado em 03/09/2021. https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2021/09/crise-hidrica-raizes-da-nova-escassez-de-agua-no-brasil.html