#Mapa da Ciência (Pessoas por trás das descobertas científicas)
Diferentes campos de estudo se unem para explorar peças importantes da vida
DESTAQUES: • A vida é sustentada pelo funcionamento de máquinas especiais cujas dimensões estão na escala de bilionésimos do metro. Essas máquinas especiais são chamadas de moléculas. No caso dos processos da vida, moléculas biológicas; • Por serem extremamente pequenas, a observação do mundo das moléculas biológicas requer maneiras especiais de se enxergar; • O uso de luz fora da região do visível permite “enxergar” e descrever como funcionam as moléculas da vida. |
Os anos 1900 foram, para muitos, o século das Ciências Físicas. Tivemos avanços significativos em diversos campos da Física, como a invenção do laser e dos dispositivos semicondutores com toda a Física do Estado Sólido, as teorias sobre a estrutura da matéria, incluindo-se a Mecânica Quântica, a relatividade de Einstein, entre outros. Sem sombra de dúvidas, avanços que alteraram completamente a visão do homem sobre muitos aspectos da Natureza que nos rodeia e na qual vivemos.
Em meados do século XX, pudemos observar o início de um movimento irrefreável e que viria a dominar a maneira de se fazer pesquisa nos anos posteriores: a integração de áreas tidas, em princípio, como diferentes. Assumo o risco em afirmar que a determinação da estrutura tridimensional da molécula de ácido desoxiribonucleico (DNA) tenha sido o passo crucial de uma mudança que chegaria até os dias de hoje. As implicações decorrentes desses estudos são tão abrangentes que certamente podem justificar qualquer gafe cronológica cometida neste momento. Além dos resultados impactantes per se, naquela oportunidade também apareceu para o mundo, de forma inicialmente restrita, uma nova maneira de se investigar processos biologicamente relevantes.
Os esforços e as especialidades combinadas de Francis Crick (físico), James Watson (bioquímico), Maurice Wilkins (físico) e, principalmente, de Rosalind Franklin (química), que aplicaram a técnica de difração de raios X em um problema intrinsecamente bioquímico, produziram um novo paradigma de como se atuar em Ciências. Alguns podem reclamar que não citei o trabalho de Perutz e Kendrew sobre a estrutura de proteínas globulares; de fato, o ano de 1962 foi marcado pela coroação com um Prêmio Nobel para estes dois projetos em que visões interdisciplinares se combinaram para produzir resultados impactantes.
O Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina no ano de 1962 e o número de áreas afetadas após a descoberta da estrutura do DNA fazem-nos acreditar que realmente aqueles trabalhos são um marco do que costumo pensar como uma nova Biologia/Bioquímica. Permito-me provocar e ouso acreditar que o século XXI será o século dessa nova Biologia, em que o conhecimento não estará estanque em um único círculo de disciplinas, mas sim será adquirido a partir da intersecção entre círculos de áreas diversas. Sendo assim, o Físico tradicional terá que caminhar na direção dos conhecimentos em bioquímica e química, o Biólogo tradicional terá que esquecer sua indisposição por Matemática e, assim, sucessivamente para as diferentes especialidades.
Alguns exemplos mais recentes dessa combinação de sucesso são os métodos de imagem por Ressonância Magnética Nuclear e as diversas formas de microscopia. Nesses exemplos, temos um sentido de interdisciplinaridade que vai da Física/Química/Matemática/Computação para a Biologia. Isto é, toma-se um arsenal de ferramentas experimentais e teóricas tradicionalmente associado a pesquisas nas áreas de Física/Química/Matemática/Computação e aplica-se em problemas de interesse biológico.
Hoje, podemos vislumbrar o momento em que uma nova Física/Química/Matemática/Computação serão necessárias para compreensão mais completa dos eventos biológicos. Estaremos diante da situação em que novas formas de se “enxergar” o mundo microscópico precisarão ser criadas para tratar questões relacionadas ao funcionamento do ser vivo. O sentido da interdisciplinaridade mencionado acima, então, será invertido, com a Biologia sendo a inspiradora de novos conceitos físicos/químicos/matemáticos/computacionais.
É fácil, portanto, depreender que vivemos um período de grande efervescência no que tange ao uso de metodologias conjuntas de diferentes áreas. Algumas armadilhas, entretanto, têm de ser evitadas. Uma delas é a banalização da utilização de termos como “interdisciplinaridade”, “nano” e “bio”. Outra delas é acabarmos, pesquisadores e também os estudantes, com conhecimento apenas superficial de muitas coisas e pouco aprofundado para que se faça ciência de qualidade. Mesmo assim, acredito que esse seja um desafio que vale o risco.
Dentro desse contexto, a física/química das moléculas biológicas usufruiu sobremaneira da sobreposição de grandes áreas das Ciências alcançada nos últimos tempos. Talvez nenhum outro campo de pesquisa tenha se tornado tão interdisciplinar quanto aquele que engloba o estudo dos fenômenos da vida. Incontáveis são os problemas biologicamente relevantes e que se valeram de contribuições advindas não somente da Física, mas também da Química, da Matemática e das Ciências da Computação.
Infelizmente, o mundo microscópico das macromoléculas biológicas não nos é acessível por visualização direta. Assim, podemos colocar a utilização de técnicas de “visualização molecular” como um dos pilares de sustentação de muitas linhas de pesquisa e, por conseguinte, responsável por produzir boa parte do conhecimento que temos hoje sobre moléculas biológicas.
Ao falar em técnicas de visualização molecular, refiro-me não somente às técnicas de determinação estrutural, como a difração de raios X, Ressonância Magnética e microscopia, mas também aos métodos empregados para acompanharmos como as moléculas se comportam ao longo do tempo (sua dinâmica), em que se destacam as chamadas espectroscopias. Aqui, chegamos às atividades realizadas em nosso grupo de pesquisa.
O Laboratório de Biofísica Molecular está focado no uso de métodos físico-químicos, especialmente aqueles que empregam radiação eletromagnética, para estudar e descrever o comportamento de uma classe especial de moléculas biológicas, as proteínas. Em particular, interessam-nos proteínas que possuem um peculiar comportamento adquirido por não possuírem uma estrutura tridimensional única. Essas são as chamadas proteínas intrinsecamente desordenadas, cujas flexibilidade e alta promiscuidade para interagir com diferentes parceiros formam a base de vários processos biológicos não somente em momentos fisiologicamente saudáveis da célula, mas também em situações de estresse celular em doenças.
Colaboração:
Antônio José da Costa Filho sobre o autor
Antônio Costa é físico, maratonista amador aposentado, baixista meia boca, apreciador de uma cervejinha, professor e cientista. Adora “conversar” com as moléculas da vida através de métodos físicos e químicos.
Referências:
Artigo científico intitulado “New Genomic Approaches to Enhance Biomass Degradation by the Industrial Fungus Trichoderma reesei”, publicado na revista International Journal of Genomics em 2018, de autoria de de Paula, R.;Antoniêto, A.; Ribeiro, L.; e colaboradores.doi: 10.1155/2018/1974151.
Artigo científico intitulado “The recombinant L-lysine α-oxidase from the fungus Trichoderma harzianum promotes apoptosis and necrosis of leukemia CD34 + hematopoietic cells”, publicado na revista Microbial Cell Factories em 2024, de autoria de Costa, M Silva, T.; Guimarães, D.; e colaboradores. https://doi.org/10.1186/s12934-024-02315-2
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(Editoração: Camilla Elias da Silva, Fernando F. Mecca e Priscilla Elias da Silva)