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Cientistas criam células totalmente sintéticas utilizando engenharia genética

Reprogramação do código genético representa uma revolução para a biologia molecular e abre portas para a produção de novos materiais.

 

Pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular MRC, de Cambridge, desenvolveram em laboratório uma bactéria engenheirada, ou seja, modificada geneticamente, considerada um organismo novo, totalmente diferente de outros encontrados na natureza. O trabalho atual foi publicado na revista Science e baseado em um outro trabalho inovador  do grupo e publicado em 2019, o qual recriou uma versão da bactéria E. coli, utilizando todo o seu genoma e construindo a célula de forma totalmente sintética.

Modernas técnicas de edição genética, como a tecnologia Crispr/Cas9, já permitem edição, deleção ou adição de genes, mas até então ninguém tinha modificado de forma significativa o mecanismo celular que transmite a informação do código genético, através dos mecanismos de transcrição e tradução. De forma geral, o genoma é composto por muitos genes que codificam a informação para produção de proteínas, enzimas e outras moléculas, que por sua vez, participam das reações celulares. Porém, na nova bactéria denominada Syn61, o código genético não só foi alterado como foi reescrito de forma a gerar novos padrões de leitura desse código genético, que não existem naturalmente em nenhum outro ser vivo.

 

Uma placa de petri com meio de cultura amarelo cheia de pontos brancos, as bactérias, está localizada sobre um fundo preto. Na tampa da placa há o texto: Syn61 delta 3.
Bactéria Syn61 teve seu DNA reescrito por cientistas de Cambridge. Foto: MCR LBM / Reprodução Financial Times

 

Na natureza, o código genético no DNA é composto por quatro tipos de pares de bases nitrogenadas que são relacionados às letras A, T, C e G. Estas bases funcionam como blocos de construção, que juntas em uma sequência específica, formam as moléculas de DNA. Dentro de um gene, cada trio de bases, chamado de códon, codifica para um tipo de aminoácido e a junção de vários aminoácidos em uma determinada sequência podem formar uma proteína ou enzima funcional. O código contendo as 4 letras permite uma combinação de 64 códons diferentes, no entanto, na natureza só existem 20 tipos de aminoácidos que constituem as proteínas. Por isso, o código genético é considerado redundante, onde há mais de um trio específico para codificar o mesmo aminoácido. O que os cientistas fizeram então foi explorar este código, redirecionando alguns códons para produzir aminoácidos que não compõem proteínas naturalmente, chamados também de aminoácidos não-canônicos. Essas alterações ainda permitem que as células produzam todas proteínas necessárias para a vida. 

Esquema demonstrando a junção de aminoácidos formando peptídeos (menores, formados pelos aminoácidos) e proteínas (maiores, formadas pelos peptídeos).
As proteínas são formadas pela junção de blocos em sequência, que são os aminoácidos. Imagem: Reprodução Mundo Educação – UOL.

 

O jornal Financial Times resumiu o trabalho como a seguinte analogia: é como se o código genético fosse o teclado de um computador em inglês no qual certas letras aparecem mais de uma vez. Então a equipe de cientistas transformou um A duplicado em uma letra grega alfa, um B excedente em beta, e assim por diante, tornando possível digitar com esse teclado em grego, assim como em inglês. 

Dessa forma, o novo organismo cresce como uma E. coli, mas possui propriedades adicionais. Além da  capacidade de formar novas moléculas exóticas, bem diferentes das encontradas na natureza, as bactérias sintéticas se mostraram imunes à infecção por vírus, uma vez que eles requerem a linguagem genética tradicional para se replicar nas células hospedeiras.

Mais especificamente, os experimentos evoluíram a bactéria E. coli em laboratório, deletando RNAs transportadores, que são moléculas que lêem o código genético e transportam os aminoácidos correspondentes para cada códon. Então, as células resultantes não podiam ler o código genético canônico e eram completamente resistentes a um coquetel de vírus. Depois disso, os códons foram reatribuídos para permitir a síntese eficiente de proteínas contendo três aminoácidos não canônicos distintos. Assim, foi demonstrada a reprogramação das nossas células para a tradução codificada de diversos polímeros e moléculas não canônicas.

Os cientistas responsáveis por esta descoberta vêem potencial de aplicação dessas bactérias na produção de polímeros sintéticos e novos tipos de materiais, como por exemplo, plásticos biodegradáveis. Além disso, também há a possibilidade de integrar esses novos materiais em novos tipos de bioterapias. “Esta é potencialmente uma revolução na biologia”, disse Jason Chin, líder do projeto no Laboratório MRC de Biologia Molecular. “Essas bactérias podem ser transformadas em fábricas renováveis ​​e programáveis ​​que produzem uma ampla gama de novas moléculas com novas propriedades, que podem ter benefícios para a biotecnologia e a medicina, incluindo a produção de novos medicamentos, como antibióticos”.

 

News: Jéssica Soares

sobre a autora

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Financial Times, intitulada “Genetic code breakthrough opens door to advanced materials”, publicada em 3 de junho de 2021.
https://www.ft.com/content/a10660ed-3f97-4d9b-a930-628f55921c20

Artigo científico intitulado “Sense codon reassignment enables viral resistance and encoded polymer synthesis”, publicado na revista Science em junho de 2021, de autoria de Robertson W., Funke L., De La Torre D. e colaboradores.
https://science.sciencemag.org/content/372/6546/1057

 

(Editoração: André Pessoni)

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