#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)
Nas últimas duas semanas, líderes de países, empresas e cidadão discutiram as principais medidas para frear as consequências do aquecimento global e urgência em fazê-las.
A vigésima sexta sessão da Conferência das Partes (COP 26), principal cúpula da ONU para debate sobre questões climáticas, aconteceu em Glasgow entre os dias 1 e 12 de novembro. Mais de 190 líderes mundiais e dezenas de milhares de representantes governamentais, empresas e cidadãos se reúnem para discutir e negociar as medidas necessárias para reduzir suas emissões e mobilizar fundos para este fim. Dentre as principais atividades, as partes discutem vários artigos do Acordo de Paris – que estabelece o objetivo de manter o aquecimento global neste século abaixo de 2°C – enquanto seguem com os esforços para mantê-lo abaixo de 1,5°C.
Ao fim da primeira semana de COP26, alguns jornalistas arriscam afirmar que essa edição já entrou para a história. Isso se dá pela participação massiva do setor privado, tanto financeiro quanto empresarial, incluindo a participação ativa de diversos CEOs. Além disso, essa edição da COP teve a maior participação da juventude e das populações indígenas, que desta vez estão sendo ouvidos, contando com bastante atenção e cobertura da mídia global. Jornalistas afirmam que essa foi a COP26 da diversidade.
Antes de o texto final ser concluído, “mini-acordos” importantes já foram estabelecidos durante a semana, o que resultou em uma pressão adicional sobre as autoridades para que o acordo final seja bem sucedido. Por exemplo, líderes de mais de 100 países, prometeram reduzir a emissão de metano em 30% até 2030. Além disso, mais de 100 países assinaram um acordo voluntário para o fim do desmatamento até 2030, com a mobilização de 19,2 bilhões de dólares para esse esforço. O Brasil se comprometeu com ambos os acordos. No entanto, além de voluntária, na prática, essa meta dá luz verde a mais uma década de destruição da floresta. É uma pauta que alimenta debates também porque, na prática, o governo brasileiro tem imposto uma política de legalização da destruição da floresta, com avanços na desregulamentação e fragilização da legislação ambiental e promovendo ameaças aos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Ainda, 40 países e alguns bancos se comprometeram a eliminar o carvão como fonte de energia. Para os países mais ricos, a data máxima para o uso dessa fonte de energia é 2030 (ou o mais rápido possível depois disso), para os outros é 2040 (ou o mais rápido possível depois disso). Os críticos também apontam a falta de clareza, de planos e de obrigações para o cumprimento destas metas. Além disso, os maiores consumidores globais de carvão, China e EUA, não entraram neste acordo.
A presença da delegação brasileira na COP26 está sendo pautada por promessas de conter a crise do clima e revisar a atual Contribuição Nacional ao Acordo de Paris (NDC), mas sem planos muito concretos de como vai cumprir as metas. Dentre as promessas feitas, o Brasil garante se tornar carbono neutro (quando se emite a mesma quantidade de carbono na atmosfera que aquela que se retira por diferentes vias, o que deixa um balanço zero) até 2050 e cortar em 50% as emissões brasileiras até 2030. Quanto a se tornar carbono neutro, o governo sinaliza que o fará por meio de compensações via mercado de carbono, em vez do corte das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Para os críticos, isso não representa uma real diminuição das emissões, e sim uma concessão para que os grandes poluidores continuem poluindo por meio da compra de créditos de carbono.
Para alcançar a meta de redução da emissão do metano até 2030, o Brasil precisará diminuir seu rebanho bovino, principal emissor desses gases no país, sendo responsável por mais de 70% das emissões de metano. A proteína bovina é apontada como o alimento que mais contribui para emissões de gases do efeito estufa e desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, segundo o mais recente relatório sobre clima da ONU. As emissões de gás metano no rebanho bovino brasileiro representaram 17% de todos os gases do efeito-estufa do país, segundo estimativa do Observatório do Clima. Diante dessa pauta, um relatório preliminar das Nações Unidas, elaborado para a COP26, diz que a adoção de uma dieta com menos carnes e mais alimentos feitos de plantas ajudaria a combater a mudança do clima.
Um grande destaque brasileiro na conferência foi Txai Suruí, considerado o rosto da COP26 deste ano. Aos 24 anos, foi a primeira indígena a discursar na abertura de uma conferência do clima. A jovem cobrou agilidade no enfrentamento das mudanças climáticas. “Não é em 2030 ou em 2050. É agora!”. Também chamou a atenção do mundo ao lembrar que os povos originários são os que mais sofrem com o aquecimento global. “Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática. Por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui”, discursou. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro, que não foi para a COP26, a criticou, ainda que indiretamente. Em contrapartida, Txai afirma que o ataque do presidente faz sua voz ecoar mais. Conta, ainda, que representantes da ONU a chamaram para conversar sobre o ocorrido e muitas organizações presentes na COP ofereceram suporte jurídico. “Vamos entrar com um processo aqui, pela intimidação que sofri”, afirma.
Ao fim da primeira semana, lideradas por organizações como o Fridays For Future, ou Sextas Pelo Futuro em tradução livre, milhares de pessoas foram às ruas de Glasgow na sexta-feira (05). Para o Greenpeace, “a sociedade civil mobilizada pede compromissos sérios e ações efetivas de países e empresas para conter a crise climática, que já impacta milhões de pessoas e ameaça de forma catastrófica as próximas gerações.”
Durante a segunda semana, o rascunho de um acordo da COP26 foi divulgado, na manhã desta quarta (10). A versão final do documento ainda está sendo negociada por representantes dos quase 200 países presentes na conferência, que tem conclusão nesta sexta (12). No geral, o rascunho traz avanços pontuais, mas não apresenta detalhes sobre como atingir as metas necessárias para que o aumento da temperatura do planeta. O texto também pede aos países que apresentem promessas aprimoradas no próximo ano para combater as mudanças climáticas, mas não confirma se isso se tornará um requisito anual. É possível que essa decisão fique para a COP27, que será realizada daqui a um ano no Egito.
Para os analistas, o texto inclui pontos positivos como redução do uso do carvão e de outros combustíveis fósseis. Porém, não há uma data definida para esta eliminação. O texto ainda menciona a necessidade de reduzir as emissões em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2010 e atingir “zero líquido” em meados do século XXI. Isso exige, por exemplo, que os países joguem na atmosfera apenas a quantidade de gases de efeito estufa que possa ser absorvida novamente por meios naturais ou artificiais. Para isso, o rascunho pede aos países que “revisitem e fortaleçam as metas de 2030 em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), conforme necessário, para se alinhar com a meta de temperatura do Acordo de Paris até o final de 2022”. As NDCs são renovadas a cada 5 anos desde o Acordo de Paris, em 2015. A ideia é que os países apresentem essas revisões daqui a um ano, na COP27, no Egito, mas não está claro se isso deverá ser feito anualmente a partir de agora.
A sensação geral é de que a Conferência teve pontos positivos, assim como o rascunho do texto é um bom começo, mas tudo ainda está baseado no mínimo necessário. É preciso garantir que esse mínimo entre na versão final do documento. Porém, foi possível notar a falta de planejamentos mais rigorosos e a falta de participação dos líderes dos países mais emissores do mundo, incluindo EUA, Rússia e Brasil.
Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site G1, intitulada “COP26: rascunho do texto final traz avanços e pede promessas melhoradas em 2022 para combate às mudanças climáticas”, publicada em 10/11/2021. https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/10/rascunho-acordo-cop26.ghtml
Matéria no site Greenpeace, intitulada “Um resumo do que rolou na primeira semana da COP26”, publicada em 06/11/21. https://www.greenpeace.org/brasil/blog/um-resumo-do-que-rolou-na-primeira-semana-da-cop26/
Matéria no site G1, intitulada “Como a carne virou ‘vilã’ em mudança climática e entrou na mira da COP26”, publicada em 08/11/21. https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/08/como-a-carne-virou-vila-em-mudanca-climatica-e-entrou-na-mira-da-cop26.ghtml
Matéria no site El País Brasil, intitulada “Txai Suruí, destaque da COP26: “Vivo sob clima de ameaças desde que me conheço por gente”, publicada em: 09/11/21. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-11-09/txai-surui-destaque-da-cop26-vivo-sob-clima-de-ameacas-desde-que-me-conheco-por-gente.html