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Corrida para a paternidade

Mecanismo de competição espermática para garantir sucesso reprodutivo

Destaques:
– Machos competem pela fêmea mesmo depois dela já ter copulado com outro macho;
– Existem dois tipos de estratégias responsáveis pela competição espermática, que favorecem o primeiro macho a copular com a fêmea, ou machos de cópulas posteriores;
A competição espermática é um mecanismo adotado por machos, que aumenta a sua prole.

Competição espermática: o nome já diz tudo. A designação do termo refere-se à um dos mecanismos de seleção sexual, no qual ocorre uma disputa entre os espermatozoides de dois ou mais machos pela fertilização do ovócito secundário da fêmea, processo que acontece no interior do trato reprodutivo dela. 

Pelo fato desse processo ocorrer interna e microscopicamente, por muito tempo não se sabia da sua existência. O mecanismo somente foi discutido à luz do conhecimento científico por volta de 1970, com os estudos de Geoffrey A. Parker, pesquisador também responsável por definir o termo ‘competição espermática’ na literatura. No entanto, o descobrimento desta forma de competição intrassexual estimulou a indagação do que favoreceria a evolução de tal mecanismo.

A explicação para essa pergunta está na vantagem reprodutiva. Tendo em vista que fêmeas de diversas espécies continuam receptivas após uma primeira cópula, os machos que conseguem ejetar seus espermatozoides o mais próximo possível ao óvulo da fêmea, em comparação com seus rivais, obtém uma vantagem durante a fecundação. Ao longo de gerações, o sucesso reprodutivo proporcionado por essa estratégia, favorece a evolução de mecanismos de competição espermática. 

A evolução da competição espermática está associada a algumas modificações anatômicas, fisiológicas e comportamentais. Além da poliandria, animais que utilizam esse tipo de estratégia geralmente se reproduzem por fertilização interna, processo que ocorre dentro do corpo da fêmea, quando o espermatozoide fecunda o óvulo. Outro aspecto importante é a presença de órgãos específicos, pois permite à fêmea armazenar espermatozoides de diferentes machos no mesmo prevalecimento.

mecanismos reprodutivos e de competição espermática
Resumo esquemático dos três aspectos principais da competição espermática. Note que os três são inter-relacionados. Imagem: Letícia Sanfilippo Rojas.

Estratégias da competição espermática

Duas estratégias distintas são adotadas nesta competição, aqui nomeadas de estratégia 0 e 1. A arena da competição é o trato reprodutor da fêmea e, desta forma, os machos podem disputar: (i) pelo prevalecimento de seu espermatozoide em detrimento de machos posteriores (estratégia 0) ou (ii) pela transposição dos espermatozoides do(s) macho(s) antecedente(s) (estratégia 1).

Na estratégia 0, a competição favorece o primeiro macho, o qual evita ou minimiza o sucesso das fertilizações subsequentes por meio de: 1) aspectos comportamentais, que incluem maior tempo realizando a cópula e/ou guarda da fêmea após a copulação; 2) aspectos fisiológicos, em que substâncias químicas reduzem ou inibem a receptividade da fêmea para novas cópulas, atuando como uma barreira bioquímica; e 3) aspectos morfológicos, como a fisiologia do aparato reprodutor da fêmea, ou plugues seminais, substâncias gelatinosas depositadas pelo macho no trato reprodutor da fêmea, que endurecem e formam uma barreira física para a entrada de novos espermas. 

Para exemplificar essa estratégia, têm-se os animais: tartaruga marinha; peixe barrigudinho e aranha. Nessas três espécies, a morfologia do aparelho reprodutor da fêmea é um aspecto crucial. Assim, logo que o primeiro macho copula, seu espermatozoide é armazenado em um local mais próximo do sítio de fertilização, aumentando suas chances de sucesso reprodutivo.  

Já na Estratégia 1, a competição é favorecida para o(s) macho(s) posterior(es) ao primeiro acasalamento. As inseminações posteriores potencialmente reduzem a fertilidade do macho que acasalou antes, desde que seus espermatozoides ainda não tenham fertilizado os óvulos. Há, então, algumas adaptações que maximizam o sucesso competitivo, como mecanismos químicos ou morfológicos que conduzem à inativação ou à remoção do espermatozoide de machos rivais.

Dentre os animais que utilizam essa estratégia, podem ser citados: lagartixa da montanha; mosca-das-frutas; ácaro e caranguejo das neves. Os machos dessas espécies deslocam espermatozoides rivais do trato reprodutor da fêmea, para pontos ‘cegos’, onde não ocorre a fertilização, ocasionando o sucesso reprodutivo do macho posterior. 

É importante notar que ambas as estratégias são antagônicas, já que as adaptações selecionadas sexualmente são conflitantes entre si e resultam no favorecimento dos machos que obtêm a maior taxa de fertilização em detrimento daqueles que não atingem o ótimo reprodutivo. A existência concomitante dos aspectos que fundamentam as duas estratégias revela que a prevalência de uma estratégia resulta no relaxamento da outra, gerando uma compensação evolutiva, em que a seleção de uma característica evolui em conflito com a existência da outra, e vice versa.

 

Qual a importância desse mecanismo?

A competição espermática tem um importante papel como uma possibilidade adicional no sucesso reprodutivo do indivíduo. Assim, esse mecanismo pode conferir ao macho um elevado número de descendentes na população, o que aumenta as chances dele garantir a continuidade de sua linhagem genética e ampliar a sua aptidão ecológica.

Colaboração: Letícia Sanfilippo Rojas sobre a autora

Fontes consultadas:

– Dissertação de mestrado “Apostólico, L. H. Caracterização do dimorfismo intrassexual masculino de Doryteuthis plei (Mollusca: Cephalopoda) como base para compreensão dos mecanismos de competição espermática em lulas”, de autoria de Apostólico, L. H, apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Pauloem  2002; 

– Artigo científico “Sperm competition and its evolutionary consequences in the insects”, autoria de Parker, G. A. Chen, publicado na revista Biological Reviews, em 1970;

– Artigo científico “The Evolution of Poliandry: Sperm Competition, Sperm Selection and Offspring Viability”, autoria de Simmons, L. W., publicado na revista Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, em 2005. 

(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca, Priscila Rothier e Caio Oliveira)

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