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Ecolocalização de morcegos é vantajosa em ambientes com poluição sonora

Morcegos combinam diferentes sinais quando estão caçando em ambientes ruidosos

 

Resumo 

A poluição sonora produzida por humanos pode interferir no processamento de sons do ambiente, reduzindo a sobrevivência e reprodução de animais que se orientam pelo som. Este trabalho demonstra que morcegos podem contornar esse impacto negativo de ruídos urbanos, utilizando-se de outra pista sensorial de suas presas por meio da ecolocalização. No experimento realizado, quando emitido um som que interferia a audição dos morcegos, a localização de sapos robóticos que simulavam movimentação do saco vocal era mais eficiente em relação aos robôs que apenas emitiam sons de vocalização dos sapos. Essa preferência ocorria apenas na presença de poluição sonora e essa mudança de comportamento foi acompanhada por um aumento no uso da ecolocalização. Os resultados revelam que apesar dos impactos negativos da poluição sonora humana, alguns animais poderão se adaptar aos ruídos de ambientes urbanos, bem como demonstra a importância de estudos sobre ecologia sensorial para compreender a interação entre espécies.

 

Introdução

Uma das maiores características da nossa sociedade nos últimos séculos é a urbanização. Cada vez mais os humanos alteram profundamente o ambiente onde vivem, e cada vez mais espalhamos nossas cidades pelo globo. Uma consequência disso é a resposta de outras espécies a esse fenômeno. Algumas espécies simplesmente deixam de existir, enquanto outras continuam no ambiente (como pombos, ratos, diversos insetos), pois encontram recursos ou se habituam às cidades.

Um exemplo nítido de como espécies não humanas se habituam às cidades se dá na análise dos efeitos da poluição sonora. A grande maioria das espécies, principalmente de animais mamíferos, têm complexos sistemas de comunicação, como para intimidação, que evita brigas, ou para sinais relacionados ao acasalamento. Porém, um exemplo diferenciado do uso de sinais sonoros se dá em morcegos. Nesses mamíferos voadores, sinais sonoros utilizados para locomoção e caça de presas não se dá apenas pela audição, mas também pela ecolocalização.

A questão que une o fenômeno da urbanização aos mecanismos de uso de sinais sonoros dos animais é a poluição sonora. O ambiente sonoro das cidades é muito diferente daquele de áreas rurais ou naturais. Existe, nas cidades, um distinto ruído de fundo: o barulho dos carros, das pessoas e das fábricas, que, apesar de baixo, é constante. Por isso, um sinal sonoro emitido por uma espécie para comunicar-se pode ser afetado, dificultando a percepção de um predador se aproximando, ou dificultando que o animal ouça o barulho de uma fonte de água, por exemplo.

O presente trabalho teve o objetivo de entender a interferência da poluição sonora nas estratégias que morcegos (animais cegos e dependentes da audição) usam durante a caça. A hipótese avaliada foi que a poluição sonora pode prejudicar os morcegos acharem suas presas, e diminuir a taxa de sucesso em sua alimentação.

 

Material & Métodos

Para testar se os morcegos são afetados pela poluição sonora, os pesquisadores criaram sapos robôs, programados para emitir vocalizações (cantos) e inflar o saco vocal conforme eles desejavam. Morcegos foram introduzidos da seguinte maneira para caçar “sapos”: dois robozinhos eram disponibilizados para os morcegos, um que somente cantava (pista auditiva) e outro que cantava e inflava seus sacos vocais (pista auditiva + frequências detectadas apenas pela ecolocalização). Nessa tratamento controle, os morcegos demonstravam sua preferência sobre qual “sapo” ele localizava mais rapidamente.

Já os tratamentos experimentais consistiam na mesma situação, mas apenas com uma alteração: uma caixa de som produzindo ruído de fundo (simulando poluição sonora) que interfere na percepção do som pelos morcegos. A partir desse modelo desenvolvido seria possível entender como a caixa de som alterou as técnicas que os morcegos usam para localização de presas: Caso os morcegos expostos a caixas de som conseguissem perceber de maneira mais eficiente o sapo que canta e infla, os pesquisadores teriam uma evidência de que os ruídos de fundo estariam mudando o comportamento dos morcegos.

Figura: Modelo experimental criado pelos pesquisadores. Imagem: modificado de Gomes et al. 2016

Resultados & Discussão

Os resultados corroboraram a hipótese inicial do trabalho, ou seja, em média os morcegos que estavam expostos ao som de fundo que interferia em sua percepção auditiva atacaram mais os sapos que também inflavam seus sacos vocais. Isso aconteceu porque, nesse caso, os morcegos preferiram se basear na ecolocalização. Além disso, os morcegos também demoravam mais a fazer seus ataques quando havia poluição sonora, evidenciando que os ruídos de fundo os confundiam.

Pelos resultados obtidos, pode-se prever que sapos em ambientes urbanos teriam mais tempo para evadir de ataques de morcegos, devido ao “atraso” no ataque recorrente da poluição sonora. Além disso, pensando no tempo evolutivo (ao longo de diversas gerações), essa mudança de comportamento da predação por morcegos pode levar a adaptações nas dinâmicas reprodutivas das espécies de sapos urbanos. Esse resultado é importante pois nos lembra de como o ser humano não apenas impacta a existência de animais em ambientes urbanos, mas também pode moldar o processo evolutivo de outras espécies.

 

Pesquisa ao seu alcance: Carlos Klein

sobre o autor

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Bats perceptually weight prey cues across sensory systems when hunting in noise”, publicado pela revista Science em setembro de 2016, de autoria de Gomes, D. G. E; Page, R. A.; Geipel, I. e colaboradores. O artigo original pode ser acessado em http://science.sciencemag.org/content/353/6305/1277.full

(Editoração: Fernando Mecca, Gabriela Duarte e Caio Oliveira) 

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