#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)
Saiba quais são e como podemos evitar os efeitos negativos da luz azul
DESTAQUES: • A invenção do LED azul ganhou o prêmio Nobel de física e foi uma enorme contribuição para o campo tecnológico e para o meio ambiente; • Entretanto, os impactos dessa luz para a saúde ainda estão sendo investigados; • Indiretamente, a exposição excessiva a luz azul pode contribuir para aparição da distrofia macular relacionada à idade; • A exposição a telas de LED afeta negativamente a qualidade do sono, mas algumas medidas podem ser tomadas para evitar isso. |
A luz é um fator importante para a humanidade desde seus primórdios, e quase todos os seres vivos dependem dela para sobreviver. Desde de sua detecção pelo olho primitivo e simples de uma planária, do uso do fogo como fonte na vida pelo homem pré-histórico e, finalmente, até sua emissão por aparelhos eletrônicos com suas telas cheias de cores, a luz esteve presente na evolução dos organismos. No corpo humano, os componentes oculares, principalmente a íris, cristalino, córnea, e nervo óptico, são responsáveis por interagir com a luz e transmitir essa informação ao cérebro, mas essa interação nem sempre é benéfica.
Um relatório de 2019 da Agência Francesa de Saúde e Segurança Alimentar, Ambiental e Ocupacional (ANSES) apoia o resultado de um estudo de 2010 sobre o efeito adverso da luz LED azul no olho humano, o que pode levar a problemas de visão. O relatório destaca os efeitos de curto prazo na retina ligados à exposição intensa à diodos emissores de luz (LED) azul e os efeitos de longo prazo ligados ao início da degeneração macular relacionada à idade (DMRI). Além disso, uma publicação da Universidade de Harvard também afirma que a exposição à luz azul durante a noite tem um efeito negativo mais forte no sono. Apesar de escassos, alguns estudos tentam entender como e por que isso acontece.
Já é bem conhecido que a luz visível pode danificar as células da retina, e que a exposição prolongada pode causar grande perda de fotorreceptores. Alguns estudos demonstraram que minimizar a exposição à luz é benéfico para prolongar a visão em alguns pacientes e, mais recentemente, estudos indicaram que o componente azul é a principal causa de danos.
Devido ao uso de dispositivos eletrônicos com telas e o uso de iluminação interna, a exposição a LEDs aumentou drasticamente nos últimos anos. Isso levantou preocupações sobre o espectro de emissão de alguns LEDs brancos, caracterizada por um componente de luz azul intenso, e também sobre as radiações residuais de comprimento de onda curto, ambas as quais podem ser prejudiciais para a saúde da visão.
Em um estudo com ratos, após a análise da exposição de longo prazo mimetizando atividades do dia-a-dia, apenas ratos albinos tiveram danos na parte superior da retina devido à exposição de LEDs e apenas os LEDs azul e verde danificaram a retina inferior, com grande perda de fotorreceptores, enquanto ratos pigmentados apresentaram uma perda menor de fotorreceptores, e maior ativação da macroglia, que são as células que regulam o metabolismo da retina e modulam a função dos neurônios e dos vasos sanguíneos.
Outro estudo mostrou que a toxicidade de células da retina induzida por LED em ratos albinos levou à morte celular, principalmente com luz azul, e que desencadeou significativa resposta inflamatória. Mesmo que a pigmentação natural presente em indivíduos não albinos confira alguma proteção contra danos na retina, os ratos pigmentados também sofreram alterações no aparelho ocular com a exposição aguda a fontes de luz LEDs intermediárias, ou seja, com a mesma intensidade recomendada para luz doméstica, indicando que a luz azul pode causar toxicidade na retina em níveis que observamos em nosso dia-a-dia e não apenas em condições extremas.
As alterações celulares causadas pela luz azul podem estar relacionadas à morfologia das células envelhecidas, nas quais acredita-se que as alterações progressivas e a presença de “partículas residuais” levem à formação de grânulos. Um desses grânulos residuais é a lipofuscina, que está geralmente associada a danos na membrana celular e nas mitocôndrias. O nível de lipofuscina é maior em humanos e ratos mais velhos e a qualidade de suas mitocôndrias diminui com a idade, sugerindo o papel da luz azul na aparição da distrofia macular relacionada à idade.
A degeneração macular relacionada à idade é relatada como uma das principais causas de deficiência visual grave ou cegueira em alguns países, principalmente entre pessoas com 65 anos ou mais, afetando cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Particularmente, o efeito da idade é claro porque as pessoas com menos de 50 anos geralmente apresentam muito poucos ou nenhum dos sintomas típicos da DMRI (principalmente visão distorcida e perda de acuidade visual), enquanto quase 1 em cada 4 pessoas com 65 a 74 anos já apresentaram essas mudanças típicas.
Nesse cenário, é notável que a idade desempenha um papel importante na degeneração da retina, pois à medida que os mecanismos das mitocôndrias começam a falhar, o acúmulo de moléculas tóxicas pode agravar essa condição. Sendo assim, podemos inferir que o aumento do tempo de exposição à luz visível, principalmente a incidência de luz azul, embora não seja a causa do problema, pode acelerar alterações relacionadas à morfologia das células envelhecidas.
Enquanto os efeitos do aumento do tempo de exposição à luz no desenvolvimento da DMRI podem ser indiretos, vários estudos já demonstraram que a qualidade do sono é afetada diretamente pela exposição direta à luz, especialmente no espectro azul, durante a noite. Isso ocorre pois a luz ativa fotorreceptores de células dos nossos olhos chamadas de células retinais ganglionares intrinsecamente fotossensíveis (ipRGCs). Essas células suprimem a produção de melatonina pelo corpo, uma substância que estimula o sono.
Enquanto a luz de qualquer tipo pode suprimir a secreção de melatonina, a luz azul à noite o faz de forma mais poderosa. Pesquisadores de Harvard e colaboradores conduziram um experimento comparando os efeitos de 6,5 horas de exposição à luz azul com a exposição à luz verde de brilho comparável. A luz azul suprimiu a melatonina por cerca de duas vezes mais do que a luz verde e alterou os ritmos circadianos em duas vezes mais (3 horas versus 1,5 horas).
A invenção do LED azul, que garantiu aos cientistas Isamu Akasaki, Hiroshi Amano, e Shuji Nakamura o prêmio Nobel de física em 2014 foi, sem dúvidas, uma contribuição gigantesca não só para o campo tecnológico, permitindo o desenvolvimento das telas de inúmeros aparelhos eletrônicos como conhecemos hoje, mas também para o meio ambiente, uma vez que a luzes de LED são extremamente mais eficientes que as luzes incandescentes, utilizadas para a iluminação ambiente desde por volta de 1900. No entanto, por ser uma tecnologia relativamente recente, seus efeitos a longo prazo para a saúde ainda estão sendo investigados.
Sendo assim, apesar de ainda não haver comprovação de causa direta para nenhum tipo de problema de visão grave, algumas medidas cautelares já são recomendadas por especialistas para melhorar a qualidade do sono. Dentre elas estão: usar luzes vermelhas fracas para iluminação noturna, uma vez que a luz vermelha tem efeito menor no ritmo circadiano; evitar olhar para telas brilhantes duas a três horas antes de dormir; expor-se a muita luz durante o dia, o que aumentará sua capacidade de dormir à noite, bem como seu humor e estado de alerta durante o dia.
Além disso, apesar de ainda não terem efeito comprovado para a saúde dos olhos, sabe-se que lentes que bloqueiam a luz azul podem ser particularmente úteis para pessoas com insônia, transtorno bipolar, transtorno da fase do sono atrasada ou TDAH, ou ainda para aqueles que trabalham no turno da noite ou precisam utilizar dispositivos eletrônicos à noite com frequência.
Colaboradores:
André Moreira Pessoni sobre o autor
André é bacharel em Informática Biomédica e mestre em ciências pela USP. Atualmente é aluno de doutorado em neurociências na Universidade Laval, Canadá. Trabalha com bioinformática e tenta unir os mundos da computação e da bioquímica. Sempre teve interesse em ser cientista e passou a fazer divulgação científica por prazer (o que logo se tornou uma necessidade).
Eduardo Domingos Borges sobre o autor
Biólogo e mestre em ciências pela USP. Trabalhou com biologia da reprodução, além de atuar como revisor e tradutor de trabalhos científicos. Tem interesse por diversas áreas da ciência e carinho especial pela divulgação científica. É cofundador da Ilha do Conhecimento e atualmente compõe sua equipe de gestão de conteúdo.
Referências:
Artigo científico intitulado “Light-emitting diodes (LED) for domestic lighting: any risks for the eye?”, publicado na revista Progress in Retinal and Eye Research em 2011, de autoria de Behar-Cohen, F., Martinstons, C., Viénot, F. e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Causes of vision loss worldwide, 1990-2010: a systematic analysis”, publicado na revista Lancet Global Health em 2013, de autoria de Bourne, R., Stevens, G., White, R. e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Blue-light filtering intraocular lenses (IOLs) for protecting macular health”, publicado na revista Cochrane Database Systematic Reviews, em 2018, de autoria de Downie, L., Busija, L., e Keller, P.
Artigo científico intitulado “Retinal damage induced by commercial light emitting diodes (LEDs)”, publicado na revista Free Radical Biology and Medicine em 2015, de autoria de Jaadane, I., Boulenguez, P., Chahory, S. e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Light-induced retinal damage using different light sources, protocols and rat strains reveals LED phototoxicity”, publicado na revista Neuroscience em 2016, de autoria de Krigel, A., Berdugo, M., Picard, E., e colaboradores.
Artigo científico intitulado “Do blue light filters confer protection against age-related macular degeneration?”, publicado na revista Progress in Retinal and Eye Research em 2004, de autoria de Margrain, T., Boulton, M., Marshall, J. e Sliney, D.
Artigo científico intitulado “Light in man’s environment”, publicado na revista Eye (Londres) em 2016, de autoria de Marshall, J.
Artigo científico intitulado “Retinal damage by light in rats”, publicado na revista Investigative ophthalmology em 1966, de autoria de Noell, W., Walker, V., Kang, B., e Berman, S.
Artigo científico intitulado “Retinal light damage: mechanisms and protection”, publicado na revista Progress in Retinal and Eye Research em 2010, de autoria de Organisciak, D. e Vaughan, D.
Artigo científico intitulado “A2E and blue light in the retina: the paradigm of age-related macular degeneration”, publicado na revista Biological Chemistry em 2002, de autoria de Shaban, H. e Richter, C.
Artigo científico intitulado “The Diagnosis and Treatment of Age-Related Macular Degeneration”, publicado na revista Deutsches Ärzteblatt International em 2020, de autoria de Stahl, A.
Artigo científico intitulado “Blue light induced apoptosis in rat retina”, publicado na revista Eye (Londres) em 1999, de autoria de WU, J., Seregard, S., Spångberg, B., e colaboradores.
Matéria intitulada “Blue light has a dark side” publicada no site da Universidade de Harvard (https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/blue-light-has-a-dark-side).
Matéria intitulada “Problemas para dormir? A culpa pode ser do telefone” publicada na página da organização Brainn (https://www.brainn.org.br/problemas-para-dormir-a-culpa-pode-ser-do-telefone/).
Matéria intitulada “Bright Idea: How Blue LEDs Changed the World” publicada no site Live Sciensce (https://www.livescience.com/48193-how-blue-leds-changed-the-world.html).
Matéria intitulada “Health effects of lighting systems using light-emitting diodes (LEDs)” publicada no site da ANSES (https://www.anses.fr/en/content/leds-blue-light).
- Quer ser o próximo autor colaborador do Ilha do Conhecimento? Participe!
- Não perca mais nenhuma postagem: Acompanhe nosso projeto nas redes sociais!
(Editoração: Fernando F. Mecca)