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Essa descoberta revolucionou o entendimento de sistemas enzimáticos bacterianos e a produção de biocombustíveis
A biomassa lignocelulósica é a fonte energética mais abundante do planeta. Isso porque é formada por células vegetais que possuem uma parede celular rica em açúcares. Dentre os açúcares que compõem a parede celular vegetal, o mais abundante é a glicose. A glicose, por sua vez, é a fonte de energia preferencial de todos os seres vivos.
No entanto, para obtenção de glicose vinda da biomassa e sua subsequente conversão a energia, é preciso quebrar a cristalina e resistente celulose, que é um dos polímeros que compõem a biomassa lignocelulósica. Isso se deve justamente devido à celulose ser composta de várias moléculas glicoses unidas umas às outras por ligações químicas. Dessa forma, encontrar enzimas capazes de quebrar essas ligações químicas entre moléculas de glicose que formam a celulose é um dos principais objetivos da biotecnologia industrial.
Sendo assim, Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em parceria com colegas de outras instituições do país e do exterior, descobriram uma enzima capaz de revolucionar o processo de desconstrução da celulose, viabilizando, entre outras aplicações tecnológicas, a produção em larga escala do chamado etanol de segunda geração, um biocombustível muito promissor para substituição do uso de combustíveis fósseis. O estudo foi publicado em janeiro na revista Nature.
Inicialmente os pesquisadores fizeram uma análise metagenômica (técnica de estudo genético que analisa o material genético disperso em diversos ambientes de microrganismos não específicos, sem cultivá-los em laboratório) de amostras de solo cobertas com bagaço de cana-de-açúcar que foram mantidas por décadas em uma biorrefinaria (Quatá, São Paulo, Brasil) a fim de identificar microrganismos e catalisadores vindos desses microrganismos capazes de desconstruir a biomassa não descritos anteriormente.
A primeira observação foi que as bactérias encontradas nessa localidade haviam sido selecionadas naturalmente de acordo com a capacidade de desconstrução da biomassa lignocelulósica. Em seguida, eles identificaram o DNA de uma bactéria a qual chamaram de Candidatus Telluricellulosum braziliensis e, a partir desse DNA, obtiveram a enzima CelOCE, a partir da expressão em inglês Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme.
É importante destacar que o DNA é transcrito em RNA e este é traduzido em proteínas. Portanto, por meio de metodologias de engenharia genética, é possível obter uma proteína a partir de um gene descoberto em uma amostra de metagenômica, sem necessidade de cultivar o organismo que a produz.

A CelOCE é um achado impressionante, pois quebra a celulose por meio de um mecanismo inédito de redox enzimático (processo químico em que uma enzima ajuda a transferir elétrons de uma molécula para outra). Mário Murakami, líder do grupo de pesquisa em biocatálise e biologia sintética do CNPEM e coordenador do estudo conta à Revista FAPESP “Identificamos uma metaloenzima que melhora a conversão da celulose por meio de um mecanismo até então desconhecido de ligação ao substrato e clivagem oxidativa.
Essa descoberta estabelece uma nova fronteira na bioquímica redox para a despolimerização de biomassa vegetal, com implicações amplas em biotecnologia”. Ele adiciona que, há cerca de duas décadas atrás, a adição das mono-oxigenases ao coquetel enzimático constituiu uma primeira revolução. Essas enzimas oxidam diretamente as ligações glicosídicas da celulose, facilitando a ação de outras enzimas, definindo um paradigma. Agora, pela primeira vez, esse paradigma foi quebrado, com a descoberta da CelOCE, que não é uma mono-oxigenase, e propicia um resultado muito mais expressivo.
Atualmente, o processo de produção de etanol de segunda geração conta com coquetéis enzimáticos capazes de desconstruir a biomassa lignocelulósica, transformando-a em açúcaress simples. Sendo assim, os autores colocaram esse gene de bactéria no fungo Trichoderma reesei (um dos mais usados para produção de coquetéis enzimáticos). Os pesquisadores observaram que, sob condições industrialmente relevantes, a presença da enzima aumentou consideravelmente a liberação de glicose em 21% e 19% para materiais de bagaço de cana-de-açúcar e eucalipto pré-tratados, respectivamente, quando comparada à descontrução pelo fungo sem CelOCE.
Murakami afirma que este não foi um resultado de bancada de laboratório, mas que ainda precisa passar por muitas validações antes de chegar à utilização industrial. No entanto, a prova de conceito em escala-piloto já foi demonstrada e a enzima recém-descoberta pode ser incorporada imediatamente a produção de etanol de segunda geração atual. Isso é extremamente relevante para o Brasil, como grande produtor de biocombustíveis, e para o mundo, em um diante da necessidade de desenvolver fontes energéticas sustentáveis em função da crise climática.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Referências:
Artigo científico intitulado “A metagenomic ‘dark matter’ enzyme catalyses oxidative cellulose conversion”, publicado na revista Nature em 2025, de autoria de Santos e colaboradores.
Matéria no site CNN, intitulada “Nova enzima capaz de quebrar a celulose deve revolucionar biocombustíveis”, publicada em 18/02/2025.