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Saliva de insetos pode abrir caminhos para novos anti-inflamatórios.
DESTAQUES: – A saliva de insetos hematófagos tem diversos efeitos, inclusive anti-inflamatórios; – Testes com camundongos já mostraram que essa saliva pode evitar a inflamação e proporcionar uma recuperação mais rápida; – Doenças como toxoplasmose, hepatite autoimune e esclerose múltipla poderão ser tratadas com medicamentos desenvolvidos com base na saliva desses insetos. |
Os insetos hematófagos são capazes de tirar o sossego de qualquer um, ainda mais no verão, período em que a população destes insetos é ainda maior. O barulho incessante do seu voo, a coceira, o inchaço, a vermelhidão e as feridas, tudo isso junto contribui para que a convivência com esses insetos seja difícil. Em indivíduos alérgicos, a experiência pode ser ainda pior e os sintomas podem afetar consideravelmente a qualidade de vida. Mas você já se perguntou o que causa todas essas reações?
Os primeiros insetos hematófagos surgiram entre o período jurássico e cretáceo (entre 150 milhões e 70 milhões de anos atrás). Durante este longo período, estes insetos se especializaram no consumo de sangue, um líquido extremamente rico em nutrientes. Mas para se alimentar de sangue, os insetos hematófagos precisaram lidar com inúmeros problemas.
Os vasos sanguíneos, ao serem perturbados, ativam fatores que são capazes de coagular o sangue, contrair os vasos e promover a agregação plaquetária, interrompendo o fluxo de sangue do qual o inseto se alimentaria. Além disso, o sistema imune está a postos para atacar qualquer coisa que invada o hospedeiro. Desta forma, durante o processo evolutivo, os insetos hematófagos adquiriram um imponente arsenal de proteínas na saliva.
Substâncias como anticoagulantes, vasodilatadores, antiplaquetários, anestésicos e anti-inflamatórios facilitam o roubo de sangue dos hospedeiros. No entanto, após um tempo, o contato do sistema imune com estas substâncias causa uma reação alérgica, promovendo os sintomas desagradáveis citados anteriormente.
Será que conseguimos tirar algo de bom da saliva desses insetos? Como vimos, eles nos causam alergias – além de serem capazes de nos transmitir agentes causadores de doenças, como o vírus da dengue. Mas novos estudos mostram que essa saliva pode ser aproveitada para nosso bem, graças às suas propriedades anti-inflamatórias.
As doenças inflamatórias intestinais, a esclerose múltipla e outras doenças autoimunes causam a morte de inúmeras pessoas, por conta de processos inflamatórios exacerbados e desregulados. O atual tratamento para este tipo de inflamação é com medicamentos que causam muitos efeitos colaterais e nem sempre são eficientes. Desta forma, a busca por novos tratamentos deve ser contínua.
Experimentos mostraram que camundongos infectados com o parasita Toxoplasma gondii desenvolvem uma doença inflamatória intestinal parecida com a dos humanos. No nosso modelo de estudo, tratamos estes camundongos com 30 microgramas (equivalente a 0,00003 gramas) de proteínas salivares de barbeiro. Os resultados mostraram que as proteínas da saliva foram capazes de reduzir a inflamação da doença inflamatória intestinal. Além disso, os camundongos tratados perderam menos peso e o recuperaram mais rápido que os camundongos não tratados. Por fim, os animais tratados tiveram menos parasitas que os não tratados. Desta forma, mostramos que a saliva de insetos hematófagos tem potencial para ser explorada como tratamento para os processos inflamatórios e para a toxoplasmose.
Entretanto, antes desse tratamento se tornar corriqueiro, é necessário identificar as moléculas que são responsáveis pelos efeitos anti-inflamatórios, para depois testar em humanos. Além disso, a nova droga à base de saliva de insetos também poderá ser usada no tratamento de doenças como a hepatite autoimune e a esclerose múltipla que, assim como as doenças inflamatórias intestinais, têm um importante componente inflamatório. Desta forma, concluímos que a saliva pode ser “o fim da picada” para inúmeras doenças que causam inflamação exacerbada e desregulada.
Colaboração: Roberto Augusto Pereira de Souza
Licenciado em Ciências Biológicas pelo IFTM, mestre e doutorando em Medicina Tropical e Infectologia pela UFTM. Atualmente trabalha com biologia do Toxoplasma gondii, doenças inflamatórias intestinais, saliva de triatomíneos e barreira intestinal.
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(Editoração: Fernando F. Mecca e Loren Pereira)