#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)
Por um lado a grande mancha de lixo pode ser lar de muitas criaturas marinhas, por outro ainda constitui uma grande ameaça a todos os ramos da cadeia alimentar
Uma equipe de cientistas que acompanhou o nadador francês Benoit Lecomte, o qual nadou mais de 300 milhas náuticas através da grande mancha de lixo do Pacífico com o objetivo de gerar consciência sobre a contaminação de plástico nos mares, descobriu que havia uma concentração muito maior de vida marinha dentro da mancha do que fora dela. O estudo, divulgado em formato pré-print pela revista BioRxiv, traz resultados que podem ter implicações diversas, e inclusive questionar sobre como as iniciativas de limpeza oceânica deveriam operar.
Em sua travessia, Benoit relatou que se surpreendeu ao ver que não estava sozinho. O nadador comentou que, “cada vez que via um resíduo de plástico flutuante, havia vida ao seu redor”. A mancha era como uma sopa de garrafas de plástico, redes de pesca, pneus e escovas de dentes. E em sua superfície flutuavam dragões-azuis, caravelas-portuguesas e outros pequenos animais que vivem na superfície marinha, conhecidos coletivamente como nêuston – organismos que se encontram na camada superficial que separa a água da atmosfera. Os cientistas a bordo do barco que acompanhava a travessia do nadador coletaram amostras das águas superficiais dessa grande mancha de lixo. A equipe descobriu que havia uma concentração muito maior de nêuston dentro da mancha do que fora dela. Em algumas partes da mancha, havia quase tanto nêuston quanto pilhas de plástico.
A cientista Rebecca Helm, coautora do estudo, já contava com a hipótese de que os giros oceânicos concentravam a vida marinha e o plástico de maneira similar, mas conta que se surpreendeu ao ver a quantidade que encontrou lá. Segundo ela, “a densidade era realmente assombrosa. Vê-los nessa concentração foi algo surpreendente”. Os giros oceânicos são grandes sistemas de correntes circulares, impulsionados pelos padrões globais dos ventos e das forças criadas pela rotação terrestre. Eles atuam como redemoinhos, de forma que tudo o que flutua dentro deles acaba sendo arrastado até o seu centro. Existem cinco giros oceânicos: os Giros Subtropicais do Norte e do Pacífico Sul, os Giros Subtropicais do Norte e do Atlântico e o Giro Subtropical do Oceano Índico.
Os resíduos flutuantes de plástico acabam sendo arrastados pelo giro e formam diversas manchas de plástico no oceano. A maior de todas, a grande mancha de lixo do Pacífico, que se encontra entre o Havaí e a Califórnia, contém pelo menos 79 toneladas de plástico, segundo a ONG Ocean Cleanup Foundation. Surpreendentemente, essa mancha também se tornou um ponto de encontro para diversos organismos marinhos. Por isso, junto a seus colegas, Helm usou várias redes para capturar algumas dessas criaturas, como velellas (hidrozoários flutuantes), botões azuis (águas-vivas primas das medusas) e caracóis violeta. Eles também encontraram evidências de que essas criaturas poderiam talvez se reproduzir na mancha.
O estudo desse tipo de vida marinha é importante, pois pouco se sabe sobre o nêuston, especialmente porque ele se encontra distante dos continentes, estando no coração dos giros oceânicos. “É muito difícil de estudar porque se encontra no oceano aberto e não se pode recorrer [a ele] a menos que se realizem expedições marinhas, que custam muito dinheiro”, relatou Lanna Cheng, cientista investigadora da Universidade da Califórnia. Como se sabe pouco sobre a história biológica e a ecologia dessas criaturas, o estudo, ainda que limitado em tamanho e alcance, oferece informação valiosa aos cientistas.
Além disso, o estudo pode ter outra repercussão: as organizações que trabalham para eliminar os resíduos plásticos da mancha devem considerar o que a investigação significa para seus esforços. Há diversas organizações sem fins lucrativos que buscam limpar os oceanos. A maior delas é a Ocean Cleanup Foundation, da Holanda. Helm e outros cientistas advertem que as redes usadas pelas organizações podem ameaçar a vida marinha, inclusive o nêuston. O oceanógrafo da instituição, Laurent Lebreton, discorda. “É muito cedo para chegar a conclusões sobre como devemos reagir diante desse estudo”, disse ele. “Há de se levar em conta os efeitos da contaminação do plástico em outras espécies. Com nosso sistema [de coleta do lixo no oceano] estamos recolhendo várias toneladas de plástico a cada semana, um plástico que afeta o meio ambiente”.
Sem dúvida, o plástico no oceano também constitui uma ameaça à vida marinha, pois mata mais de um milhão de aves marinhas todo ano, assim como mais de 100.000 mamíferos marinhos, segundo a UNESCO. Desde peixes a baleias podem ser afetados. Os animais podem confundir o plástico com comida, isso faz com que morram com o estômago cheio desses resíduos. Além disso, os plásticos que não acabam por matar as criaturas marinhas e aves podem se decompor em microplásticos dentro dos seus sistemas, penetrando em todos os ramos da cadeia alimentar, afetando até humanos. Nesse estado, é quase impossível eliminá-los do meio ambiente. Portanto, ainda que não saibamos ao certo o próximo passo acerca do estudo, é possível concordar sobre a necessidade de reduzir a quantidade de plástico que vai para o oceano.
Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site Só Científica, intitulada “Grande mancha de lixo do Pacífico se tornou um ecossistema, segundo cientistas”, publicada em 11/05/22. https://socientifica.com.br/grande-mancha-de-lixo-do-pacifico-ecossistema/