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A dualidade do jejum: regeneração celular e a probabilidade de desenvolver câncer

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

Pesquisa mostra que, após o jejum, há um mecanismo que é ativado ao comer e ajuda na proliferação de células-tronco no intestino, mas que também pode estimular o desenvolvimento de tumores pré-cancerígenos

Muito é discutido entre profissionais da nutrição sobre usar ou não jejum em dietas. Segundo um artigo publicado na revista Nature, em agosto de 2024, regimes de jejum melhoraram a saúde, a expectativa de vida e a regeneração de tecidos em diversos organismos, incluindo seres humanos, por mais de um século. Apesar disso, não era conhecido o porquê desses efeitos, nem se há consequências. Sendo assim, um grupo de pesquisadores estadunidenses, brasileiros e europeus mostrou que a realimentação pós-jejum aumenta a proliferação de células-tronco intestinais (ISC) e a formação de tumores em roedores.

Diante dos potenciais benefícios do jejum para a saúde, e da evidência de que a prática pode retardar doenças e aumentar a expectativa de vida de roedores, descobrir os mecanismos desses efeitos era fundamental para entender melhor como aplicar o jejum em dietas. Anteriormente, esse e outros grupos de cientistas relataram que um jejum de 24 horas melhora a função das ISCs ao ativar um programa celular único.

Em 2018, Ömer Yilmaz ( do Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge e pesquisador responsável pelo trabalho publicado em 2024) e seus colegas descobriram que as células-tronco provavelmente estão implicadas no evento. Eles observaram que, durante o jejum, essas células queimam gorduras ao invés de carboidratos como fonte de energia, aumentando sua capacidade de reparar danos no intestino de camundongos. Isso ocorreu devido a uma multiplicação mais rápida de ISCs nos camundongos que receberam comida após um jejum, reparando e regenerando o revestimento intestinal.

Esse efeito foi atribuído, em parte, à produção de grandes quantidades de moléculas chamadas poliaminas, importantes para o crescimento e a divisão das células. Apesar disso, o papel das poliaminas na regulação da adaptação das células-tronco à dieta e à iniciação do tumor permanece obscuro. As descobertas indicam que a tradução de proteínas induzida por poliamina em resposta à realimentação melhora o programa para regeneração intestinal derivada de ISC.

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Alguns dos benefícios do jejum para a saúde surgem quando o consumo de alimentos é retomado, mostram experimentos com animais. Fonte: Getty/Reprodução Nature Briefing

Se por um lado é muito interessante saber que há de fato a regeneração das células intestinais, um aumento da capacidade de células-tronco se dividirem pode levar à formação de células pré-cancerígenas. Anteriormente, outras pesquisas demonstraram que intervenções de jejum e dietas que imitam o jejum inibem principalmente o crescimento do tumor. No entanto, esses estudos se concentraram principalmente no estado de jejum, sem considerar as contribuições dos estados de realimentação na iniciação do tumor. Uma implicação importante desse estudo são os efeitos distintos do jejum e da realimentação pós-jejum na tumorigênese.

O presente trabalho demonstrou que a realimentação pós-jejum pode aumentar o risco de incidência de tumor intestinal se a mutagênese ocorrer no estado de realimentação em relação aos estados alimentado ou em jejum. Nada Kalaany, especialista em metabolismo do câncer na Escola Médica de Harvard, em Boston, Massachusetts, explica: “São essas predisposições extras ao câncer que ajudaram a levar os animais ao limite e a desenvolver tumores, em vez do ato de comer em si”.

Os pesquisadores devem sempre se preocupar com qualquer coisa que possa causar câncer, enfatiza Valter Longo, biogerontologista da University of Southern California em Los Angeles. Ele pondera, explicando que camundongos com os genes alterados estavam “quase condenados a ter câncer”, e que o ligeiro aumento no risco encontrado nesse estudo pode não ser aplicável de forma mais ampla. Em vez disso, Longo diz que os resultados do estudo da Nature podem ajudar a identificar maneiras de realizar a regeneração celular coordenada para reparar tecidos danificados, como aqueles em pessoas com cólon inflamado ou doença de Crohn.

Os autores concluem que os ciclos de jejum-realimentação devem ser cuidadosamente considerados e testados ao planejar estratégias baseadas em dieta para regeneração sem aumentar o risco de câncer, pois a realimentação pós-jejum leva a uma explosão na regeneração e tumorigenicidade induzidas por células-tronco.

 

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “Short-term post-fast refeeding enhances intestinal stemness via polyamines”, publicado na revista Nature em 2024, de autoria de Imada e colaboradores. https://www.nature.com/articles/s41586-024-07840-z#Fig5

Matéria no site Nature Briefing, intitulada “The surprising cause of fasting’s regenerative powers”, publicada em 08/2024. https://www.nature.com/articles/d41586-024-02700-2

 

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