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Cientistas usam glândula mamária como uma fábrica para produzir proteínas, como a insulina
Usando tecnologias de engenharia genética, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma vaca capaz de produzir insulina. A ideia de usar a vaca para produzir insulina partiu da crescente demanda mundial para produção de insulina humana a fim de tratar a diabetes. Diante disto, os pesquisadores hipotetizaram que esta demanda poderia ser suprida por insulina produzida por animais transgênicos no seu leite. Com isso, um bovino marrom do sul do Brasil fez história como a primeira vaca transgênica capaz de produzir insulina humana em seu leite.
O avanço, liderado por pesquisadores da Universidade de Illinois Urbana-Champaign e da Universidade de São Paulo, poderá anunciar uma nova era na produção de insulina, eliminando um dia, possivelmente, a escassez de medicamentos e os altos custos para as pessoas que vivem com diabetes. A pesquisa foi publicada no Biotechnology Journal em março de 2024, fruto de uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e estadunidenses.
Quando falamos de engenharia genética, muitas vezes está relacionado à inserção de um fragmento de DNA de interesse, como um gene, num vetor plasmidial (plasmídeo). Um vetor plasmidial consiste num segmento de DNA circular, naturalmente presente em bactérias, que possui elementos específicos que possibilitam técnicas de manipulação genética, como copiar e colar pedaços de DNA de interesse biotecnológico nesse tipo de vetor.
Atualmente, muitos desses vetores foram construídos artificialmente com base nos elementos presentes nos plasmídeos de bactérias, porém com características específicas para a metodologia de engenharia genética a ser utilizada. Para o estudo em questão, os cientistas utilizaram um vetor específico para modificações genéticas da glândula mamária para inserir o gene que codifica a insulina. Para a obtenção da insulina, o DNA é lido por proteínas específicas no núcleo das células, é transcrito em RNA e esse RNA é traduzido em proteínas.
No início do processo de produção da insulina, é preciso que o DNA inserido no vetor seja transferido para a célula de interesse. Neste trabalho, os pesquisadores utilizaram fibroblastos (células jovens, em plena atividade produtiva) e o conteúdo genético destas células foi utilizado para gerar embriões geneticamente modificados por meio da transferência nuclear de células somáticas (SCNT), que é uma técnica laboratorial para criar um embrião a partir de uma célula e um óvulo enucleado.
Quando a vaca atingiu a maturidade, a equipe tentou, sem sucesso, engravidá-la usando técnicas padrão de inseminação artificial, uma vez que a gravidez estimula a produção de leite. Em vez disso, estimularam sua primeira lactação com hormônios. A lactação produziu leite, mas em quantidade menor do que ocorreria após uma gravidez bem-sucedida. Ainda assim, a pró-insulina (versão imatura da insulina) humana e, surpreendentemente, a insulina foram detectáveis no leite.
“Antigamente, costumávamos apenas inserir o DNA e esperar que ele fosse expresso onde você queria”, disse Matt Wheeler (um dos principais autores do estudo). “Hoje em dia podemos ser muito mais estratégicos e direcionados. Usar uma construção de DNA específica para o tecido mamário significa que não há insulina humana circulando no sangue da vaca ou em outros tecidos. Também aproveita a capacidade da glândula mamária de produzir grandes quantidades de proteína.”
No final, eles observaram ainda que a proporção de insulina presente no leite era 3 vezes maior que a de pró-insulina. “Nosso objetivo era produzir pró-insulina, purificá-la em insulina e partir daí. Mas a vaca basicamente processou ela mesma. Ela produz cerca de três para um de insulina biologicamente ativa em pró-insulina”, disse Wheeler celebrando o sucesso do estudo. “A glândula mamária é uma coisa mágica.”
A equipe planeja clonar novamente a vaca e está otimista de que alcançará maior sucesso com a gravidez e ciclos completos de lactação na próxima geração. Eventualmente, eles esperam criar touros transgênicos para acasalar com as fêmeas, criando descendentes transgênicos que possam ser usados para estabelecer um rebanho especialmente construído. Wheeler diz que mesmo um pequeno rebanho poderia rapidamente superar os métodos existentes – leveduras e bactérias transgénicas – para a produção de insulina, e poderia fazê-lo sem ter de criar instalações ou infra-estruturas altamente técnicas.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Referências:
Artigo científico intitulado “Human proinsulin production in the milk of transgenic cattle”, publicado na revista Biotechnology Journal em 2024, de autoria de Monzani e colaboradores. https://analyticalsciencejournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/biot.202300307
Matéria no site Science Dailay, intitulada Milk to the rescue for diabetics? Cow produces human insulin in milk”, publicada em 13/03/2024. https://www.sciencedaily.com/releases/2024/03/240313135347.htm