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Metais terras-raras e materiais luminescentes

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

Diversas inovações tecnológicas são possíveis graças às propriedades desses materiais luminescentes

Destaques:
Terras-raras são metais muito utilizados em tecnologias e dispositivos atuais, como lasers, aparelhos eletrônicos, displays e na área de fotônica, visto que podem possuir propriedade de emissão de luz;
– Polímeros de coordenação são compostos formados por metais e ligantes orgânicos, que podem possuir propriedade de luminescência quando são produzidos com terras-raras, possibilitando a emissão de luz de diferentes cores e intensidades;
– Polímeros de coordenação luminescentes podem ser aproveitados em diversas áreas, tais como fotônica, dispositivos emissores de luz, sensoriamento, biomedicina e ciências forenses.

Metais terras-raras ou lantanídeos são elementos químicos muito diferentes quanto às propriedades ópticas que possuem. Os terras-raras podem ser representados em conjunto pelo símbolo Ln e, na maioria das vezes, ocorrem na forma de cátions trivalentes (Ln3+), cuja distribuição eletrônica tem grande influência em suas principais propriedades e aplicações. A maioria dos terras-raras e seus compostos são luminescentes: alguns emitem luz visível, e outros emitem luz nas faixas ultravioleta ou infravermelho. Essas emissões são provenientes de mudanças nos estados energéticos dos elétrons.

Para aumentar a luminescência e o rendimento quântico de um terra-rara, pode-se combiná-lo com ligantes orgânicos cromóforos, que servem como “antenas”, aumentando a quantidade de fótons absorvida e transferindo mais energia para o terra-rara, que é responsável pela emissão de energia em forma de luz. Além disso, a escolha de uma molécula orgânica que faça várias ligações influencia na formação de uma rede bi/tridimensional, que chamamos de polímero de coordenação luminescente. As Figuras 1a e 1b ilustram exemplos desses compostos excitados sob radiação ultravioleta (com comprimento de onda λ = 254 nm), sendo o composto da figura (1a) baseado em íons európio(III), que tem emissões características na região do vermelho, e o da figura (1b) baseado em íons térbio(III), com emissões características na região do verde.

Exemplos de materiais luminescentes.
Figura 1. (a) Polímero de coordenação baseado em íons Eu3+, excitados sob radiação UV (λ = 254 nm). (b) Polímero de coordenação baseado em íons Tb3+, excitados sob radiação UV (λ = 254 nm). Imagens: Arquivo pessoal.

 

Já a Figura 2, retrata a foto de uma partícula desse material (polímero de coordenação de Tb3+) observada em microscópio ótico de fluorescência, sob excitação de 375 nm.

Partícula de um polímero de coordenação de térbio
Figura 2. Foto de uma partícula de um polímero de coordenação de térbio em um microscópio ótico de fluorescência, sob excitação de 375 nm. Imagem: Guilherme Arroyos.

Para alterar as propriedades da luz emitida por esses polímeros de coordenação baseados em íons terras-raras, pode-se variar as proporções dos terras-raras no polímero (o que chamamos de dopagem de lantanídeos), ocasionando uma intensificação da emissão ou transferências de energia entre os metais. Neste segundo caso, gera-se uma mistura entre as emissões e, assim, luzes de diferentes cores podem ser produzidas. A Figura 3 mostra exemplos de polímeros de coordenação baseados em íons térbio(III) e sua emissão característica na região do verde, com respectivas dopagens (0,10%, 0,60%, 1,00%, 1,50% – porcentagens molares) de európio(III) com emissão vermelha, provocando a variação da cor da luminescência desses materiais.

Exemplos de polímeros de coordenação baseados em íons térbio(III) e sua emissão característica na região do verde, com respectivas dopagens de európio(III) com emissão vermelha, provocando a variação da cor da luminescência desses materiais.
Figura 3. Sólidos de coordenação baseados em íons Tb3+ e suas respectivas dopagens com Eu3+. Imagem: Arquivo pessoal.

Entre as diversas potenciais aplicações desses materiais luminescentes, pode-se destacar aquelas envolvendo sensores de outros compostos químicos. Este tipo de material pode apresentar variação na luminescência (intensidade ou comprimento de onda), funcionando como um sensor, conforme alguma substância interage com o polímero. Em princípio, qualquer mudança nas características de absorção ou emissão de luz pode ser potencialmente usada como um sinal de detecção, sendo que o mais frequentemente observado é a alteração na intensidade de luz emitida.

Dependendo do tipo de substância a ser detectada, pode ocorrer a supressão ou o aumento da intensidade de luminescência. Isto pode ser atribuído à transferência de elétrons ou de energia entre a molécula detectada e o material luminescente, ocasionando alterações nas eficiências das mudanças dos estados energéticos dos elétrons. Compostos nitroaromáticos, muito presentes em fertilizantes e materiais explosivos, por exemplo, são conhecidos como fortes supressores de luminescência devido à sua alta afinidade por elétrons, sendo possível usar com sucesso polímeros de coordenação baseados em terras-raras para a sua detecção.

A propriedade de luminescência pode ainda ser aproveitada na aplicação em dispositivos emissores de luz, géis luminescentes e compósitos (Figura 4), materiais formados pela combinação de diferentes fases e que possuem propriedades mistas relacionadas a ambas as substâncias que a formam. Além disso, podem ser aplicados em inúmeras áreas como na indústria aeroespacial, automotiva e aparelhos eletrônicos.

Exemplo de material que pode adquirir propriedades luminescentes após a adição de térbio na sua composição
Figura 4. Filme compósito contendo micropartículas de um polímero de coordenação de Tb3+ sob excitação de 254 nm. Imagem: Guilherme Arroyos.

Outra aplicação dos terras-raras que se mostra bastante promissora está relacionada com as ciências forenses. Resíduos de disparo de arma de fogo consistem em partículas sólidas produzidas durante o disparo. Sua detecção fornece inúmeras evidências em investigações criminais, como distância de disparo, reconhecimento de munições, identificação de suspeitos, diferenciação de homicídio e suicídio, etc. Isso é possível pois alguns dos componentes da pólvora permanecem na arma, nas mãos, nas roupas e no cabelo do atirador, por exemplo. Incluir marcadores ópticos feitos com terras-raras nas munições é muito útil, pois pode permitir a detecção visual de resíduos de disparo utilizando uma lâmpada ultravioleta. Além disso, esses materiais são estáveis em diferentes temperaturas e não são comumente encontrados no dia a dia popular.

Ainda dentro do campo forense, os polímeros de coordenação luminescentes também podem ser utilizados como tintas cintiladoras, as quais têm como objetivo melhorar a segurança e a autenticidade de documentos. Para isso, basta aplicar um compósito do polímero sobre os documentos a serem autenticados, e a sua validade pode ser confirmada com o uso de uma lâmpada ultravioleta. Na Figura 5, observa-se uma fotografia da superfície com tinta cintiladora sob luz branca artificial e na Figura 6 observa-se a mesma superfície sob excitação em luz ultravioleta (λ = 375 nm).

Superfície com a tinta cintiladora sob luz branca artificial com o escrito "UNESP" quase imperceptível.
Figura 5. Fotografia da superfície com a tinta cintiladora sob luz branca artificial. Imagem: Arquivo pessoal.
Superfície com a tinta cintiladora sob luz ultravioleta com o escrito "UNESP" em cor rosa bastante destacada
Figura 6. Fotografia da superfície com a tinta cintiladora sob luz ultravioleta. Imagem: Arquivo pessoal.

Por fim, na área da papiloscopia, mostra-se muito viável o uso de polímeros de coordenação luminescentes para a detecção de impressões digitais em cenas de crime, visto que impressões digitais são compostas principalmente de peptídeos, proteínas e ácidos graxos, compostos que tem alta capacidade de concentrar parte dos compostos necessários para a síntese dos polímeros. Dessa forma, dispersar os outros compostos necessários sobre uma superfície levará ao crescimento dos materiais luminescentes onde a impressão digital foi deixada, possibilitando uma análise papiloscópica extremamente precisa.

Polímeros de coordenação luminescentes têm alta diversidade química e estrutural, podendo ser direcionados para diversas aplicações, tornando-os materiais muito atraentes para a preparação de tecnologias e dispositivos com propriedades otimizadas e específicas. A versatilidade desses compostos em combinação com as propriedades fotofísicas e fotoquímicas excepcionais dos íons lantanídeos resultam em materiais multifuncionais de grande interesse e poder de aplicação e inovação para a ciência e para o futuro da humanidade.

Colaboração: Olavo Fiamencini Verruma sobre o autor

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “Luminescent Spherical Particles of Lanthanide-based Infinite Coordination Polymers with Tailorable Sizes”, publicado na revista Crystengcomm em 2020, de autoria Frem, R. e Arroyos, G. (Artigo)

Resumo científico intitulado “Co-doped lanthanide porous coordination solids as potential candidates for use in light emitting devices”, publicado nos anais da Sixth International Conference on Multifunctional, Hybrid and Nanomaterials em 2019, de autoria fiamencini Verruma, O.; Frem, R. e Arroyos, G.

– Artigo científico intitulado “Rare-earth phosphors based on spherical infinite coordination polymers”, publicado na revista New Journal of Chemistry em 2018, de autoria de Frem, R. e Arroyos, G. (Artigo)

Artigo científico intitulado “MOFs (metal-organic frameworks): uma fascinante classe de materiais inorgânicos porosos”, publicado na revista Química Nova em 2018, de autoria Frem, R.; Arroyos, G.; Flor, J.; e colaboradores. (Artigo)

(Editoração: Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Eduardo Borges)

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