Entendendo alguns aspectos sobre a resposta imunológica em idosos
Destaques: – Durante o envelhecimento, é observada uma alteração na produção, no número e nas funções de diversas células do sistema imunológico; – Uma das características mais marcantes observadas em idosos é um fenômeno conhecido como “inflammaging”, estado de baixos níveis de inflamação crônica e persistente; – Em conjunto, todas as alterações observadas ao longo do processo de envelhecimento contribuem para que idosos tenham uma pior resposta imunológica frente a infecções e estratégias vacinais. |
Nunca na história da humanidade a expectativa de vida alcançou níveis como os atuais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, espera-se que a população do nosso país viva em torno de trinta anos a mais do que o esperado nos anos 1940. Esse aumento da longevidade humana é resultado da melhora nas condições de saúde e do desenvolvimento médico e científico, dentre outros fatores.
Biologicamente, o processo de envelhecimento se dá pelo declínio progressivo da homeostase, ou seja, a perda da capacidade de manter o equilíbrio necessário para o bom funcionamento do corpo, aumentando, assim, a susceptibilidade à morte. Assim como o envelhecimento está ligado a perda de funções cognitivas e motoras, ele também está fortemente ligado ao enfraquecimento das respostas imunológicas. Isso é muito bem evidenciado pelo fato de que pessoas idosas são mais susceptíveis a quadros graves de infecções, tais como a influenza e o herpes zoster, e tem uma pior resposta frente à vacinação. Esse declínio da competência imunológica em indivíduos idosos é um fenômeno conhecido como imunosenescência. Mas você já parou para pensar por que nosso sistema imunológico se torna mais fraco à medida que envelhecemos?
O envelhecimento do sistema imunológico é multifatorial e resulta em uma variedade de mudanças qualitativas e quantitativas. Dentre essas mudanças, podemos citar, de forma geral, três principais: alteração na produção de células sanguíneas, mudanças na função das células imunes e estabelecimento de um estado inflamatório crônico. Além disso, quadros de estresse, agudos ou crônicos, têm impacto no sistema imunológico de pessoas mais velhas diferente do observado em adultos saudáveis, por levar a um diferente padrão de secreção hormonal.
O sistema imunológico humano é dividido em dois principais tipos de respostas: a resposta imune inata, que é rápida e inespecífica, e a resposta imune adaptativa, caracterizada principalmente por sua especificidade e memória. Durante o envelhecimento, tanto as células da resposta imune inata quanto as células da resposta imune adaptativa sofrem profundas transformações. Essas transformações estão diretamente relacionadas ao aumento do risco a infecções e maior mortalidade. À medida que envelhecemos, por exemplo, alguns tipos celulares que compõem o sistema imune inato sofrem alterações quanto a sua capacidade de migração para locais de infecção. Diminui, também, a capacidade destas células de produção de moléculas microbicidas, bem como sua capacidade de ingerir microrganismos. Por isso os idosos têm maiores problemas frente a infecções bacterianas.
Um dos tipos celulares mais importantes da resposta imune inata são as chamadas células dendríticas. Tais células são as principais responsáveis por sinalizar a presença de uma infecção para a ativação da resposta imune adaptativa. Durante o envelhecimento, entretanto, são observadas alterações na população de células dendríticas. Por exemplo, em indivíduos idosos, essas células apresentam reduzida capacidade de ingestão de microorganismos, bem como a diminuição da migração e expressão de moléculas de superfície celular importantes para a ativação das células do sistema imune adaptativo. Ainda, algumas populações específicas de células dendríticas presentes na pele também sofrem redução em seu número com o avanço da idade, aumentando assim, o risco de infecções dermatológicas.
Uma das principais características do sistema imunológico de idosos é a diminuição da produção de diversos tipos celulares, como os linfócitos T (um dos tipos de leucócitos responsáveis pelo reconhecimento de células alteradas ou infectadas) e linfócitos B (células responsáveis pela produção de anticorpos), os dois principais tipos celulares de nossa resposta imune adaptativa. Além disso, o timo, órgão onde acontece o amadurecimento dos linfócitos T, sofre involução ao longo de nossa vida, ou seja, uma deterioração gradual conforme o envelhecimento. O resultado disso é uma diminuição da capacidade de produção de novos linfócitos T virgens. Além da alteração na produção de células virgens, observa-se também, durante o processo de envelhecimento, uma diminuída capacidade funcional destas células e uma diminuída variedade em seus receptores. Tudo isso, em conjunto, faz com que a capacidade de resposta frente a novas infecções seja comprometida.
Juntamente com a diminuição da disponibilidade de linfócitos T virgens durante o envelhecimento, observa-se também o acúmulo de linfócitos T de memória terminalmente diferenciados, que possuem baixa capacidade de se replicar e são caracterizados pela produção de proteínas inflamatórias. Isso parece ser consequência da ativação crônica do sistema imunológico que, por sua vez, é resultado dos inúmeros e recorrentes desafios que ocorrem durante a vida, por exemplo, em resposta a todas as infecções as quais somos expostos ao longo dos anos. As principais infecções relacionadas a esse fenômeno são infecções virais crônicas, como por citomegalovírus, um vírus muito prevalente em humanos e que pertence à mesma família dos vírus causadores de herpes.
Como já mencionado, as células produtoras de anticorpos frente a uma infecção são os linfócitos B. Durante o envelhecimento, entretanto, além de uma diminuída produção dessas células por parte da medula óssea, observa-se também um comprometimento na qualidade dos anticorpos produzidos, o que impacta diretamente as respostas a agentes externos e a vacinas.
Uma das características mais marcantes do envelhecimento do sistema imunológico é a ocorrência de um fenômeno conhecido como “inflammaging”, um estado inflamatório sistêmico, de baixo grau, persistente, caracterizado por uma alteração no padrão de secreção das chamadas citocinas, que são proteínas sinalizadoras capazes de modular a atividade e função de outras células e que apresentam implicações importantes no desenvolvimento de osteoporose, aterosclerose, Doença de Alzheimer e diabetes tipo II, problemas muito frequentes em idosos. As causas de um estado crônico de inflamação em idades avançadas não são completamente conhecidas. Porém, já é sabido que além das células imunes, outros órgãos e tecidos também são responsáveis por esse quadro, tais como o tecido adiposo e o intestino, por exemplo. Uma das possíveis causas de inflamação durante o envelhecimento humano é a translocação microbiana. Em indivíduos idosos, a permeabilidade da barreira intestinal e vascular estão aumentadas, o que faz com que produtos bacterianos, normalmente encontrados em nosso intestino, possam passar mais facilmente para a corrente sanguínea, estimulando, assim, a secreção de fatores pró-inflamatórios. Além disso, ocorre também a alteração na composição da microbiota intestinal, que ajuda a aumentar os níveis de fatores pró-inflamatórios no sangue.
Outra possível causa do declínio da imunidade em idosos é o acúmulo de células senescentes – células que tiveram sua proliferação interrompida irreversivelmente e função alterada como consequência do aumento de estresses celulares relacionados à idade avançada. Durante o envelhecimento, essas células adquirem uma característica secretora associada ao envelhecimento, que é responsável pela secreção de diversos fatores pró-inflamatórios, contribuindo para a manutenção do estado crônico de inflamação em idosos.
Infecções, particularmente as respiratórias, são comuns em idosos. A vacinação é a medida mais eficaz para prevenção de doenças infecciosas, porém respostas imunológicas induzidas por vacinas são frequentemente mais baixas em idosos, os quais sofrem mais frequentemente de infecções graves e experimentam piores resultados dessas infecções comparados a adultos mais jovens. Defeitos na produção de citocinas pró-inflamatórias por células do sistema imune inato de indivíduos idosos têm sido associados a baixa resposta à vacinação contra o vírus influenza.
Respostas imunes inadequadas a agentes infecciosos não são apenas causadas pela senescência imune, mas também pela desnutrição ou ingestão inadequada de certos nutrientes, contribuindo ainda mais para a desregulação da função imunológica desenvolvida durante o envelhecimento. Nos países em desenvolvimento, o risco de morte por doenças infecciosas em pessoas acima de 70 anos foi calculado como mínimo em indivíduos com um índice de massa corporal (IMC) de 25 a 30, no entanto, esse risco aumenta muito em pessoas acima de 70 anos com um IMC < 20.
Assim, podemos concluir que o enfraquecimento das respostas imunológicas em pessoas idosas se dá pelo trabalho constante do sistema imunológico ao longo da vida em defender o organismo contra os inúmeros agentes externos, sejam eles microrganismos, agressões físicas ou químicas, aos quais o ser humano é exposto todos os dias, o que faz com que as células do sistema imunológico se alterem quantitativa e qualitativamente.
Mas o que pode ser feito para melhorar a reatividade imunológica de idosos e diminuir a predisposição a infecções? O exercício físico é fortemente recomendado. Já foi demonstrado que o exercício físico moderado melhora muito as respostas imunológicas das pessoas idosas, por exemplo, induzindo anticorpos protetores após a vacinação contra o vírus influenza. Além disso, uma alimentação adequada e equilibrada, pode mitigar os efeitos associados à idade no sistema imunológico, levando a uma melhora na defesa contra infecções.
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Colaboração: Mariela Cabral Piccin sobre a autora
Kamila Guimarães Pinto sobre a autora
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(Editoração: Beatriz Spinelli, Priscila Rothier, Fernando Mecca e Caio Oliveira)