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Como o novo coronavírus atrapalha a limpeza de células mortas pelo corpo?

Dano pulmonar e hiperinflamação parecem estar associados a mudanças no funcionamento de células do sistema imunológico em contato com o vírus SARS-CoV-2.

 

A infecção pelo novo coronavírus causa várias alterações no organismo humano, inclusive desequilíbrio no funcionamento do sistema imunológico. Entender todo o quadro de alterações e por que elas ocorrem é complexo, mas pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) deram alguns passos rumo à compreensão do efeito da doença sobre a resposta imune. Os resultados da pesquisa revelam que a COVID-19 altera o funcionamento dos macrófagos – células de defesa responsáveis por eliminar células mortas e outras partículas potencialmente prejudiciais ao organismo. A alteração nos macrófagos aumenta a resposta inflamatória e diminui a limpeza dos tecidos do corpo, o que pode atrasar a recuperação de pessoas infectadas. O estudo foi divulgado de forma preliminar (preprint), ainda não revisada por pares, na plataforma medRxiv.

 

Resposta inflamatória em laboratório

A equipe de cientistas fez uma série de experimentos in vitro para testar como os macrófagos reagem à presença do novo coronavírus (SARS-CoV-2). Para isso, duas linhagens de células foram utilizadas: uma originária de pulmão humano e outra de rim de macaco, que é modelo para pesquisas com SARS-CoV-2. Em um primeiro conjunto, células das duas linhagens foram infectadas com o vírus, o que gerou um processo de morte celular programada chamado apoptose. Em outro conjunto, a apoptose foi induzida por radiação ultravioleta.

 

Imagem, com fundo preto, de células brilhando em azul e apenas uma, o macrófago, brilhando em vermelho, amarelo e verde.
Pesquisadores marcam os macrófagos com substâncias fluorescentes para identificá-los ao microscópio. Acima, um macrófogo pode ser identificado em vermelho, amarelo e verde. Imagem: Reprodução/Steven Bloomer/PennState University.

 

Macrófagos cultivados em laboratório foram colocados para interagir com cada um dos conjuntos de células apoptóticas (as que se infectaram com o vírus e as que passaram por radiação). Os macrófagos englobam as células apoptóticas em um processo chamado fagocitose e depois as destroem em um compartimento interno. 

O grupo de pesquisadores observou que, ao englobar células mortas por radiação, os macrófagos apresentam uma resposta anti-inflamatória, que é o padrão normal de funcionamento imunológico e que ajuda a reparar tecidos do corpo. Mas, quando os macrófagos englobam células com o SARS-CoV-2 ativo, a resposta é pró-inflamatória, com secreção de alguns tipos de moléculas conhecidas como interleucinas. A mudança na resposta dos macrófagos pode ajudar a explicar os quadros de hiperinflamação observados em pacientes com COVID-19.

 

Imagens histológicas, de tecido vivo, de macrófagos, redondos e de cor rosa e preto, e células apoptóticas, sem forma defenida, espalhadas e completamente da cor preta.
Durante a morte celular por apoptose, as células perdem sua forma característica devido a um colapso estrutural. Imagem: Reprodução/WikimediaCommons.

 

Redução da atividade de limpeza

As alterações no comportamento dos macrófagos também estão associadas a mudanças na expressão de genes. É o caso dos genes TIM4, CD36, SRA-I, e ITGB5, que codificam receptores localizados na membrana das células de defesa. Os receptores são responsáveis por reconhecer a fosfatidilserina, um componente que fica na parte interna da membrana de células saudáveis, mas que é exposto quando as células estão morrendo. 

Para os macrófagos, o reconhecimento da fosfatidilserina é um sinal de morte celular e de que aquela célula deve ser removida. É essa limpeza que favorece a recuperação do local. O contato com células infectadas pelo novo coronavírus faz com que a capacidade de os macrófagos limparem as células mortas seja 12 vezes menor do que o esperado. 

O grupo de pesquisa também testou o que acontece quando macrófagos humanos são diretamente infectados pelo vírus. O resultado é que a capacidade de limpeza se torna duas vezes menor do que a de macrófagos saudáveis. 

 

Imagem mostrando uma célula grande fagocitando uma partícula pequena: a célula redonda começa a projetar dois prolongamentos de sua membrana até alcançar e capturar a partícula, que é englobada em uma especie de bolha, chamada vacúolo, dentro da célula.
Fagocitose é o processo pelo qual uma célula internaliza outra célula ou partícula. No sistema imunológico, células de defesa chamadas macrófagos fagocitam e destroem células mortas como forma de limpeza do organismo. Imagem: Reprodução/WikimediaCommons/GNU Free Documentation License.

 

Efeito em pacientes

Além dos testes em laboratório, o estudo inclui a análise de amostras de sangue de pacientes com quadro moderado ou grave de COVID-19. Os níveis de moléculas pró-inflamatórias nas amostras sanguíneas dos pacientes foram altos, quando comparados aos níveis no sangue de pessoas saudáveis. Já a quantidade de receptores como o CD36 e o TIM4, expresso nas células que originam os macrófagos, foi menor em quem teve COVID. 

O padrão de queda nos receptores das células de defesa, especialmente em casos graves da doença, também foi observado quando o grupo de pesquisadores reanalisou dados de estudos anteriores com pacientes infectados pelo novo coronavírus. Células de defesa retiradas durante a autópsia do pulmão de pessoas que morreram da doença também manifestaram esse padrão, o que reforça a relação entre o mau funcionamento dos macrófagos e as complicações da doença.

 

News: Luanne Caires

sobre a autora

Fontes e mais informações sobre o tema:

Estudo científico intitulado “Efferocytosis of SARS-CoV-2-infected dying cells impairs macrophage anti-inflammatory programming and continual clearance of apoptotic cells”, publicado na plataforma MedRxiv em 2021, de autoria de dos-Santos D, Salina ACG, Rodrigues TS e colaboradores. 
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.02.18.21251504v1.full-text

Matéria no site Agência Fapesp, intitulada “SARS-CoV-2 inibe remoção de células mortas pelo sistema imune e isso favorece o dano pulmonar, diz estudo”, publicada em 19/03/2021.
https://agencia.fapesp.br/sars-cov-2-inibe-remocao-de-celulas-mortas-pelo-sistema-imune-e-isso-favorece-o-dano-pulmonar-diz-estudo/35439/

 

(Editoração: André Pessoni)

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