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Tratamento da COVID-19 com plasma de pacientes recuperados - Ilha do Conhecimento
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Tratamento da COVID-19 com plasma de pacientes recuperados

Terapia usa imunidade de pessoas que superaram a doença para ajudar pacientes graves

Destaques:
– Terapias de transfusão de plasma já ajudaram em outras pandemias, como a da SARS em 2003, por exemplo;
– O plasma de pacientes recuperados da COVID-19 carrega anticorpos específicos contra esse vírus;
– Esses anticorpos podem ajudar no tratamento de pacientes em estado grave.

Um novo tratamento contra a COVID-19 – a doença causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2 – está ganhando espaço na mídia: o uso de plasma sanguíneo de pacientes recuperados da doença, também chamado de “plasma convalescente” ou “plasma hiperimune”. O plasma consiste na parte líquida do sangue, sendo composto principalmente por água e várias proteínas, dentre elas os anticorpos. O plasma constitui cerca de 60% do sangue, sendo os outros 40% constituídos de componentes como os glóbulos brancos, as células vermelhas e as plaquetas. Seu uso tem sido considerado uma possível estratégia para fornecer os anticorpos (também chamados de imunoglobulinas) necessários para aqueles pacientes doentes que ainda não os têm em níveis suficientes para neutralizarem os vírus e impedirem a progressão da doença. 

Embora não seja um processo isento de riscos, estima-se que a transfusão de plasma possa levar à diminuição da carga viral no organismo e à melhora dos sintomas, ou à evolução clínica dos pacientes. Portanto, numa pandemia viral, é uma estratégia rapidamente acessível, à medida que exista um número suficiente de pessoas que se recuperaram da doença e que possam doar o plasma contendo imunoglobulinas específicas contra o Sars-CoV-2.

Esse tipo de tratamento imunológico (que é chamado de “imunoterapia passiva” ou “transferência de imunidade”) já foi usado em várias outras epidemias e pandemias ao longo da história. Por exemplo: na epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em 2003, em infecções causadas por Influenza H1N1 em 2009, na Síndrome Respiratória do Oriente Médio em 2012. No contexto da pandemia da COVID-19, diversos estudos científicos mundiais têm mostrado resultados promissores desse tratamento. Para entender melhor como essa técnica funciona, precisamos primeiro compreender como nosso corpo tenta combater os vírus.

Depois de entrar no corpo de alguém, os vírus infectam as células da pessoa e utilizam a maquinaria dessas células para se multiplicarem, produzindo então milhares de novos vírus iguais a ele. Depois disso, as células infectadas morrem e liberam estes novos vírus no organismo, que infectarão outras células e se espalharão pelo corpo dessa pessoa, causando a doença viral.

O sistema imunológico é o sistema do nosso corpo que tem a função de nos proteger contra invasores externos, tais como os vírus. Desta forma, esse sistema apresenta um grande arsenal composto por células e moléculas. A resposta do sistema imune contra os vírus desencadeia no bloqueio da infecção eliminando as células já infectadas, impedindo sua multiplicação e evitando sua proliferação pelo corpo, além de gerar uma proteção específica e duradoura contra esse invasor.

Nos primeiros dias de infecção, células que foram infectadas pelo vírus ficam “diferentes” e são reconhecidas por células do sistema imunológico, chamadas de células NK (ou “assassinas naturais”). As células NK matam as células já infectadas de forma que o vírus não se multiplica nem se espalha ainda mais pelo corpo. Além disso, outras células do sistema imune produzem moléculas antivirais (chamadas interferons tipo 1) que têm a função de inibir a multiplicação do vírus nas células infectadas. Podemos dizer que as células NK e essas moléculas antivirais são a “linha de frente” da batalha contra os vírus.

No decorrer dos primeiros dias de infecção, outras células do sistema imunológico, chamadas de “células apresentadoras”, apresentam pequeninas partes do vírus para os linfócitos, que são os “soldados de elite” do sistema imunológico. Os linfócitos se multiplicam quando detectam os vírus, aumentando o potencial de combate dessa infecção viral. Isso começa ocorrer por volta de 3-5 dias após a entrada do vírus. Esses linfócitos são específicos para este vírus e podem ser de dois tipos: os linfócitos T cuja função, dentre outras, é matar células já infectadas pelo vírus; e os linfócitos B que fabricam os anticorpos, que são moléculas capazes de se ligar ao vírus, impedindo-os de infectar outras células. O pico da produção dos anticorpos ocorre entre 10-12 dias após a entrada do vírus no corpo.

Após a produção de milhares de anticorpos e de linfócitos contra o vírus, essas células proporcionam à pessoa imunidade (ou seja, proteção) específica contra esse invasor. Em geral, o processo de imunização a certo vírus ocorre três semanas após a infecção. No entanto, por quanto tempo dura a proteção imunológica adquirida contra um vírus (se poucos meses, muitos meses, muitos anos ou até a vida toda), dependerá das características do vírus e também do sistema imunológico da pessoa infectada – por exemplo, pessoas mais jovens e saudáveis produzem respostas imunológicas mais fortes contra invasores externos.

No caso do SARS-CoV-2, que é o novo coronavírus para os humanos, cientistas ainda não sabem se a imunidade gerada após a primeira infecção é duradoura, nem se irá proteger a pessoa de uma segunda infecção pelo vírus e desenvolver novamente os sintomas da COVID-19. Apesar de sabermos ainda muito pouco sobre imunidade ao novo coronavírus, já temos acesso a informações muito importantes:

1) Logo após a primeira infecção com o novo coronavírus e a recuperação da COVID-19, os pacientes apresentam anticorpos no seu sangue que são específicos contra esse vírus, sendo detectáveis por testes rápidos;

2) Estudos com o vírus semelhante ao SARS-CoV-2, o SARS-CoV-1 (causador da SARS), demonstraram que anticorpos contra o vírus foram encontrados no sangue de pacientes que desenvolveram SARS até pelo menos três anos após a infecção, sugerindo uma imunidade duradoura nestas pessoas;

3) Outro estudo realizado em macacos mostrou que após a primeira infecção com SARS-CoV-2, a maioria dos animais apresentou sintomas leves de COVID-19 e um deles teve um quadro de pneumonia. Após 28 dias, os macacos foram desafiados com uma segunda infecção do vírus e não desenvolveram os sintomas da doença novamente. No entanto, esse estudo foi preliminar e deve ser confirmado por pesquisas adicionais;

4) De acordo com relatos médicos na China e Japão, pacientes humanos que receberam alta após se recuperarem da COVID-19 e apresentarem resultados negativos da presença de partículas do vírus no corpo, dias depois voltaram a testar positivo para infecção pelo SARS-Cov-2, mas sem manifestar sintomas da doença.

Sobre este último ponto, ainda não é claro se a segunda detecção das partículas virais seria de fato uma nova contaminação em curto período, ou uma reativação da carga viral presente desde a primeira infecção. Existem alguns vírus que ficam latentes no corpo, numa forma “não infecciosa” com períodos intermitentes de reativação. Geralmente no período de latência, não há detecção de partículas virais por testes clínicos, nem manifestação de sintomas. Entretanto, não é possível saber se o resultado negativo para coronavírus nesses pacientes após se recuperaram da doença realmente significou total eliminação da carga viral no corpo, ou se compreendeu o período de latência do vírus. 

Apesar dessas dúvidas, estima-se que no mundo já exista mais de 1.800.000 pessoas recuperadas do novo coronavírus, que apresentam em seu sangue milhares de anticorpos específicos contra o SARS-CoV-2. Sendo assim, a terapia de transfusão de plasma pode ser aplicável.

O objetivo dessa terapia é tratar pacientes com quadro clínico moderado ou grave da doença. A maioria dos estudos sobre esta terapia está sendo controlada, ou seja, um grupo de pacientes receberá o plasma sanguíneo com anticorpos específicos para Sars-CoV-2 enquanto o outro, chamado de grupo controle, receberá plasma sem anticorpos para o novo coronavírus. Será comparada a evolução do quadro clínico dos pacientes nos dois grupos e, ao mesmo tempo, tentar conter a deterioração das condições de saúde desses pacientes, evitando sua internação na UTI dos hospitais. Vale lembrar que o número limitado de vagas de terapia intensiva é um dos principais gargalos do sistema de saúde ao lidar com a quantidade crescente de pacientes com a COVID-19.

Em abril de 2020, o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa aprovou o uso desse tratamento por alguns hospitais brasileiros, tais como o Hospital Albert Einstein e Sírio Libanês em São Paulo e pelos hospitais universitários da USP, os quais já iniciaram a coleta do plasma de pessoas recuperadas da COVID-19. No Brasil, a coleta de plasma será feita em pacientes recuperados, pelo menos 14 dias após o desaparecimento de todos os sintomas. Após triagem sorológica, os doadores serão submetidos à aférese, procedimento no qual um equipamento automatizado separa o plasma dos outros componentes do sangue, que retornam novamente para o doador. Cada pessoa poderá doar 600 mililitros de plasma, o suficiente para atender até três pacientes infectados com Sars-CoV-2.

As transfusões de plasma convalescente costumam ser seguras e bem toleradas pela maioria das pessoas submetidas a esse procedimento. Ainda assim, é preciso cautela em relação ao seu uso no tratamento da COVID-19. Além dos estudos disponíveis não serem suficientes para atestar a eficácia da terapia contra a doença, há o risco, ainda que relativamente raro, de as pessoas que receberam o plasma terem reações alérgicas e outros eventos adversos. Uma das mais graves, nesses casos, é a lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI), caracterizada por insuficiência respiratória aguda, edema pulmonar e baixa concentração de oxigênio no sangue arterial. A TRALI pode ocorrer durante a transfusão do plasma ou até seis horas depois do procedimento. As evidências disponíveis sugerem que ela pode ser desencadeada pela transfusão de plasma proveniente de doadoras mulheres que tiveram filhos, que contêm alguns anticorpos específicos que podem ser prejudiciais ao paciente receptor. Para evitar esse risco, os protocolos contam apenas com doadores homens, ou mulheres que nunca tiveram filhos.

 

Então, quem poderá doar?

É possível que algumas exigências variem de acordo com a instituição de saúde. Nos principais bancos de sangue do estado de São Paulo, por exemplo, o voluntário que doará o plasma precisa ter o seguinte perfil:

– Ser homem ou mulher que nunca engravidou (ou abortou);

– Ter de 18 a 60 anos;

– Pesar no mínimo 55 kg (em alguns bancos de sangue o peso mínimo exigido é 50kg);

– Ter feito o teste PCR, com resultado positivo para o novo coronavírus – não basta afirmar que manifestou os sintomas típicos da COVID-19;

– Ter apresentado um quadro moderado da doença. Pacientes que ficaram entubados ou internados por muitos dias na UTI podem não ter se recuperado completamente;

– Nunca ter tido hepatite B e C, doença de Chagas, AIDS e sífilis.

Portanto, se você se enquadrar nesse perfil ou conhecer alguém que apresente essas condições, por favor, se informe sobre o processo de doação com seu banco de sangue mais próximo e você poderá será encaminhado para ajudar pessoas em quadro grave da COVID-19. Os moradores no estado de São Paulo podem procurar se informar em sites como o do Hemocentro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Hemocentro da Unicamp em Campinas, e pelo Albert Einstein ou Fundação Pró-Sangue na capital.  

Colaboração: Kelen Malmegrim de Farias sobre a autora

Fontes consultadas:

Casadevall, A.; Pirofski, L. The convalescent sera option for containing COVID-19. Journal of Clinical Investigation. 2020;

– Chen G.; Wu D.; Guo W.; et al.  Clinical and immunological features of severe and moderate coronavirus disease 2019. Journal of Clinical Investigation. 2020;

– Hemocentro RP. Você teve COVID-19? Doe seu plasma (Site Hemocentro/RP);

– Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo. Covid-19: Você já se curou do Covid-19? (Website);

– Roback, J.; Guarner, J. Convalescent Plasma to Treat COVID-19: Possibilities and Challenges. Journal of the American Medical Association. 2020;

– Shen C.; Wang Z. Zhao F’.; et al. Treatment of 5 Critically Ill Patients With COVID-19 With Convalescent Plasma. Journal of the American Medical Association. 2020; 

– Woo P.; Lau S.; Wong B.; et al. Longitudinal profile of immunoglobulin G (IgG), IgM, and IgA antibodies against the severe acute respiratory syndrome (SARS) coronavirus nucleocapsid protein in patients with pneumonia due to the SARS coronavirus. Clinical and Diagnostic Laboratory Immunology. 2004;

Worldometers. COVID-19 coronavirus pandemic (Website);

Yang Y.; Peng F.; Wang R.; et al. The deadly coronaviruses: The 2003 SARS pandemic and the 2020 novel coronavirus epidemic in China. Journal of Autoimmunity. 2020; 

– Zhao J; Yuan Q; Wang H; et al. Antibody responses to SARS-CoV-2 in patients of novel coronavirus disease 2019. Clinical Infectious Diseases. 2020.  

(Editoração: Beatriz Spinelli, Priscila Rothier, Fernando Mecca e Caio Oliveira)

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