Proteína produzida através de engenharia genética é capaz de estimular regeneração nervosa e restaurar movimentos de ratos paralisados.
A paraplegia é um tipo de paralisia que afeta total ou parcialmente o tronco, órgãos pélvicos e pernas. Esse tipo de disfunção ocorre, geralmente, devido a lesões nas fibras nervosas da medula espinhal, os axônios. Essas fibras nervosas são prolongamentos citoplasmáticos dos neurônios, que têm como função conduzir os impulsos nervosos bidirecionalmente: do cérebro para músculos e pele e vice-versa. Uma vez danificados, os axônios perdem a habilidade de estabelecer a comunicação nervosa. Sendo assim, aquela parte do corpo que responde aos estímulos da fibra danificada para de reagir, ficando paralisada. Os axônios não têm a capacidade de voltar a crescer naturalmente e, por isso, muitas pesquisas com o objetivo de regenerá-los têm sido alvo de estudo para reverter a paralisia. Apesar de os cientistas pesquisarem há décadas metodologias de regeneração dessas porções neuronais, os resultados positivos eram extremamente limitados. No entanto, cientistas do Departamento de Fisiologia Celular da Ruhr-Universität Bochum (RUB) publicaram um estudo promissor para reversão desse quadro em janeiro de 2021 na Nature Communications.
Já havia relatos na literatura de que vias de regeneração dos axônios no sistema nervoso podiam ser mediadas por citocinas. Citocinas são proteínas secretadas por células com a habilidade de afetar células vizinhas que têm um receptor específico para cada citocina. Isso significa que para haver ação dessas proteínas sob determinada célula, deve haver uma segunda proteína (o receptor) capaz de reconhecer a citocina e enviar sinais específicos para célula-alvo, gerando respostas relativas aos sinais recebidos. Dentre as citocinas que podem ativar as vias de regeneração dos axônios, pode-se mencionar a interleucina – 6 (IL-6). Sabe-se que no sistema nervoso central (SNC) há poucos receptores para essa proteína, o que é limitante para indução de uma sinalização celular regenerativa dos axônios. Sendo assim, o grupo de pesquisa desenvolveu uma estratégia alternativa para usar esse caminho pró-regenerativo já conhecido e burlar a limitação biológica imposta ao tratamento. Através de técnicas de engenharia genética, os pesquisadores inicialmente construíram uma proteína chamada de hiper-IL-6 (hIL-6), que é capaz de ligar-se efetivamente a um receptor abundantemente presente em quase todos os neurônios.
A metodologia usada para aplicação da hIL-6 como tratamento regenerativo dos axônios foi a terapia gênica, que consiste na inserção de genes em células e tecidos com a finalidade de tratar doenças. Para tal, um vírus domesticado (baculovírus) contendo as informações genéticas para produção da proteína foi injetado em uma área do cérebro de fácil acesso em ratos com lesão na medula espinhal. Uma vez nessa área, o vírus foi capaz de injetar o material genético para produção de hIL-6 em células nervosas específicas, os motoneurônios. Essas células estão ligadas a outros neurônios fundamentais para o movimento. Assim, devido essa proximidade física das células, as informações para produção de hIL-6 chegou a áreas nervosas de difícil acesso que são essenciais para o movimento e, portanto, são regiões alvo para terapias de regeneração dos axônios. Uma vez que as células passaram a produzir essa proteína e secretá-la, a citocina foi capaz de induzir resposta regenerativa dos axônios em várias células nervosas do cérebro e de vários tratos motores da medula espinhal simultaneamente.
Para surpresa dos cientistas, foi observada uma recuperação da atividade motora dos animais que começaram a andar entre duas a três semanas após o início do tratamento. Esses dados trouxeram ótimas expectativas para o tratamento de paraplegia, pois, até então, a recuperação do movimento não havia sido observada após paralisia total.
News: Iasmin Taveira
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico intitulado “Transneuronal delivery of hyper-interleukin-6 enables functional recovery after severe spinal cord injury in mice”, publicado na revista Nature Communications em 2021, de autoria de Marco Leibinger e colaboradores.
https://doi.org/10.1038/s41467-020-20112-4
Artigo científico intitulado “Boosting Central Nervous System Axon Regeneration by Circumventing Limitations of Natural Cytokine Signaling”, publicado na revista The American Society of Gene & Cell Therapy em 2016, de autoria de Marco Leibinger e colaboradores.
https://dx.doi.org/10.1038%2Fmt.2016.102
Matéria no site SoCientífica, intitulada “Ratos paralisados voltam a andar após terapia genética”, publicada em 20/01/2021.
https://socientifica.com.br/ratos-paralisados-voltam-a-andar-apos-terapia-genetica/
(Editoração: André Pessoni)