Além de grupos tradicionalmente vulneráveis, mulheres e homens brancos com ensino superior aparecem pela primeira vez como novo segmento fragilizado.
Os impactos de uma pandemia ultrapassam a área da saúde e desencadeiam crises econômicas e sociais. Segundo estudo feito pela Rede de Pesquisa Solidária, 83,5% dos trabalhadores brasileiros estão em risco de perder o emprego ou ter grande redução de renda durante o distanciamento social, medida de prevenção contra o novo coronavírus. Os setores mais vulneráveis são o de trabalhadores domésticos e o de serviços de estética pessoal, onde há alta predominância de mulheres.
O número se torna ainda mais preocupante porque 36,6% dos trabalhadores possuem vínculos de trabalho informais, sem contrato definido e sem suporte de seguridade social. A maior parte das pessoas empregadas nessa condição são negras, refletindo outros problemas estruturais da organização social brasileira. Trabalhadores das regiões Norte e Nordeste também estão sujeitos a níveis altos de vulnerabilidade, pois os vínculos no mercado dessas regiões tendem a ser mais frágeis do que em outras partes do país.
Fila para recebimento de auxílio emergencial fornecido pelo governo durante pandemia. Imagem: José Leomar/SVM | Reprodução de G1.
Além dos grupos tradicionalmente vulneráveis em decorrência da desigualdade social no Brasil, o estudo concluiu que a pandemia produziu um novo segmento vulnerável: são trabalhadores brancos, de ambos os sexos, alta escolaridade e inseridos no mercado formal. O efeito negativo sobre esse grupo, que ainda é menor do que os efeitos sobre os grupos tradicionais, decorre da atuação em setores econômicos muito afetados pela pandemia ou considerados não essenciais. De modo geral, pessoas com vínculos formais de trabalho em setores muito afetados pela nova dinâmica econômica correspondem a 45,9% do mercado.
A Rede de Pesquisa Solidária é formada por mais de 40 pesquisadores que atuam no Brasil e em outros países nas áreas de humanidades, biológicas e exatas. Para fazer as análises de vulnerabilidade, o grupo utilizou dados sobre a força de trabalho brasileira em termos de setor de atividade e vínculo com o empregador divulgados pelo IBGE em dezembro, antes da pandemia no país. Os grupos considerados como mais vulneráveis são os que estão sujeitos, ao mesmo tempo, a baixa estabilidade no emprego e alta fragilidade do setor econômico durante o distanciamento social.
Menos de 15% dos trabalhadores brasileiros têm vulnerabilidade baixa durante a crise causada pelo novo coronavírus. Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil | Reprodução de Agência Fapesp.
Perda de renda e endividamento
Desde março, 51% de brasileiros pertencentes às classes D e E perderam no mínimo metade de suas rendas, o que corresponde a 58 milhões de pessoas. Destas, 24% afirmam ter ficado completamente sem ganhos durante o período de distanciamento social. É nessas duas classes, que têm renda per capita (por pessoa) de até R$ 500, que a maior parte dos trabalhadores informais se concentra. Os dados são do levantamento realizado pela Plano CDE, consultoria de políticas públicas e projetos sociais. A pesquisa abrangeu mil pessoas de várias regiões e classes sociais e foi realizada entre os dias 20 e 21 de abril.
A situação melhora com o aumento da renda. Na classe C, que corresponde a 100 milhões de brasileiros com renda per capita entre R$ 500 e R$ 2.000, a quantidade de pessoas que perderam mais da metade dos rendimentos cai para 29%, e aquelas totalmente sem ganhos caem para 10%. Nas classes A e B, que têm renda per capita maior que R$ 2.000, 30% das pessoas relataram ter perdido rendimentos, mas a perda não chegava a representar metade do que elas ganhavam antes da pandemia.
A perda de rendimentos pode levar ao acúmulo de dívidas e atraso no pagamento de serviços. Imagem: Helene Santos/SVM | Reprodução de G1.
A perda de renda afeta o nível de endividamento da população, com a maior parte dos entrevistados relatando atraso no pagamento de contas nos últimos dois meses. O problema se agrava porque, nas classes com situação financeira mais delicada, as dívidas muitas vezes se referem a serviços essenciais. Nas classes D e E, mais de 40% das pessoas não pagaram contas de luz ou de água e mais de 20% atrasaram o pagamento do aluguel. Mesmo quando o serviço não é essencial, o atraso pode levar a um aumento muito rápido da dívida. É o caso da fatura de cartão de crédito, que tem juros altos, e deixou de ser paga por 23% de pessoas da classe C.
News: Luanne Caires
Fontes:
Covid-19: Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade (Rede de Pesquisa Solidária)
Estudo avalia a vulnerabilidade de trabalhadores na crise causada pela pandemia de COVID-19 (Agência Fapesp)
Crise do coronavírus acentua desigualdade de gênero e cor, diz estudo (Folha de S. Paulo)
Nas classes D e E, 51% perderam metade da renda ou mais na pandemia (Folha de S. Paulo)
(Editoração: André Pessoni)