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Estudo indica que ondas de frio e calor matam homens e mulheres de formas diferentes

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

No trabalho desenvolvido por pesquisadores da USP e da Universidade de Coimbra foram analisados dados coletados ao longo de uma década em SP.

 

Um estudo pioneiro no Brasil revisou dados de mortalidade na cidade de São Paulo ao longo de uma década e descobriu como as temperaturas extremas estão matando homens e mulheres de formas e períodos diferentes. Idosos são mais vulneráveis às ondas de calor do que as idosas, por exemplo. O trabalho foi assinado por Sara Lopes de Moraes e Ligia Vizeu Barrozo, ambas pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP), e por Ricardo Almendra, da Universidade de Coimbra, mas ainda não foi revisado por outros cientistas.

Calcula-se que mais de 5 milhões de óbitos por ano, principalmente de pessoas com mais de 65 anos, são causados por ondas de frio e de calor extremo, as quais são sintomas das mudanças climáticas que hoje são evidentes no mundo todo. Na capital paulista, por exemplo, a temperatura média da cidade varia de 17ºC e 23ºC, porém, os episódios de ondas de frio e calor têm sido cada vez mais frequentes e às vezes mais longos. A capital tem registrado nos últimos meses uma grande amplitude térmica, ainda que estivesse dentro do período de inverno. Em alguns dias de junho, a máxima chegou aos 27°C, enquanto a mínima na madrugada ficou em torno dos 14,4°C, ou seja, mais de 12 graus de variação térmica em um mesmo dia. Ainda, em uma análise global, dados da BBC indicam que os números de dias de calor extremo dobraram ao redor do mundo desde a década de 1980. Por cerca de 14 dias por ano, entre 1980 e 2009, as temperaturas passaram dos 50ºC. Entre 2010 e 2019, esse número subiu para 26 dias.

A situação é alarmante. Em junho deste ano, estima-se que quase 500 pessoas morreram, principalmente idosos que viviam sozinhos, durante uma onda de calor extremo no Canadá. As temperaturas chegaram a 49,6ºC. Também em 2021, São Paulo bateu recordes de temperaturas baixas, chegando a -3ºC em algumas partes. Os especialistas explicam que a situação das temperaturas extremas é ainda mais grave em países como o Brasil por fatores como vulnerabilidades socioeconômicas e escassez de habitações preparadas para conter o frio.

Nesse contexto, os pesquisadores decidiram investigar como as temperaturas extremas afetaram a mortalidade de homens e mulheres, principalmente entre idosos, por serem mais vulneráveis a temperaturas extremas. Também procuraram analisar quais fatores podem explicar esses impactos diferentes entre os gêneros.

ondas frio calor aquecimento global
Idosos enfrentam calor nas ruas da cidade indiana de Siliguri no verão de 2020 (Foto: Diptendu Dutta/AFP/ Reprodução projetocolabora.com.br)

Foram analisados dados municipais de mortalidade e indicadores de temperatura e umidade de 2006 a 2015 em São Paulo, que costuma ter verões quentes e úmidos e invernos secos. Os pesquisadores separaram por sexo as informações diárias sobre mortes por doenças cardiovasculares e respiratórias. Segundo o estudo, 151 mil pessoas com mais de 65 anos morreram em São Paulo de 2006 a 2015 em decorrência de doenças cardiovasculares e 64.778, de doenças respiratórias. Entre elas, 56.885 óbitos foram registrados como doença isquêmica do coração e 38.084 por doença cerebrovascular, como acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico.

Para identificar quantas dessas mortes eram associadas a fenômenos climáticos, o trio de pesquisadores também precisou definir o que seria considerado um evento climático extremo, já que não há um critério definitivo e único para todos os lugares do planeta. E também não é considerada a temperatura apenas, mas também a duração da onda de frio ou calor, da diferença dos termômetros em relação à média, dos níveis de poluição, entre outras variáveis.

As conclusões do trabalho foram que os homens são mais vulneráveis às doenças cerebrovasculares (AVC isquêmico principalmente) nas ondas de frio e de calor. Em outras palavras, apresentam uma maior probabilidade de morrerem por AVC isquêmico quando as ondas de frio e de calor ocorrem. As mulheres, por sua vez, apresentam maior probabilidade de irem a óbito por doenças isquêmicas do coração (o infarto agudo do miocárdio é uma doença mais comum neste conjunto) na ocorrência de ondas de frio.

Além disso, foi visto que a maior taxa de mortes em ondas de calor ocorre quando elas duram três ou mais dias, por exemplo. Há também nesses períodos de altas temperaturas um risco maior de morte por AVC isquêmico do que hemorrágico. Segundo o Ministério da Saúde, o AVC isquêmico é o tipo mais comum e ocorre quando há obstrução de uma artéria, impedindo a passagem de oxigênio para células cerebrais, que acabam morrendo. Geralmente é causado por trombose ou embolia. O AVC hemorrágico, por outro lado, ocorre quando há o rompimento de um vaso cerebral e é causado principalmente por pressão alta e ruptura de um aneurisma. 

Respondendo à pergunta de por que as mulheres e os homens são afetados de maneiras distintas durante essas ondas de temperatura extrema, os pesquisadores relataram que as mulheres são mais afetadas que os homens sob temperaturas altas por causa de mudanças nos hormônios reprodutivos, da expectativa de vida mais alta e outros fatores psicológicos e de regulação da temperatura do corpo em situações de calor. Por outro lado, homens podem ter um risco maior de morrer por diversas causas durante exposição a temperaturas extremas porque eles têm mais doenças cardiovasculares e comportamentos menos saudáveis, além de serem menos propensos a fazer check-ups periódicos de saúde e de buscarem menos assistência médica que as mulheres em relação a condições de saúde pré-existentes, como diabetes e colesterol alto.

O estudo também identificou que o maior risco de morte em São Paulo ocorre durante ondas de frio. Há diversos fatores que podem explicar esse dado, como a falta de moradia adequada na cidade, onde pelo menos 2 milhões dos 12,3 milhões de habitantes vivem em favelas e lares de baixa qualidade. Mas os pesquisadores apontam principalmente para a hipótese de aclimatização dos habitantes. Ou seja, “pessoas que vivem em condições ambientais mais quentes são mais adaptadas a eventos de calor extremo e mais vulneráveis a eventos de frio extremo”.

Infelizmente a situação climática tende a piorar no Brasil. No relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, o braço da ONU para tratar do clima) as projeções indicam que o Brasil vai sofrer bastante com os impactos do aumento da temperatura global: haverá uma maior frequência e intensidade desses eventos extremos. Devem ser ressaltadas também as vulnerabilidades socioeconômicas do país. Como o Brasil é um país tropical em desenvolvimento, quase não há moradias com infraestrutura adequada para lidar com o frio, como há em países do hemisfério Norte. Dessa forma, haverá mais sofrimento e riscos para idosos brasileiros que geralmente moram em lares sem calefação e para outros segmentos mais vulneráveis, como a população em situação de rua.

Moradores da favela da Vila Itália, em Rio Preto, improvisam fogueiras para amenizar o frio. Reprodução Diário da Região (diariodaregiao.com.br).

Diante deste cenário, fica o questionamento: o que poderia ser feito para mitigar o impacto do aquecimento global na saúde humana, além da redução da emissão excessiva de gases do efeito estufa, mudança que depende principalmente de governantes e grandes empresas? Para Sara Lopes de Moraes, da USP, há medidas em diversas áreas que podem ser adotadas. No segmento urbanístico, ela defende a expansão das áreas verdes (a fim de amenizar o acúmulo de calor em determinadas áreas urbanas) e estratégias de infraestrutura “que podem auxiliar no resfriamento das áreas urbanas que apresentam maior risco, como os telhados verdes, telhados e asfaltos brancos, áreas com sombras, centros de resfriamento que podem atender a população mais vulnerável durante os eventos extremos de calor”. A geógrafa afirma também ser importante melhorar a comunicação pública dos riscos das temperaturas extremas para as pessoas mais vulneráveis, como as pessoas com mais de 65 anos.

 

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site BBC Brasil, intitulada “Como ondas de frio e calor matam homens e mulheres de formas diferentes no Brasil”, publicada em 25/09/2021. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58633435

Matéria no site Cidade de São Paulo, intitulada “Tarde de inverno com grande amplitude térmica em São Paulo”, publicada em 26/06/2021. https://www.capital.sp.gov.br/noticia/tarde-de-inverno-com-grande-amplitude-termica-em-sao-paulo

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