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Do encantamento à conservação: como nós interagimos com a natureza?

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

A interação com o meio ambiente ocorre de diferentes formas, passando por questões estéticas, lógicas e éticas

DESTAQUES:
• A natureza proporciona atração estética, que pode ser uma ferramenta poderosa na conscientização pela sua conservação;
• Existem cinco diferentes níveis de resposta nos momentos de interação dos seres humanos com a natureza, relacionados com o conhecimento, a estética, a lógica e a ética;
• Para entendermos o valor de conservar a natureza, precisamos inicialmente do encantamento e do envolvimento associados ao conhecimento biológico.

Você sabia que existem categorias de interação com o meio ambiente? E já refletiu sobre quais seriam os níveis de interação que você atinge ao passar tempo na natureza? 

Aldo Leopold (1887-1948) foi um cientista, professor e escritor norte-americano do século XX. Em sua obra final, publicada em 1949, intitulada “A sand county almanac and sketches here and there” (publicado em português em 2019: “Almanaque de um condado arenoso e alguns ensaios sobre outros lugares”), o autor apresenta uma série de ensaios com uma abordagem ecológica da relação do ser humano com a natureza. 

Leopold defende que a atração estética proporcionada pela natureza seria uma força poderosa que precisa ser estimulada na busca pela conservação do meio ambiente. Para ele, o ser humano necessita desse encantamento; entretanto, essa percepção da beleza da natureza muitas vezes é ignorada ou pouco estimulada nos ambientes educativos.  

conservação natureza
Figura 1. Leopold em seu hábito de registrar as paisagens por meio de anotações. Imagem: Aldo Leopold Foundation.

Para o autor, existem cinco diferentes níveis de resposta, ou categorias, nos momentos de recreação na natureza, sendo eles:      

  1.      Troféu: essa categoria reside no prazer da busca e da coleta, seja de um ovo de uma ave, peixes de uma pesca, cogumelos, uma flor colhida, ou até fotografias tiradas. Essa sensação é prazerosa por se tratar de uma espécie de certificado que atesta a presença da pessoa naquele local e a realização de algo no mesmo. A experiência de estar em um ambiente que causou maravilhamento e levar algo consigo permite que as pessoas possuam um sentimento de propriedade. Para muitos, a busca do troféu é o mais longe que sua apreciação pode chegar. 
  2.      Isolamento: muitas pessoas não apreciam a sensação de isolamento em meio à natureza. Por ser algo incomum na vida em sociedade, essa sensação pode gerar desconforto e estranhamento. Esse tipo de apreciação leva algum tempo para se consolidar e requer que o indivíduo esteja disposto a deixar-se envolver com o que está experienciando.  Com esse tipo de envolvimento, a apreciação estética é modificada, tornando-se não simplesmente um anseio de possuir como na categoria anterior, mas também de pertencer a esse ambiente.
  3.      Ar livre e mudança de panorama: para a maior parte das pessoas, o contato com a natureza restringe-se aos fins de semana ou a períodos de férias, promovendo uma mudança do cotidiano. Essa experiência gera um distanciamento do panorama urbano usual, como forma de buscar relaxamento através do prazer estético que a natureza oferece. Dessa forma, além de o indivíduo poder coletar troféus como uma forma de levar consigo aquele local, o mesmo deixa-se isolar e envolver-se com a natureza, gerando uma relação desse ambiente com       sensações positivas e prazerosas. 
  4.     Percepção: envolve a apreciação do mundo natural por meio do aprendizado. Nesta categoria, está explicita a conexão entre o conhecimento, a observação e a experiência estética. Como exemplo, quando nos encantamos por um ser vivo e começamos a estudar sobre ele, o conhecimento de seus aspectos biológicos o torna ainda mais interessante. O conhecimento interfere na observação, e esta gera conhecimento, aumentando a curiosidade por aprender mais, o que resulta em um processo contínuo. 
  5.      Sentido da administração cuidadosa: essa noção ética torna-se real quando a gestão e o cuidado à terra se consolidam por uma pessoa em processo de construção de conhecimento por meio da percepção. Quando um indivíduo se encanta, observa e compreende o meio, torna-se mais provável o desejo de querer conservá-lo. Passar tempo em meio à natureza e buscar compreendê-la torna mais provável a admiração da natureza e o entendimento do seu valor. 
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Figura 2. Categorias propostas por Leopold de acordo com os estágios do belo. Imagem: arquivo pessoal.

Leopold entendia as cinco categorias como uma progressão de uma visão rasa para uma visão mais aprofundada a respeito da natureza, sendo que nem todos passariam por todas as categorias ou chegariam até a última delas. 

Portanto, com o objetivo de estimular a conservação da biodiversidade, é ideal repensar a      relação dos seres humanos com o meio, perpassando inicialmente por uma experiência com o belo, inerente à natureza, associada ao conhecimento biológico para, finalmente, entendermos o valor da natureza como parte essencial da nossa vida, e assim buscarmos e lutarmos por sua preservação.

 

conservação natureza

Colaboração:

Gabriela Cristina Sganzerla sobre a autora

Gabriela Cristina Sganzerla é bióloga pela Universidade de São Paulo (USP), Mestra e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Comparada da USP, e Professora de Ciências, Biologia e Educação Ambiental no Ensino Básico. Dedica-se ao estudo da interface entre a Filosofia e a Epistemologia com o Ensino de Ciências, discutindo a importância da Estética nos processos de aprendizagem, tendo como referencial a Teoria da Semiótica de Charles Sanders Peirce.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “Pensar como uma montanha: a leitura da paisagem por Aldo Leopold (1887-1948)”, publicado na revista Filosofia e História da Biologia em 2022, de autoria de Sganzerla, G.; Brando, F.

Livro “A sand county almanac and sketches here and there.”, de Leopold, A. Publicado pela editora Oxford University Press em 1949.

Tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, no ano de 2021, intitulada “O admirar, o julgar, o agir e o aprender no ensino de ciências.”, de autoria de Iglesias, G.

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(Editoração: Fernando F. Mecca e Nathália Khaled)

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