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Ciência ampara crescente percepção de que diferentes transtornos neuropsiquiátricos estão mais interligados do que imaginávamos
DESTAQUES: – Transtornos neuropsiquiátricos diferentes comumente apresentam sintomas similares ou aparecem em conjunto; – Estudos recentes demonstram que as bases genéticas de transtornos diferentes frequentemente são as mesmas; – Apesar dessas similaridades, as manifestações dos transtornos são variáveis e dependem de múltiplos fatores. |
Autismo, Esquizofrenia, Ansiedade, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Depressão Maior, Bipolaridade, Déficit de Atenção com Hiperatividade, dentre tantos outros transtornos neuropsiquiátricos são diagnósticos dados todos os dias em consultórios. O que, em termos de tratamento, funciona extremamente bem, porque os longos anos de psiquiatria ensinaram a lidar com esses transtornos. Contudo, a prática terapêutica nem sempre reflete a diversidade de cada um desses transtornos.
Atualmente, por exemplo, a expressão Transtornos do Espectro Autista (TEA) é a mais adequada, porque os indivíduos que apresentam essa condição têm sintomas variados e diversos. Alguns podem ser agressivos, outros pouco comunicativos. Alguns possuem deficiência intelectual, outros repetem o mesmo movimento inúmeras vezes. Já as crianças com Déficit de Atenção e Hiperatividade, às vezes, são mais inquietas do que desatentas, ou vice-versa. Indivíduos com esquizofrenia podem ter diversas formas de alucinação, dependendo da intensidade do sintoma e da gravidade do transtorno.
Dentro de toda essa diversidade, os transtornos aparecem frequentemente em conjunto: é o que chamamos de comorbidade. Crianças com TEA, muitas vezes, possuem deficiência intelectual. Além disso, muitos dos sintomas que aparecem em um transtorno específico são comuns em outros: a irritabilidade de pacientes dentro do espectro autista pode ser confundida com a hiperatividade, por exemplo. Desse modo, existe uma sobreposição de sintomas entre condições psiquiátricas e, frequentemente, transtornos tratados com práticas clínicas diferentes apresentam manifestações similares. Por fim, hoje sabe-se que essas sobreposições de sintomas e comorbidades são resultantes de uma sobreposição genética muito grande. Isso significa que genes similares, envolvidos nas mesmas vias biológicas, interagem de formas complexas e manifestam-se em transtornos diferentes.
Então, qual o desafio da genética psiquiátrica hoje? Como determinar os fatores que podem causar o aparecimento de um transtorno neuropsiquiátrico em um indivíduo?
Cada dia mais, pesquisadores focam nos traços, isto é, nas características de um transtorno, que antes eram tratados como sintomas. A irritabilidade, a sociabilidade, a repetição de movimentos, todos esses fatores estão entrando nas análises para entender suas bases genéticas, pois as linhas entre os transtornos ficam cada vez mais borradas.
Outra área emergente de pesquisa parte da constatação de que nem só os genes são responsáveis pelo surgimento de transtornos psiquiátricos, mas também o ambiente em que o indivíduo se desenvolve – o que pode incluir de tudo, desde alimentação até a socialização. Os avanços tecnológicos e o número cada vez maior de participantes em estudos também permitem que vejamos efeitos pequenos, colocando uma lupa que amplia o genoma de cada indivíduo.
Com o passar do tempo, indivíduos com transtornos neuropsiquiátricos estão sendo melhor atendidos e sua diversidade, melhor aceita. Psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e muitos outros profissionais abraçam a neurodiversidade e trabalham na clínica para melhorar a qualidade de vida de indivíduos neuroatípicos. Enquanto isso, pesquisadores se esforçam para descobrir as bases genéticas e neurológicas dos transtornos. Em conjunto, entendemos cada vez mais que a diversidade no funcionamento do cérebro, antes ocasionalmente tratadas como doenças, é algo perfeitamente normal.
Colaboração:
Victor Hugo Calegari de Toledo sobre o autor
Cientista biomédico, é aluno de pós-graduação (mestrado) pelo programa de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), atualmente orientado pelo Profa. Dra. Helena Brentani (FMUSP). Trabalha com genética psiquiátrica, diferenças sexuais no desenvolvimento do cérebro e bioinformática.
Fontes consultadas:
– Artigo científico intitulado “Psychiatric genetics: progress amid controversy”, publicado na revista Nature Reviews Genetics em 2008, de autoria de Burmeister, M. e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Exploring Comorbidity Within Mental Disorders Among a Danish National Population”, publicado na revista JAMA Psychiatry em 2019, de autoria de Plana-Ripoll, O. e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Cognitive and language skills in adults with autism: a 40-year follow-up”, publicado na revista Journal of Child Psychology and Psychiatry em 2014, de autoria de Howlin, P. e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Varying Intolerance of Gene Pathways to Mutational Classes Explain Genetic Convergence across Neuropsychiatric Disorders”, publicado na revista Cell Reports em 2014, de autoria de Shohat, S. e colaboradores.
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(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca e Loren Pereira)