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É ‘muita terra para poucos indígenas’?

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Os papéis desempenhado pelos povos indígenas dentro e fora de seus territórios.

DESTAQUES:
• Existem mais de 300 povos indígenas no Brasil, com línguas e culturas diferentes e vivendo em todos os biomas brasileiros;
• O meio ambiente é tema central ao falar de povos indígenas, pois não estabelecem a dicotomia ser humano-natureza;
• Conhecimentos indígenas têm sido usados em todo mundo em iniciativas de mitigação das mudanças climáticas e perda da biodiversidade;
• Lideranças indígenas brasileiras são reconhecidas mundialmente pelo conhecimento e luta destes em defesa da natureza.

No imaginário de cada brasileiro existe uma imagem clássica de um indígena, a qual na grande maioria das vezes é reflexo do que os livros didáticos trazem durante a infância: “índios” nus, com seus arcos e flechas nas mãos, vivendo em ocas feitas de palha, como um grupo monolítico, sem diferenças, pertencentes a uma mesma cultura, vivendo majoritariamente no Norte e Nordeste do país. Pouco se divulga sobre a história dos povos originários antes da colonização por Portugal, como se suas histórias também tivessem início em 1500. A antropologia e a arqueologia são algumas das disciplinas que se debruçam em remontar a história desses povos, e alguns registros remetem a 7.000 anos atrás em algumas regiões.

O ano de 2023 escancara a faceta dos povos indígenas brasileiros que muitos ainda não queriam/conseguiam ver: grupos diversos, com múltiplas culturas, línguas e tradições, e viventes em todas as regiões e biomas do território brasileiro. Vivendo em aldeias e nas cidades; alguns plantando e colhendo em seus territórios, outros cursando suas graduações e pós-graduações; produzindo seus objetos e enfeites de arte manualmente, cantando em diversos festivais pelo país; ou até mesmo assumindo lugares na política, assumindo cargos de destaque em ministérios e órgãos nacionais. E, dessa maneira, apresentando a pluralidade dos mais de 300 povos, falantes de cerca de 274 línguas indígenas.

A criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) conduzido por Sônia Guajajara, conta com uma equipe formada por diversos indígenas pertencentes às mais diversas regiões e povos, e demonstra uma pasta interessada em debates que vão desde a educação indígena até os conflitos territoriais. O meio ambiente certamente é um dos tópicos mais debatidos, uma vez que mesmo antes da materialização do MPI as comunidades já se mobilizavam nacional e internacionalmente em busca de maior atenção à importância dos povos indígenas na conservação da biodiversidade.

povos indígenas terras
Figura 1. Indígenas da ANMIGA (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) participando da COP 27 no Egito. Imagem: ANMIGA

Mas qual é o papel desempenhado por esses grupos e por que essa temática inspirou até mesmo a escolha do calendário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), denominado “Ciência, Povos Originários e Defensores da Floresta”?

 

Entendendo a importância da temática, sobretudo perante o contexto socioambiental que o Brasil se encontra, em 2021 e 2022 a SBPC já havia lançado uma coleção de livros chamada “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”, cujas seções relacionam-se com diversos temas pertinentes. Portanto, o lançamento do calendário temático 2023/2024 reitera o compromisso da SBPC e da ciência brasileira, em reconhecer os povos originários, bem como pesquisadores e instituições que se esforçam para conhecer e estudar suas culturas e saberes.

O calendário traz para o centro da discussão aspectos políticos importantes das lutas por direitos dos próprios indígenas e de seus territórios, assim como instituições e organizações parceiras na defesa da causa, ao mesmo tempo que escancara os desafios e violências sofridos tanto por indígenas, quanto por aliados não indígenas. Além de trazer nomes de lideranças indígenas que fazem da luta e resistência pelos seus direitos, quase que uma missão de vida, ecoando suas vozes por espaços que outrora as silenciaram, como as universidades e os governos. 

terras indígenas povos
Figura 2. Foto de mulher do povo Kaingang coletando plantas alimentícias e medicinais dentro do território indígena. Imagem: Acervo pessoal.

As contribuições dos povos indígenas, originários do território hoje chamado Brasil, abrangem diversas áreas dentro da ciência, com destaque aos fármacos desenvolvidos a partir de plantas medicinais usadas por esses povos, como também técnicas de agricultura e manejo da natureza que atrelam produção de alimentos com a conservação da biodiversidade. Os conhecimentos indígenas advêm do saber experiencial, da proximidade e relação com o ambiente que habitam, e são passados pela oralidade de geração em geração.

Desta maneira, respeitar e valorizar os povos indígenas é fundamental para a conservação de seus saberes milenares e, simultaneamente, de suas estratégias sustentáveis de uso e ocupação dos diversos biomas – conservações importantes não só para os próprios povos indígenas, como para toda a nossa sociedade.

 

Colaboração:

Ariadne Dall’acqua Ayres sobre a autora

Ariadne é bacharela e licenciada em Biologia pela Universidade de São Paulo (USP). É mestre pelo Programa de Pós–Graduação em Biologia Comparada da USP e atualmente doutoranda pelo mesmo programa. É dedicada ao estudo das relações entre povos indígenas e a biodiversidade, com destaques ao povo Kaingang do Paraná e à Araucaria angustifólia, árvore de destaque para esse grupo. Acredita que a Ciência é feita pelo diálogo entre diferentes epistemologias e que os conhecimentos indígenas revelam um saber muito rico.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “O olhar eurocêntrico no contexto escolar brasileiro”, publicado na revista Eventos Pedagógicos em 2021, de autoria de Ayres, A.; Brando, F.

Dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, no ano de 2022, intitulada “Os Kaingang do Paraná e a Conservação da Biodiversidade: conhecimentos, práticas e valores tradicionais”, de autoria de Ayres, A.

Livros “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”, de organização de Carneiro da Cunha, M.; Magalhães, S.; Adams, C., publicada pela editora da SPBC em 2021-2022 http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/povos-tradicionais-e-biodiversidade-no-brasil/

Matéria no site da UNEP-ONU intitulada “United Nations Environment Programme. Indigenous peoples and the nature they protect”, publicada em 2020 https://www.unep.org/news-and-stories/story/indigenous-peoples-and-nature-they-protect

Matéria no site da SBPC intitulada “Ciência, povos originários e defensores da floresta” é tema do calendário 2023-2024 da SBPC”, publicada em 2023 http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/ciencia-povos-originarios-e-defensores-da-floresta-e-tema-do-calendario-2023-2024-da-sbpc/)

Publicação em Rede Social (Instagram) da ANMIGA – Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, publicado em 2022 https://www.instagram.com/p/ClDoMVJN2Za

Relatório da IPBES, intitulado “Global assessment report on biodiversity and ecosystem services”, publicado em 2019 https://zenodo.org/record/6417333#.Y8iCYHbMLIU

Relatório do IPCC, intitulado “Climate Change 2021: The Physical Science Basis”, publicado em 2021 https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/

Relatório da IUCN, intitulado “IUCN 2021 : International Union for Conservation of Nature annual report”, publicado em 2021 https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/2022-014-En.pdf

(Editoração: Fernando F. Mecca e Loren Pereira)

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