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Derramamento de petróleo em 2019 teve forte impacto na biodiversidade marinha

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

A compilação de 21 artigos científicos e relatórios oficiais sobre o evento, o maior derramamento de petróleo na história do país, permite concluir o dano à vida no oceano

Em 2019 houve um acidente que, de acordo com a Polícia Federal (PF), se deu a partir de um vazamento de um navio petroleiro de bandeira grega. Estima-se que 5  a 12 milhões de litros de petróleo vazaram, contaminando 2.900 quilômetros (km) do litoral brasileiro e atingindo 11 estados, do Maranhão ao Rio de Janeiro. Esse acidente é considerado o mais extenso derramamento de óleo já registrado em águas tropicais. 

Dois meses após  a primeira mancha de petróleo chegar à costa paraibana, as manchas também chegaram ao Ceará. Isso levou a bióloga cearense Emanuelle Rabelo a telefonar para pescadores artesanais da cidade de Icapuí. As manchas continuaram se espalhando até 2020 e prejudicaram a pesca, uma vez que peixes e lagostas estavam banhadas em óleo.

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Peixe capturado pelo óleo na areia da praia em Icapuí, no Ceará, próximo à fronteira com o Rio Grande do Norte. Fonte: Emanuelle Rabelo / Ufersa e Marcelo Soares / UFC/Reprodução Revista Pesquisa FAPESP

Com isso, era óbvio o dano causado pelo acidente. Rabelo, que também é pesquisadora da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), em Mossoró, no Rio Grande do Norte, explica que “Mesmo em curto prazo, há impactos que ficam bem visíveis. Foram afetados de corais e esponjas-do-mar até peixes, aves e tartarugas”. Sendo assim, a pesquisadora analisou os dados de 21 artigos revisados por pares e relatórios oficiais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) publicados entre 2019 e 2022, reunindo esses dados em um artigo de revisão publicado em maio na revista científica Marine Environmental Research.

Segundo o estudo, as manchas invadiram os hábitats de ao menos 35 espécies ameaçadas, como tartarugas, peixes, aves migratórias e corais. Além disso, o Ibama registrou, até março de 2020, 159 animais encobertos pelo óleo, dos quais 112 morreram. A contaminação por petróleo também causou mudanças comportamentais e no tamanho de peixes, alterações na proporção entre machos e fêmeas de crustáceos, redução de populações, contaminação de outros frutos do mar por hidrocarbonetos (compostos químicos formados apenas por átomos de carbono e de hidrogênio presentes no petróleo), entre outros efeitos.

Cerca de 5.379 toneladas de petróleo que atingiram ao menos 57 Unidades de Conservação costeiras e marinhas foram recolhidas na costa brasileira. Apesar da extensão do litoral alcançada, foram os estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe que receberam cerca de 98% do petróleo vazado. “A concentração ocorreu devido a uma combinação de fatores que incluem a direção das correntes oceânicas que desembocam naquela região, o sentido dos ventos e a movimentação das marés”, diz o biólogo Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), primeiro autor da revisão. Essa região nordestina também concentrou 88% dos estudos abordados na revisão.

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Infográfico dos impactos do acidente na vida marinha. Fonte: Reprodução Revista Pesquisa FAPESP

 

1. Ecossistemas afetados:

Pelo menos 10 ecossistemas, em uma área de 6.048,92 quilômetros quadrados (km2), dos estudos mapeados detectaram impactos relacionados ao petróleo em apenas metade deles. Apesar de terem concentrado a maioria dos estudos, os recifes de coral somam apenas 55,64 km2 ou 0,9% da área total de ecossistemas atingidos pelo derramamento. Não é possível afirmar se eles e os manguezais de fato sofreram maior impacto ou se simplesmente foram os mais estudados. A concentração de estudos nesses locais se dá pela riqueza de biodiversidade que esses locais abrigam e sua importância ecológica.

2. Populações

Foi nos recifes que um dos exemplos de modificação de populações apareceu. O estudo aponta que os crustáceos (47,4%) tiveram uma diminuição na proporção de fêmeas em populações de uma espécie de caranguejo, Pachygrapsus transversus, em Pernambuco e Alagoas.

Como as tocas foram encontradas bloqueadas pelo óleo, as principais hipóteses para explicar a redução é que elas podem ter ficado presas e morreram asfixiadas – geralmente as fêmeas dessa espécie passam mais tempo nos buracos do que os machos. Ou, ainda, não puderam voltar para seus abrigos entupidos de petróleo e acabaram expostas a predadores, ou fugiram para outras áreas.

3. Contaminações

Em Salvador, na Bahia, um índice considerável de anomalias no desenvolvimento embrionário de larvas e ovos de peixes de 34 espécies foi observado em áreas afetadas pelo petróleo. Entre os moluscos, foram detectadas contaminações relativamente altas em 45 amostras de frutos do mar pescados na região afetada pelo óleo, especialmente para a ostra-japonesa (Crassostrea gigas) e o mexilhão-castanho (Perna perna), além de peixes, lagostas e polvos, principalmente por substâncias como benzoantraceno, benzopireno e benzofluoranteno, compostos químicos pertencentes à classe dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs).

4. Aspectos socioeconômicos

“É importante ter uma compilação de dados como essa, porque nos ajuda a construir a colcha de retalhos formada pelas consequências desse crime”, observa a oceanógrafa Maria Gasalla, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que não participou do levantamento. Ela ressalta que esses impactos não ocorrem de maneira uniforme ao longo da costa e são averiguados por estudos diversos, em locais específicos.

24Em parceria com pesquisadores de Pernambuco, ela conduz um projeto apoiado pela FAPESP que procura entender os efeitos socioeconômicos sobre comunidades de pescadores artesanais do estado. “Esse impacto durou muito tempo, pois durante meses ninguém queria comprar o pescado, independentemente do grau de contaminação ou procedência de áreas afetadas pelo óleo”, relata. Segundo Gasalla, o estado tem hoje cerca de 9 mil pescadores cadastrados no Registro Geral da Pesca – 60% são mulheres. Além dessas famílias, o impacto afetou todos os elos da cadeia produtiva do pescado. “Essas pessoas foram fundamentais para a limpeza da costa, e deram um verdadeiro exemplo de organização comunitária.”

 

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

 

Referências:

Matéria no site BBC News, intitulada “Mais extenso derramamento de petróleo ocorrido no país causa forte impacto na biodiversidade marinha”, publicada em 23/08/2023. https://revistapesquisa.fapesp.br/mais-extenso-derramamento-de-petroleo-ocorrido-no-pais-causa-forte-impacto-na-biodiversidade-marinha/

 

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