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A técnica não-invasiva tem base em uma metodologia transformadora da área em que proteínas de algas sensíveis à luz são introduzidas em neurônios permitindo ligá-los ou desligá-los em resposta a cores diferentes de luz.
Estudos sobre circuitos neurais são geralmente feitos a partir de uma modulação com implantes cerebrais invasivos e fibras ópticas amarradas em animais contidos. Os circuitos neurais são o meio pelo qual os neurônios interagem entre si, conectados via sinapses, que é o nome dado a região de proximidade entre um neurônio e outra célula por onde é transmitido o impulso nervoso. Assim, a fim de entender como funciona a dinâmica de comunicação neuronal, os pesquisadores têm usado técnicas invasivas que ligam e desligam determinadas regiões do cérebro sozinhas ou em conjunto com outras. Em 21 de março de 2022, Guosong Hong e colegas da Universidade Tecnológica Nanyang de Stanford e Cingapura publicaram uma técnica não-invasiva que permite entender essa dinâmica. A pesquisa foi publicada na revista Nature Biomedical Engineering.
Hong é bolsista do Wu Tsai Neurosciences Institute Faculty Scholar e professor assistente de ciência e engenharia de materiais na Stanford School of Engineering. Tem experiência em química e ciência de materiais e o foco de sua pesquisa é a criação de ferramentas e materiais biocompatíveis para avançar no estudo do cérebro. O trabalho publicado se baseia na optogenética, que é uma técnica que introduz proteínas fotossensíveis de algas em neurônios, permitindo desligá-los ou ligá-los em resposta a diferentes cores de luz. Hong explica que a optogenética limita-se à sua dependência da luz no espectro visível. Assim, uma vez que o cérebro é opaco à luz visível, era necessária a inserção de implantes ópticos invasivos para realizar esses estímulos. No entanto, além de esse tipo de implante poder causar danos aos tecidos, os cabos de fibra óptica montados no crânio dificultam o estudo de muitos tipos de comportamento natural. Diante disso, a ideia para desenvolver a técnica surgiu do fato de que os tecidos biológicos, incluindo o cérebro e o crânio, são essencialmente transparentes à luz infravermelha, o que poderia tornar possível o acesso da luz infravermelha muito mais profundamente no cérebro.
No entanto, atualmente a optogenética não conta com sensores que detectam o infravermelho. Por isso, os cientistas implantaram em neurônios de camundongos uma proteína chamada TRPV1, que é sensível ao calor, para detectar o infravermelho. A equipe descobriu que era possível estimular essas células modificadas com a proteína fazendo brilhar luz infravermelha através do crânio e do couro cabeludo, de até um metro de distância. Essa proteína foi selecionada devido à sua função. TRPV1 é o sensor de calor molecular que permite aos humanos sentir a dor relacionada ao calor. Sua descoberta levou ao Prêmio Nobel de Medicina de 2021. Um receptor semelhante dá a cascavéis e outras víboras a “visão de calor” que lhes permite caçar presas de sangue quente no escuro. Além disso, um estudo recente conseguiu dar a ratos a capacidade de ver no espectro infravermelho adicionando TRPV1 às suas células cone da retina.
Os autores inicialmente tentaram estimular os neurônios apenas com os sensores de infravermelho, mas não funcionou. Assim, usando a ciência de materiais, eles também desenvolveram uma molécula transdutora que pode ser injetada em regiões específicas do cérebro para absorver e amplificar a luz infravermelha que penetra no tecido cerebral. Uma transdução de sinal indica processos em que uma célula converte um tipo de sinal ou estímulo em outro. Essas partículas foram desenvolvidas em nanoescala e foram apelidadas de MINDS (para “nanotransdutores infravermelhos macromoleculares para estimulação cerebral profunda”). As MINDS são criadas a partir de polímeros biodegradáveis usados para produzir células solares e LEDs e seu funcionamento se assemelha com o da melanina em nossa pele que absorve os raios UV do sol.
O primeiro teste visou observar se o estímulo infravermelho iria alterar o comportamento dos camundongos. Foram adicionados canais TRPV1 a neurônios em um lado do córtex motor do camundongo (região responsável pelos movimentos do corpo) e na mesma região foram injetadas as MINDS. Os autores do trabalho observaram que, no início, os camundongos exploraram seus recintos aleatoriamente. No entanto, os camundongos imediatamente começaram a andar em círculos em resposta a luz infravermelha que possibilitou uma estimulação unilateral de seu córtex motor emitida sobre o recinto.
Além disso, para comprovar a eficiência da técnica, os pesquisadores mostraram que as MINDS podem permitir a estimulação infravermelha de neurônios em toda a profundidade do cérebro do camundongo. Para isso, foram inseridos os sensores TRPV1 nos neurônios que expressam dopamina nos centros de recompensa do cérebro, localizados perto da base do cérebro em camundongos, seguidos por uma injeção de MINDS na mesma região. Eles então posicionaram uma luz infravermelha focada em um labirinto e observaram que os camundongos se tornaram “viciados” na luz infravermelha, uma vez que passavam quase todo o tempo no labirinto sob seus feixes. A dopamina é um neurotransmissor envolvido com o desenvolvimento do vício, uma vez que está envolvida com a sensação de prazer.
A técnica possui várias aplicações que a tornam muito interessante para a neurociência. Assim, os autores concluem que a estimulação cerebral profunda mediada pela técnica desenvolvida neste trabalho pode abrir oportunidades para estudos de comportamento social em pequenos animais. Em entrevista, Hong explicou que vê aplicações imediatas da técnica para estudar os circuitos cerebrais envolvidos no comportamento social natural em camundongos, a fim de entender melhor os sistemas que fundamentam a cognição social (processos mentais pelos quais compreendemos a nós mesmos, os outros e as situações sociais) em humanos. Os autores ainda têm perspectivas de otimizar a técnica e melhorá-la a fim de torná-la ainda mais simples e fácil de implementar.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico “Tether-free photothermal deep-brain stimulation in freely behaving mice via wide-field illumination in the near-infrared-II window”, publicado na Nature Biomedical Engineering em 2022, de autoria de Wu e colaboradores. https://www.nature.com/articles/s41551-022-00862-w
Matéria no site Science Daily, intitulada “‘Researchers control brain circuits from a distance using infrared light”, publicada em 22/03//2022. https://www.sciencedaily.com/releases/2022/03/220322150910.htm