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Mycobacterium tuberculosis Rv3160c é um repressor transcricional semelhante ao TetR que regula a expressão da suposta oxigenase Rv3161c

#Pesquisa ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Descoberta relação entre ação antibiótica e um gene da bactéria da tuberculose

Destaques
– Descobriu-se que a molécula C10 altera os processos de resistência a antibiótico na bactéria da tuberculose;
– O C10 faz as bactérias ficarem mais sensíveis ao antibiótico isoniazida, através de interação com a proteína Rv3161c;
– Entretanto, C10 também afetou a resistência de bactérias sem a proteína Rv3161, demonstrando que essa molécula opera também por vias ainda desconhecidas.

RESUMO

A tuberculose é causada pela infecção por Mycobacterium tuberculosis (Mtb), e é uma das 10 principais causas de morte em países de baixa renda do mundo. Como o tratamento é longo (pelo menos 6 meses) e requer que se tome diariamente vários fármacos, muitos pacientes não conseguem terminá-lo. Em alguns pacientes, a doença retorna com bactérias resistentes aos fármacos inicialmente usados, sendo necessário um tratamento mais longo e com outra combinação de fármacos, que podem provocar efeitos adversos. A isoniazida (INH) é um dos principais fármacos utilizados no tratamento de tuberculose, e os autores do presente artigo buscam novas abordagens terapêuticas para potencializar o seu efeito. Em um artigo anterior, eles descreveram a descoberta da molécula C10, que potencializou o efeito de INH sobre Mtb. Foi observado também que os genes do operon rv3160c-rv3161c, já previamente implicados na resposta a outros bactericidas, são altamente induzidos por C10. No presente artigo, é demonstrado que C10 potencializa a expressão do gene rv3161c na presença da INH. O efeito de C10 ocorre por interação direta com a proteína Rv3160c, que age como um repressor transcricional que reconhece uma região do operon rv3160c-rv3161c. Os dados sugerem que o efeito de C10 ocorre induzindo acumulação da proteína Rv3161c, porém a sinergia entre C10 e INH se mantém parcialmente em uma cepa na qual este gene foi inativado. Em resumo, os dados indicam que a proteína Rv3161c é necessária para a ação de INH, mas que a ação de C10 também ocorre por outras vias, ainda não identificadas. 

MÉTODO

A bactéria Mtb selvagem (WT) foi cultivada em meio líquido e, então, exposta a 0,1% de DMSO, 0,1% de INH e 25 µM de C10, separadamente ou em combinação, durante 48h e a 37°C.

Para avaliar o papel do gene rv3160c na transcrição de rv3161c, foi feita uma análise de qRT-PCR¹ da expressão destes genes em cepas nas quais o RNA de rv3160c foi degradado usando CRISPRi, técnica na qual RNAs específicos são direcionados para degradação, reduzindo os níveis da proteína codificada.

Para realizar o ensaio de EMSA, a proteína Rv3160 foi purificada e incubada com um fragmento de DNA da região promotora do operon rv3160c-rv3161c ou com um fragmento de outra região do genoma, como controle, e a formação de complexo entre proteína e DNA foi verificada mediante separação, em géis nativos, do DNA livre e em complexo com proteína.

Como um dos componentes da proteína Rv3160c – o triptofano – é fluorescente, a fluorescência foi quantificada com 10 µM de proteína dissolvida em solução tampão na ausência e na presença de C10.

Para compreender melhor porque a exclusão do gene rv3161c aumenta a resistência à INH e lisozima, outras duas variantes de Mtb (cepas Erdman WT e ∆rv3161c) foram incubadas por 2 semanas em meio líquido com 0,02% de DMSO ou 5 µM C10, além de variadas concentrações de INH (entre 0,002 e 0,064 µg/ml) ou lisozima (3,9 a 125 µg/ml).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados de qRT-PCR mostraram que há um aumento de mais de 30 vezes na transcrição do operon rv3160c-rv3161c na presença de C10, em comparação com as bactérias na ausência do composto. Adicionalmente, foi testado o efeito da exposição a C10 e INH ao mesmo tempo na expressão destes genes, e o resultado foi um aumento de quase 600 vezes na quantidade de proteína expressa. O gene rv3160c codifica a proteína Rv3160c, um repressor transcricional do tipo TetR, família de proteínas muito comum em bactérias e envolvida na regulação de diversos processos celulares. Para descobrir se a proteína Rv3160c regula a transcrição dos genes rv3160c e/ou rv3161c, foi feita uma análise de CRISPRi, que reduz os níveis de proteína Rv3160c e, consequentemente, os níveis da proteína Rv3161c subiram muito, indicando que Rv3160c reprimia o gene rv3161c.

Desta forma, a primeira observação a partir destes experimentos é que o operon rv3160c-rv3161c tem sua expressão induzida por C10. Em seguida, foi colocada a hipótese que, como é comum em reguladores tipo TetR, a Rv3160c se liga ao C10, que inibe sua interação com a região do DNA que regula rv3160c-rv3161c. Esta interação foi observada pelo teste de EMSA, no qual a presença de C10 inibiu a formação do complexo de Rv3160c com DNA. A interação direta entre C10 e a proteína Rv3160c foi detectada, já que a fluorescência intrínseca da proteína foi reduzida a 25% na presença de C10.

Para verificar a relação existente entre o efeito conjunto entre a molécula C10 e a INH, os pesquisadores sugeriram que a potencialização de INH era causada por conta da maior concentração celular da proteína Rv3161c. Para testar essa hipótese, foi criada uma cepa knock out, na qual o gene rv3161c foi inativado, com a intenção de testar a susceptibilidade destas bactérias a INH. Após duas semanas de incubação na presença de INH, foi observado que a cepa Δrv3161c (knock out) é mais resistente a INH em comparação com o tipo selvagem, pois conseguiu sobreviver em até o dobro da concentração de INH. Por outro lado, na presença de C10, a cepa knock out é mais suscetível a INH, ou seja, o modo de ação de C10 também ocorre independente de Rv3161c, por outras vias e/ou proteínas ainda desconhecidas.

Estudos anteriores mostram que a expressão do operon rv3160c-rv3161c aumenta na presença de lipídeos e após tratamento com inibidores da síntese de parede celular. Dada esta conexão, foi testada a hipótese de que esses genes têm papel na integridade da parede celular. A cepa Δrv3161c é mais resistente à lisozima, ao mesmo tempo que se mostrou mais sensível a esta enzima na presença de C10. Assim, demonstrou-se que o C10 desenvolve importante papel no aumento de dano na parede celular em Mtb quando exposto a lisozima. A cepa Δrv3161c ainda é sensível a INH e lisozima na presença de C10, demonstrando que C10-IMD funciona de forma independente de Rv3161c.

Figura 1. Modelo do funcionamento do operon rv3160c-rv3161c na presença de C10. Uma célula de M. tuberculosis é representada em diferentes condições, e o impacto na CIM de INH é representado como mais ou menos dano na parede celular. Na presença de C10, foi visto que a expressão do operon rv3160c-rv3161c é induzida quase 600 vezes mais (A e B), demonstrando a possibilidade de ação cumulativa entre C10 e INH. Existe uma interação direta entre C10 e Rv3160c, desta forma quando a molécula de C10 está presente na célula, Rv3160c não pode se ligar ao DNA (B). C) Para testar a hipótese de que a potencialização do efeito do INH era causada por conta de uma maior concentração celular de Rv3161c, foi feito um mutante knock out, no qual rv3161c foi inativado. Foi visto que a cepa Δrv3161c (knock out) é mais resistente a INH em comparação com o tipo selvagem, pois conseguiu sobreviver até o dobro da concentração de INH. D) No mutante knock out com a adição de INH e C10, a célula fica mais suscetível à INH, demonstrando assim que C10 atua de forma independente de Rv3161c. Imagem: Autoria própria.

A principal contribuição deste trabalho foi mostrar que Rv3160c age como um repressor transcricional do operon rv3160-rv3161c, e que esta capacidade é modulada por interação direta com C10. Mesmo com muitas publicações sugerindo um papel do operon rv3160c-rv3161c na ativação e no metabolismo de fármacos, metabolismo de lipídeos e produção da parede celular, a função da proteína Rv3161c continua desconhecida. As descobertas aqui relatadas sobre Rv3161c serão importantes contribuições ao nosso entendimento sobre a biologia de Mtb e para identificação de fármacos mais eficazes no tratamento da tuberculose. 

 

¹Quer entender melhor o qRT-PCR ou conhecer outras técnicas semelhantes? Dê uma olhada no nosso texto PCR, qPCR, RT-qPCR… Sopa de letrinhas científica? (link: http://ilhadoconhecimento.com.br/pcr-qpcr-rt-qpcr-sopa-de-letrinhas-cientifica/)

Artigo original/referência

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Mycobacterium tuberculosis Rv3160c is a TetR-like transcriptional repressor that regulates expression of the putative oxygenase Rv3161c”, publicado pela revista Scientific Reports em janeiro de 2021, de autoria de Tükenmez H, Sarkar S, Anoosheh S, Kruchanova A, Edström I, Harrison GA, Stallings CL, Almqvist F, Larsson C. O artigo original pode ser acessado em https://www.nature.com/articles/s41598-021-81104-y

Colaboração:

Júlia Loos-Jacob sobre a autora            

Júlia é graduanda em biologia. Estuda os efeitos das mutações na proteína EthR como determinantes de resistência em Mycobacterium tuberculosis.

Teca Calcagno Galvão sobre a autora            

Teca é pesquisadora. Busca entender como as mutações que conferem resistência a antibióticos definem o panorama evolutivo de função e estrutura proteica. Tem também interesse em ações que estimulam a valorização das pessoas no meio acadêmico.

 

(Editoração: Beatriz Spinelli e Fernando Mecca)

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