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Estudo mostra que programa de prevenção às drogas nas escolas – Proerd – é ineficaz

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

O conteúdo do Proerd é adaptado de um programa desenvolvido nos EUA e nunca havia passado por nenhuma avaliação. Com os resultados, especialistas indicam a reformulação do programa para a realidade brasileira.

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) avaliou o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) em 30 escolas da capital paulista. O Proerd é implantado em muitas escolas do país desde a década de 1990, porém o trabalho aponta que o mesmo não teve efeito na prevenção do uso de álcool e drogas pelas crianças e adolescentes que participaram da pesquisa. Em alguns casos, houve até mesmo desfechos contrários aos esperados com o programa. Os resultados indicam a necessidade de reformulação do programa.

Neste estudo foram acompanhados 4030 estudantes do quinto e do sétimo ano do ensino fundamental em escolas estaduais na cidade de São Paulo. Os estudantes foram divididos em dois grupos: um deles assistiu às 10 aulas do programa; o outro não passou pela intervenção. A avaliação foi feita a partir de questionários que foram aplicados duas vezes em cada grupo, sendo uma antes da intervenção e a outra nove meses depois. As escolas que participaram da pesquisa foram sorteadas dentre aquelas que não tinham recebido o Proerd nos últimos três anos. 

drogas prevenção
Formatura do Proerd em Monte Alto – SP. Foto: Prefeitura de Monte Alto

Os resultados foram publicados em dois artigos, publicados nas revistas International Journal of Drug Policy e Prevention Science. De forma geral, não houve diferenças significativas entre os grupos que receberam e não receberam a intervenção na prevenção do uso de álcool e drogas. Porém, destacou-se que em uma pequena parcela que praticava o chamado binge drinking (consumir até cinco doses de álcool em até duas horas) antes de passar pelo programa, houve até três vezes mais chance de manter essa prática do que no grupo que não participou do programa. Além disso, os estudantes que receberam a intervenção relataram uma maior intenção de experimentar tabaco e de aceitar oferta de maconha no futuro.

Segundo Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora do estudo, o Proerd é o programa de prevenção ao uso de drogas mais disseminado no país. No Estado de São Paulo ele é obrigatório por lei em todas as escolas estaduais desde 2019. “O programa original, criado nos Estados Unidos, é baseado em evidências científicas e tem resultados positivos comprovados em muitos países. No Brasil, porém, não houve adaptação à realidade dos estudantes e nunca havia sido avaliado”.

Portanto, baseados nos resultados, os especialistas recomendam que o Proerd, que está presente em todos os Estados brasileiros, seja reformulado levando em conta as diferenças culturais entre os dois países e o nível educacional dos estudantes brasileiros. “Percebemos que muitas crianças do quinto ano tinham sérias dificuldades de leitura e escrita. E algumas das atividades do programa envolvem essas habilidades, como escrever uma redação, por exemplo”, conta a pesquisadora. Por isso, os pesquisadores tiveram de adaptar a forma de aplicação do questionário de avaliação para esse grupo de alunos. Em vez de perguntas e respostas em forma de texto, foi desenvolvido um aplicativo com áudio. Desse modo, os estudantes podem ouvir as perguntas e usar figuras e cores para as respostas.

Além disso, algumas das situações descritas nos conteúdos são traduções literais do programa norte-americano, sem que tenha havido adaptações à cultura brasileira. Para os pesquisadores, isso pode influenciar a compreensão dos conteúdos e explicar em parte por que o programa teve efeitos contrários ao que se esperava em alguns grupos.

Criado originalmente em 1983 nos Estados Unidos pela polícia de Los Angeles, o Dare (sigla em inglês para “educação para resistência ao abuso de drogas”) é adotado em diversos países. No Brasil, o programa chegou em 1992 e ganhou o nome de Proerd, inicialmente aplicado em escolas do Rio de Janeiro. Em 2008, o Dare norte-americano passou a adotar um novo currículo, “Keepin’it REAL”, desenvolvido por especialistas da Pennsylvania State University. No Brasil, o currículo foi atualizado em 2014 e ganhou o nome “Caindo na Real”. O seu objetivo é aumentar habilidades psicossociais dos estudantes, aumentando as experiências positivas na escola e ajudando na tomada de decisões.

O Proerd está presente nos 26 Estados da Federação e no Distrito Federal e é aplicado por policiais militares especialmente treinados para o programa. O conteúdo foi adaptado pelo próprio Dare norte-americano para o Brasil. Porém, em nenhum momento o programa foi avaliado no país, ainda que sejam esperadas avaliações regulares de iniciativas do tipo.

Formatura de alunos do Proerd no Estádio Jornalista Felipe Drummond (Mineirinho) – Belo Horizonte. Ano 2004. Foto: Polícia Militar de Minas Gerais

Por outro lado, em 2013 o Ministério da Saúde implementou no país o projeto #TamoJunto, com o mesmo objetivo do Proerd, em parceria com o escritório brasileiro das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC). O grupo de pesquisa liderado por Sanchez avaliou o programa e apontou algumas falhas. Com as sugestões dos pesquisadores, o currículo foi reformulado e reaplicado a partir de 2018.

Em estudo publicado no final do ano passado, encabeçado por Sanchez e Valente, foi visto  que alunos que passaram pelo programa reformulado tiveram 22% menos chances de iniciar o uso de álcool do que os não tiveram contato com os conteúdos, ministrados pelos próprios professores. Segundo a pesquisadora, a avaliação de programas não serve apenas para dizer o que funciona e o que não funciona, mas ajuda a entender o que está acontecendo para subsidiar mudanças que ajudem os programas a cumprir seus objetivos.

Portanto, nesses casos, a chamada ciência da prevenção não recomenda a extinção dos programas após a primeira avaliação, mas a reformulação a partir dos resultados encontrados e uma nova rodada de avaliação.

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria publicada no site Agência FAPESP, intitulada “Estudo em escolas de São Paulo mostra que programa de prevenção às drogas mais comum no país é ineficaz”, publicada em 24/11/2021. https://agencia.fapesp.br/estudo-em-escolas-de-sao-paulo-mostra-que-programa-de-prevencao-as-drogas-mais-comum-no-pais-e-ineficaz/37385/

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