#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)
O trabalho descreveu uma metodologia pioneira para estimar a destruição provocada pelo fogo no Bioma que sofreu a pior tragédia da sua história em 2020.
Uma pesquisa conduzida por 30 pesquisadores de órgãos públicos, universidades e organizações não-governamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado. O trabalho, ainda não publicado, foi submetido à revista Scientific Reports, do grupo Springer Nature, e descreve um modelo matemático capaz de estimar a quantidade de animais mortos pelas queimadas.
A metodologia aplicada no estudo se baseia nos chamados transectos, que são trilhas em linha reta através de áreas pré-determinadas pelos focos de incêndio no bioma. Cada linha percorrida tinha entre 500m e 3km. Ao todo, o grupo percorreu 114 km de transectos. Dentro de cada um desses trajetos, as carcaças avistadas eram registradas com datas e coordenadas geográficas, assim como a distância perpendicular de cada uma delas em relação à linha de referência. O grupo observou que quanto mais longe do transecto, menor a quantidade de animais encontrados. Dessa forma, conhecendo o comportamento dessa probabilidade, os pesquisadores conseguiram elaborar um modelo matemático para estimar o número de carcaças presentes na área. Isso permitiu a modelagem de estimativas que o grupo considerou confiáveis para o cálculo da densidade de animais mortos.
Os cientistas assumem que este número é subestimado, uma vez que muitos animais do Pantanal vivem em tocas ou dentro de ocos de árvores e podem ter morrido nesses locais sem terem sido avistados. Há também o caso de vertebrados muito pequenos que podem ter sido completamente carbonizados pelo fogo intenso. Para a coleta de dados, a busca em campo era feita em até 72 horas após o início de cada foco do incêndio, mas a maioria dos casos foi catalogada entre 24 e 48 horas. A força-tarefa para o trabalho de campo ocorreu entre 1º de agosto e 17 de novembro de 2020, do norte ao sul do Pantanal. Tristemente, no ano passado, o bioma foi consumido pela maior tragédia ecológica de sua história, com a destruição de cerca de 4 milhões de hectares (26% da área de todo o bioma).
Os animais registrados no levantamento foram divididos em dois grupos, de acordo com o tamanho da carcaça: pequenos vertebrados (menos de 2kg), como anfíbios, pequenos lagartos, cobras, pássaros e roedores; e médios para grandes vertebrados (2kg ou mais), como queixadas, capivaras, mutuns, grandes cobras, tamanduás e primatas. As maiores vítimas foram as serpentes aquáticas, representando 60% dos registros. Segundo a bióloga Gabriela do Valle Alvarenga, pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e participante da pesquisa, as serpentes aquáticas possuem baixa capacidade de locomoção, o que dificulta a fuga durante um incêndio. Durante a estação seca costumam ficar enterradas em áreas de campo inundáveis. “Quando o fogo atinge uma área úmida que secou é bastante comum ocorrer o incêndio de turfa, que consome a espessa camada de matéria orgânica. Esse tipo de fogo é de difícil combate e detecção, podendo queimar por semanas e atingir os animais que habitam esses ambientes”, explicou Gabriela, em entrevista ao G1.
O levantamento não observou grandes animais nos transectos, como cervos, veados, antas e onças, devido à sua baixa densidade populacional no Pantanal. No entanto, estes animais foram frequentemente encontrados durante o trabalho de combate aos incêndios, mortos ou feridos perto de estradas.
Dentre os pesquisadores que contribuíram para o trabalho destacam-se cientistas da Embrapa Pantanal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), Universidade do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fundação Meio Ambiente do Pantanal, Instituto Smithsonian (dos Estados Unidos), entre outras instituições. Houve também o apoio logístico e suporte financeiro de ONGs como WWF Brasil, ONG Panthera, Instituto Homem Pantaneiro, Ecologia e Ação (ECOA), Museu Paraense Emílio Goeldi, além da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e da colaboração de voluntários. Apesar da importância do trabalho, as equipes enfrentam um grande desafio que é a escassez de verbas. No ano passado, alguns pesquisadores precisaram trabalhar voluntariamente. Somente depois da repercussão da força-tarefa chegaram mais recursos de governos estaduais e ONGs. Para 2021, também não tem havido suporte financeiro suficiente. O ICMBio conta com recursos próprios para enviar equipes, enquanto outras instituições dependem de doações.
As mudanças climáticas têm influenciado diretamente na frequência, duração e intensidade das secas na região. Os pesquisadores temem o impacto de queimadas seguidas, que podem ser catastróficas e empobrecer o ecossistema, que já é frágil durante o período de estiagem. O fogo faz parte da dinâmica natural do Pantanal, mas não nessas proporções. Com o estudo, os cientistas esperam ajudar a dimensionar os impactos cumulativos causados por incêndios recorrentes no bioma. “Esses números dão uma ideia do cenário das mudanças climáticas. A probabilidade de ter incêndios como esses é alta”, comenta o coordenador Walfrido Moraes Tomas.
No caso de 2020, a crise das queimadas no Pantanal foi atribuída principalmente ao período de seca exacerbado. O nível das águas do rio Paraguai, principal formador do Pantanal, chegou a 2,10 metros em junho, de acordo com a Marinha do Brasil. No entanto, junho é o mês que costuma marcar o pico do rio ao longo do ano. Essa foi a menor marca do nível das águas dos últimos 47 anos, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ainda, dados da Embrapa apontaram que o volume de chuvas na Bacia Pantaneira de outubro de 2019 a março de 2020 — considerado período chuvoso — foi 40% menor que a média de anos anteriores. Por sua vez, um dos fatores associados à falta de chuva no Pantanal e em outros biomas brasileiros foi a degradação da Amazônia. Com a aceleração do desmatamento da Amazônia, ao longo dos anos, o período de chuvas tem se encurtado e as secas se tornaram mais severas na região central e sudeste do país, dizem os especialistas.
Este ano, felizmente, as queimadas registradas até agora no Pantanal nos últimos meses não tiveram as mesmas proporções do ano anterior, chegando a 10% do que foi queimado em 2020. Os focos de incêndio em agosto foram poucos e controlados por bombeiros, proprietários de terras e a população pantaneira. No entanto, a época de seca na região se estende até outubro.
Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site G1, intitulada “Queimadas mataram 17 milhões de animais vertebrados no Pantanal em 2020, aponta estudo”, publicada em 14/09/2021.
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/14/queimadas-mataram-17-milhoes-de-animais-vertebrados-no-pantanal-em-2020-aponta-estudo.ghtml
Matéria no site Outras Mídias, intitulada “As causas da maior tragédia do Pantanal”, publicada em 07/08/2020.
https://outraspalavras.net/outrasmidias/pantanal-vive-sua-maior-tragedia-ambiental/