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Tá chegando a horaaaa

Como células do sistema imune alteram o comportamento ansioso

Destaques:
– O Brasil é o país com mais pessoas ansiosas no mundo;
– Células do sistema imunológico controlam o comportamento de ansiedade pela liberação de substâncias (xantinas) no sangue, que  atuam no cérebro;
– Novos tratamentos para ansiedade podem ser pensados a partir desta descoberta.

Você já se sentiu ansiosx? Aquela sensação de mãos geladas, frio na barriga e o coração batendo mais rápido? Provavelmente a resposta é sim. Todos nós já passamos por situações na vida em que a expectativa do que está por vir gera esse tipo de mudanças em nossos corpos; a ansiedade é uma emoção comum a todos nós. Porém, quando esta condição deixa de ser pontual e passa a ser crônica, aí se instala um problema: o transtorno de ansiedade. 

O transtorno de ansiedade atingiu 18,6 milhões de brasileiros em 2017, fazendo do Brasil o país com maior número de diagnosticados com ansiedade no mundo, segundo a OMS. Em editorial do dia 13 de novembro de 2019, a revista Nature (uma das mais prestigiadas no mundo acadêmico) apresentou que “a saúde mental de pesquisadores na pós-graduação precisa de atenção urgente”. Para quem convive num ambiente de laboratório, é só a constatação de um fato. Mas a meu ver, esse fato se espalha para diversas outras profissões que passam por problemas semelhantes, como: prazos apertados, pressão do chefe, incerteza sobre o próximo passo, e, é claro, incertezas financeiras. Some a isso a constatação de que estas pessoas normalmente encontram-se na casa dos 20 aos 40 anos, onde a sociedade espera que consigamos iniciar uma família, acumular riquezas, falar outros idiomas, nos posicionar politicamente… todos sabemos que a lista é imensa. Acredito que a vida acadêmica em si possui algumas particularidades, mas imagino que os elementos apresentados acima descrevam bem o cotidiano de milhões de profissionais, os quais se veem diariamente em ambiente pró-ansiedade.  

Ao imaginarmos uma situação estressante ou durante uma situação de medo, neurônios de uma região particular do cérebro chamada amígdala são ativados. Os neurônios da amígdala, por sua vez, projetam-se para outra região do cérebro, denominada hipotálamo. A ativação de neurônios do hipotálamo, leva à produção do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), o qual é liberado em outra região do cérebro denominada hipófise. Na hipófise o CRH induz a produção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o qual é liberado na circulação. A presença de ACTH é sentida por células da glândula adrenal (localizada imediatamente acima dos nossos rins), a qual libera um hormônio denominado cortisol (Figura). A presença de cortisol, faz com que diversos tecidos do nosso corpo alterem sua função, de tal forma que as glândulas de suor passam a produzir mais líquido, nossos batimentos cardíacos aceleram, aumenta a pressão sanguínea, e diminui o fluxo sanguíneo para a região intestinal, sendo redirecionado  para os músculos.

No estresse, hipotálamo secreta CRH, liberado pela hipófise, induz ACTH, que age nas suprarrenais, estimulando cortisol
Figura: Em situações estressantes os neurônios do hipotálamo passam a secretar CRH que ao serem liberados na hipófise induzem a produção de ACTH por neurônios desta região. A presença de ACTH na circulação é detectada pela glândula adrenal, que passa então a secretar cortisol, o hormônio responsável por diversas alterações fisiológicas. Imagem: http://www.psiquiatriageral.com.br.

Tudo isso faz bastante sentido considerando o ambiente que os nossos ancestrais viviam. Se o barulho que escutamos lá longe for o de uma onça caminhando em nossa direção, é melhor termos tudo pronto para uma boa corrida ou para enfrentá-la. Porém, nos dias de hoje essa resposta do nosso corpo a possíveis problemas tornou-se constante. Uma das consequências normalmente atreladas ao estresse constante é a redução da nossa imunidade, ou seja, a capacidade que as células do nosso sistema imune têm de reagir a organismos oportunistas (quem nunca pegou aquela gripe depois de uma semana de prova?). Ainda que isso já tenha feito parte da vida de todos nós, a ciência ainda tem diversas perguntas a serem respondidas a respeito de como estresse, ansiedade e outros transtornos do sistema nervoso, afetam e são afetados pelo sistema imunológico. 

Pesquisadores testaram a importância de células do sistema imune – mais especificamente, dos linfócitos T – sobre o comportamento ansioso em camundongos. No trabalho, publicado em outubro de 2019, os pesquisadores submeteram camundongos que possuíam linfócitos T ou não a diversos testes de comportamento, onde observaram que animais que não possuem estas células são menos ansiosos do que os que as possuem. Os animais sem linfócitos T não são capazes de a produzir uma molécula chamada xantina, a qual quando liberada na circulação sanguínea, viaja até o cérebro, atuando sobre a amígdala. O que é mais interessante é que, dentre as diversas células presentes nesta região, um tipo de células chamados oligodendrócitos possuem receptores para xantina. Ao reconhecerem a xantina liberada pelos linfócitos T, os oligodendrócitos aumentam sua proliferação, o que leva ao comportamento ansioso.

Este trabalho abre uma nova janela na exploração de maneira de tratar a ansiedade. Atualmente, grande parte dos medicamentos utilizados na clínica se interessam em modular a maneira como neurônios liberam ou captam determinados neurotransmissores. Esta nova perspectiva coloca células na periferia, ou seja, células que não estão no sistema nervoso, como produtores de moléculas que irão afetar diretamente como nosso cérebro se comportará. Frente a isso, podemos agora pensar em tratar transtornos cerebrais por meio da modulação das células periféricas. Como todo grande trabalho científico, este também deixa uma série de perguntas e possíveis abordagens para futuras pesquisas. A meu ver, duas delas são intrigantes: 1) modular a produção de xantina por linfócitos pode alterar o transtorno de ansiedade em pacientes humanos?; 2) Pacientes em tratamentos que diminuem a resposta imune (como pessoas que recebem transplantes) ficam menos susceptíveis à ansiedade?  Mas para mim, a principal conclusão é que eu estou ansioso para os próximos capítulos. 

Colaboração: Gustavo Gastão Davanzo

sobre o autor

Fontes consultadas:

The mental health of PhD researchers demands urgent attention. Nature. 2019 (acesse);

– Vídeo Youtube do Canal Nerdologia sobre Ansiedade (acesse);

– Podcast Zing sobre ansiedade (acesse);

– Borba, C.; Mello, J. Brasil sofre com epidemia de ansiedade e depressão (acesse);

– Souza, I. M.; Machado-de-Sousa, J. P. Brazil: world leader in anxiety and depression rates. Brazilian Journal of Psychiatry. 2017;

– Fan, K.; Li, Y.; e colaboradores. Stress-induced metabolic disorder in peripheral CD4+ T cells leads to anxiety-like behavior. Cell. 2019;

(Editoração: Fernando Figueiredo Mecca, Priscila Rothier e Caio Oliveira)

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