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Efeito tóxico dos praguicidas

Agrotóxicos, pesticidas, praguicidas, defensivos agrícolas. São diversos os nomes dados aos compostos utilizados na agricultura no combate às pragas. Esses compostos sempre estiveram em evidência e nos últimos dias ganharam destaque nos noticiários. A comissão especial da Câmara dos Deputados, que analisa o Projeto de Lei 6299/02, aprovou o parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR), o qual se refere às mudanças na aprovação, fiscalização, venda, e controle de praguicidas no Brasil. Com isso, a chamada “PL do Veneno” flexibiliza o uso desses compostos no país. Antes necessitando da aprovação conjunta dos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura, a PL exclui os Ministérios da Saúde e o do Meio Ambiente do processo de análise e registro dos praguicidas, cabendo apenas ao Ministério da Agricultura essa aprovação.

Diversas entidades e institutos de pesquisa, como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) criticaram a aprovação da PL. A Sociedade Brasileira de Toxicologia compartilhou em sua página do Facebook um vídeo do médico patologista Paulo Saldiva, demonstrando também preocupação com esse projeto de lei. Mas qual o papel da Toxicologia no estudo dos praguicidas?

Os praguicidas são estudados em uma área da Toxicologia denominada Toxicologia Ocupacional. Vale ressaltar que embora esses compostos estejam agrupados na Toxicologia Ocupacional (área que estuda os efeitos nocivos de agentes químicos no local de trabalho) eles também são prejudiciais à população em geral.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, do inglês World Health Organization), “os praguicidas são compostos químicos destinados à destruição de pragas, incluindo insetos, roedores, fungos e plantas. São usados na saúde pública para destruir vetores de doenças e na agricultura, na destruição de pragas que prejudicam as plantações. Os praguicidas são potencialmente tóxicos para outros organismos, incluindo seres humanos, e precisam ser usados com segurança e descartados de forma adequada”.

O praguicida mais conhecido da população é o DDT (diclorodifeniltricloroetano), um inseticida organoclorado amplamente utilizado em todo o mundo. A partir da década de 1970, a maioria dos organoclorados foi proibida em muitos países devido a danos que causam ao meio ambiente, principalmente por apresentarem bioacumulação e biomagnificação. No Brasil, foi aprovada em 2009 a Lei n° 11.936 que “proíbe a fabricação, a importação, a exportação, a manutenção em estoque, a comercialização e o uso de DDT em todo território nacional”. Os compostos organoclorados podem ser absorvidos através da pele e dos tratos digestório e respiratório. Além disso, são compostos altamente lipossolúveis. O DDT, em especial, deposita-se em todos os tecidos do organismo. Alguns organoclorados estimulam a atividade de enzimas do fígado, o que interfere no metabolismo do organoclorado ou no de outras substâncias que também utilizam essas enzimas. Além disso, os inseticidas organoclorados são estimulantes do sistema nervoso central (SNC), modificando movimentação dos íons sódio (Na) e potássio (K). Em particular, o DDT atua na membrana dos axônios dos neurônios, prolongando a abertura dos canais de sódio. Os primeiros sintomas na intoxicação por organoclorados podem estar relacionados ao sistema digestório, como náuseas, vômitos, desconforto abdominal e diarreia. Os efeitos no SNC podem causar sintomas como dores de cabeça e tremores, que podem iniciar de poucos minutos a várias horas após a exposição.

Em 1970 foi introduzido no mercado um grupo de inseticidas sintéticos, os piretroides, o qual surgiu de outra classe de praguicidas, as piretrinas. As piretrinas e os piretroides são absorvidos por via oral e pela pele (em pequena quantidade). Após a absorção, eles se distribuem rapidamente pelo organismo. A entrada dos piretroides no cérebro é facilitada devido à alta lipossolubilidade desse composto e as reações de biotransformação das piretrinas acontecem tanto no fígado quanto no plasma do sangue. Esses praguicidas têm efeito tóxico no SNC principalmente relacionado a regulação dos canais de sódio. Devido a isso, as piretrinas causam paralisia temporária em insetos voadores, por exemplo. Intoxicações agudas por piretroides não são comuns. Quando ocorrem, as manifestações na pele são vermelhidão, formação de bolhas, sensação de queimação e coceira nas áreas atingidas, além de congestão nasal, sensação de “garganta arranhada”, coriza, dor gástrica, náuseas e vômitos.

Outro grupo de praguicidas são os inibidores da colinesterase, entre eles, os organofosforados e os carbamatos. Esses compostos são amplamente utilizados no controle e combate de pragas, e podem ser absorvidos pela pele e pelos tratos respiratório e gastrintestinal de quem o manuseia. Os organofosforados são rapidamente dissolvidos pela água (tanto no organismo quanto no meio ambiente) e são altamente lipossolúveis. Já os cabarmatos não evaporam facilmente e têm pouca solubilidade em água. Após a absorção, os carbamatos e os organofosforados (e seus produto de biotransformação) são rapidamente distribuídos no organismo. Além disso, esses praguicidas têm meia-vida que varia de poucos minutos a poucas horas, dependendo agente químico e da via de exposição.

A principal ação dos organofosforados e dos carbamatos está relacionada à inibição de enzimas, especificamente da acetilcolinesterase, uma enzima responsável pela quebra da acetilcolina. Sendo assim, sua inibição resulta no acúmulo da acetilcolina nas terminações nervosas, tendo como consequência a perda de funções motoras. Os sintomas podem aparecer em poucos minutos até 12 horas depois da exposição, dependendo do agente químico, da dose e da via de exposição.

Vale salientar que para qualquer intoxicação por praguicidas, é recomendado procurar ajuda médica o mais rápido possível, sem intervenções próprias.

Com todo o exposto acima, e tendo em vista a ampla utilização e a toxicidade desses compostos, é possível entender porque a aprovação do Projeto de Lei 6299/02 é considerada por muitos um retrocesso ao que se sabe sobre os praguicidas. As mudanças na aprovação, fiscalização, vendas e controle de praguicidas no país podem facilitar o acesso a essas substâncias, sem um controle maior em sua utilização, prejudicando a saúde do trabalhador exposto continuamente a esses compostos, a população em geral e o meio ambiente.

 

Ciência et al: Cecília Cristina de Souza Rocha

sobre a autora

Fontes consultadas:

Alonzo, H.G.A.; Corrêa, C.L. Praguicidas. In: Oga, S.; Camargo, M.M.A; Batistuzzo, J.A.O. Fundamentos de Toxicologia. 4a edição. São Paulo: Atheneu Editora, 2014, p. 323-341.

Brasil. Lei n° 11.936, de 14 de maio de 2009. Proíbe a fabricação, a importação, a exportação, a manutenção em estoque, a comercialização e o uso de diclorodifenultricloroetano (DDT) e dá outras providências. Brasília, 14 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11936.htm>. Acesso em: 12 jul. 2018.

Brasil. Projeto de Lei 6299, de 13 de março de 2002. Altera os arts 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=46249>. Acesso em: 12 jul. 2018.

HuffPost Brasil. PL do Veneno avança: votação na Câmara ocorreu em meio à Copa e a portas fechadas. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2018/06/26/pl-do-veneno-votacao-na-camara-ocorreu-em-meio-a-copa-e-a-portas-fechadas-sem-alardes_a_23468338/>. Acesso em 06 jul. 2018.

HuffPost Brasil. Comissão da Câmara aprova ‘PL do Veneno’, projeto que flexibiliza uso de agrotóxico. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2018/06/25/comissao-da-camara-aprova-pl-do-veneno-projeto-que-flexibiliza-uso-de-agrotoxico_a_23467758/?utm_hp_ref=br-homepage>. Acesso em 06 jul. 2018.

WHO. Pesticides. Disponível em: <http://www.who.int/topics/pesticides/en/>. Acesso em 13 jul. 2018.

(Editoração: Viviane Santana, Eduardo Borges e Caio Oliveira)

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