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Um micróbio que transforma camundongos em zumbis: Toxoplasma gondii

#Pesquisa ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Sobre
Categoria: Artigo – Revista Eletrônica Frontiers for Young Minds
Título original: Toxoplasma gondii: A Microbe That Turns Mice Into Zombies
Ano de publicação: 2020
Link do artigo original: https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2020.00036

Resumo

Você sabia que existe um micróbio capaz de transformar camundongos em zumbis? Soa como um mito, não é mesmo? Mas é real! O nome desse micróbio é Toxoplasma gondii, e ele é um parasita com a habilidade de infectar uma grande variedade de animais, incluindo humanos, e prospera nos músculos, olhos e cérebros de seus hospedeiros. O T. gondii pode mudar o comportamento de animais cujos cérebros foram infectados, e pode fazer com que camundongos percam seu medo de serem comidos por gatos. Nesse artigo, você vai conhecer um pouco mais desse parasita e de como ele torna camundongos em zumbis!

 

O QUE É O TOXOPLASMA GONDII E COMO ELE INFECTA ANIMAIS?

O T. gondii é um micróbio unicelular com cerca de 6 μm (micrômetros, 0,001 milímetros), que é cerca de 550 vezes menor do que uma semente de maçã (3,3 mm)! Esse organismo é tão pequeno que nós só podemos vê-lo usando poderosas lentes de microscópio. O T. gondii somente sobrevive e se multiplica quando infectando uma célula viva, e por isso é classificado como um parasita. Nós chamamos o animal que é infectado pelo parasita de hospedeiro.

O ciclo de vida do T. gondii está ilustrado na Figura 1. Gatos são um dos hospedeiros do T. gondii, e eles são os únicos hospedeiros onde estes parasitas produzem uma estrutura chamada oocisto. Um oocisto é uma estrutura de paredes grossas, com as quais o parasita pode sobreviver por um longo tempo fora de um hospedeiro. Quando gatos estão infectados, eles liberam os oocistos dos parasitas no ambiente através de suas fezes (cocô). Quando outros animais, como pássaros, camundongos, vacas, ou até humanos ingerem água, vegetais, ou carne contaminada com oocistos, estes animais acabam contaminados. Uma vez dentro de um novo hospedeiro, os parasitas emergem dos oocistos e multiplicam-se. Agora começa a luta entre o parasita e o sistema imune do hospedeiro. Após invadir uma célula hospedeira, o T. gondii tenta proteger-se contra os ataques do sistema imune do hospedeiro formando um compartimento em forma de bolha dentro da célula hospedeira. Neste compartimento, o parasita se multiplica muitas vezes, o suficiente para ocupar toda a célula, ao ponto da célula hospedeira explodir! Esses parasitas agora estão livres para infectar outras células. Esse ciclo então se repete. O ciclo de replicação parasitária é o que causa a doença conhecida como toxoplasmose.

toxoplasma
Figura 1 (Adaptada da original): Ciclo de vida do Toxoplasma gondii – Os hospedeiros definitivos do Toxoplasma gondii são os Felidae (gatos domésticos e seus parentes). Oocistos de T. gondii são liberados com as fezes do gato. Hospedeiros intermediários (aves e mamíferos, incluindo animais criados para o consumo humano e os próprios humanos) frequentemente são infectados por conta de fatores ambientais, como comer terra, água ou vegetais contaminados com oocistos. Após serem ingeridos, os parasitas se espalham nos tecidos nervoso e muscular. Normalmente, o sistema imune do hospedeiro está trabalhando bem e esses parasitas se desenvolvem em cistos nos tecidos, que é a forma dormente do T. gondii. Outros gatos são infectados pela ingestão direta de oocistos no ambiente, ou por consumir hospedeiros intermediários com cistos em seus tecidos, como camundongos. Interessantemente, se camundongos estiverem infectados com o parasita, eles perdem seu medo de serem devorados por gatos. Ao que parece, os camundongos tornam-se zumbis graças a infecção por T. gondii, o que faz deles presas fáceis para os gatos.

 

Enquanto isso, o sistema imune do animal infectado luta para matar os T. gondii, ou pelo menos bloquear sua multiplicação. Então, evitando o ataque vindo dos mecanismos de defesa do hospedeiro, os parasitas frequentemente tomam uma forma dormente nos músculos, olhos e cérebros dos animais infectados. O parasita pode dormir para sempre, sem causar nenhum dano, se o sistema imune do hospedeiro estiver trabalhando bem.

O QUE ACONTECE QUANDO O T. GONDII CHEGA AO CÉREBRO?

Mas como os gatos se infectam com T. gondii em primeiro lugar? Bem, como todo mundo sabe, gatos gostam de caçar e comer camundongos. Se um gato come um camundongo infectado por T. gondii, o gato então se infecta. Aqui é que as coisas ficam mais interessantes. Nós mencionamos que o T. gondii pode infectar o cérebro do hospedeiro. O cérebro controla todas as funções vitais de um animal, então se o parasita se alojar no cérebro, ele pode causar danos. Agora, vamos entender o que pode acontecer se o cérebro de um camundongo for infectado com T. gondii. Camundongos normalmente têm medo de gatos, porque gatos são predadores que apresentam uma ameaça constante e mortal para eles. Entretanto, quando os cérebros de camundongos são infectados com T. gondii, eles perdem seu medo de gatos, e podem facilmente encará-los cara a cara. Assim, o parasita parece tornar o rato em um zumbi destemido! Não é uma loucura? Camundongos perdem seu medo de gatos e arriscam serem devorados por eles! Isso acontece porque, uma vez que o parasita esteja no cérebro do camundongo, ele pode interferir na comunicação de células do cérebro em uma área cerebral chamada amígdala (não confunda com as amígdalas da garganta!), que é responsável pelo sentimento de medo [1]. Apesar de essa ser uma situação trágica para o camundongo, é perfeita para o T. gondii, já que o camundongo infectado terá mais chances de ser comido por gatos, o que ajuda na reprodução do parasita!

OS HUMANOS PODEM SER INFECTADOS COM T. GONDII?

Nós te contamos que o T. gondii pode infectar mamíferos, e humanos são mamíferos… então nossas células podem ser infectadas por esse parasita também? A resposta é sim! Foi descoberto que entre 30 a 50% da população mundial está infectada com T. gondii [2]. Também é estimado que entre 50 e 80% dos brasileiros estejam infectados e já tiveram sintomas de toxoplasmose [3]. Normalmente, pessoas saudáveis infectadas com T. gondii não apresentam sintomas, porque seus sistemas imunes evitam que o parasita cause toxoplasmose. Quando pessoas infectadas apresentam sintomas, geralmente se parecem com os da gripe, como dor muscular, febre e dor de cabeça. Esses sintomas podem durar de semanas a meses e depois desaparecerem. Entretanto, o parasita continua no corpo em um estado inativo, mesmo depois de os sintomas estarem completamente terminados. Se o sistema imune da pessoa é suprimido em algum ponto, os parasitas podem se reativar e estarem aptos a infectar outras células e se multiplicar. Se acordados, parasitas podem causar danos severos aos olhos e cérebro. Além disso, se uma mulher grávida for infectada, os parasitas podem ser transmitidos ao feto e causar malformações.

O T. gondii pode afetar o cérebro de humanos como faz com os camundongos? Vários fatos interessantes sugerem que esse parasita pode afetar humanos quando entra em seus cérebros. Cientistas descreveram que, em pessoas sem histórico de distúrbios mentais, o T. gondii pode causar comportamento anormal. Eles descobriram uma correlação entre infecções por T. gondii e violência auto-deircionada, incluindo suicídio [4]. Outro estudo mostrou que estudantes com toxoplasmose tinham mais chances de ser empresários, pela falta de um “medo do fracasso”, em comparação com não infectados [5]. Apesar dessas descobertas interessantes, mais pesquisas são necessárias para entendermos as consequências mentais e psicológicas de ser infectado por esse parasita.

COMO PODEMOS NOS PROTEGER DA TOXOPLASMOSE?

Infelizmente, ainda não existe uma vacina para toxoplasmose. Entretanto, muitos pesquisadores ao redor do mundo estão estudando o T. gondii, procurando por uma vacina efetiva contra esse parasita [6, 7]. Além disso, é importante ter em mente que uma vez infectados, os hospedeiros nunca estarão completamente livres do T. gondii. As drogas usadas para combater esse parasita não destroem parasitas dormentes. Se o sistema imune do hospedeiro em algum momento for enfraquecido, esses parasitas dormentes podem acordar e causar os sintomas típicos da toxoplasmose. É por isso que é essencial evitar a contaminação por T. gondii em primeiro lugar. A infecção pode acontecer se você consumir água ou comida contaminada com fezes de gatos. Mas seu gato não é o culpado, então não abandone seu pet. Gatos normalmente escondem suas fezes na areia ou terra, então a infecção comumente ocorre por fatores ambientais. Desse modo, aqui vão algumas dicas para evitar a infecção por esse parasita:

  1. Descarte apropriado da areia do seu gato;
  2. Lavar bem as mãos após brincar na areia ou mexer com terra, especialmente antes de refeições;
  3. Limpar apropriadamente todas as frutas e vegetais antes de comê-las ou cozinhá-las;
  4. Lavar bem os utensílios de cozinha;
  5. Beber água e outras bebidas apenas se forem filtradas ou de fontes confiáveis;
  6. Não consumir carne mal cozida, nem dá-la de alimento para seu pet.

Nesse artigo, nós te contamos sobre como a toxoplasmose ocorre, e alguns dos efeitos indesejáveis causados pela infecção com T. gondii. Além disso, te contamos sobre algumas formas de se proteger. Agora você pode espalhar a informação para seus amigos e família. Lembre-se: apenas bons hábitos de higiene protegem você de ser infectado.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram que a pesquisa foi conduzida na ausência de qualquer relação comercial ou financeira que possa ser interpretada como potencial conflito de interesses.

 

Tradução:

Fernando F. Mecca  sobre o tradutor           

Fernando F. Mecca é biólogo, professor e cientista. Mestre e doutorando em Neurociências, estuda os efeitos da depressão e antidepressivos sobre funções elétricas do cérebro. Também se interessa em educação e divulgação científica.

Artigo Original:

Mendonça-Natividade F and Ricci-Azevedo R (2020) Toxoplasma gondii: A Microbe That Turns Mice Into Zombies. Front. Young Minds. 8:36. doi: 10.3389/frym.2020.00036

Fontes:

[1] Vyas, A., Kim, S. K., Giacomini, N., Boothroyd, J. C., and Sapolsky, R. M. 2007. Behavioral changes induced by Toxoplasma infection of rodents are highly specific to aversion of cat odors. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 104:6442–7. doi: 10.1073/pnas.0608310104

[2] Flegr, J., Prandota, J., Sovičková, M., and Israili, Z. H. 2014. Toxoplasmosis—a global threat. Correlation of latent toxoplasmosis with specific disease burden in a set of 88 countries. PLoS ONE 9:e90203. doi: 10.1371/journal.pone.0090203

[3] Dubey, J. P., Lago, E. G., Gennari, S. M., Su, C., and Jones, J. L. 2012. Toxoplasmosis in humans and animals in Brazil: high prevalence, high burden of disease, and epidemiology. Parasitology 139:1375–424. doi: 10.1017/S0031182012000765

[4] Arling, T. A., Yolken, R. H., Lapidus, M., Langenberg, P., Dickerson, F. B., Zimmerman, S. A., et al. 2009. Toxoplasma gondii antibody titers and history of suicide attempts in patients with recurrent mood disorders. J. Nerv. Ment. Dis. 197:905–8. doi: 10.1097/NMD.0b013e3181c29a23

[5] Johnson, S. K., Fitza, M. A., Lerner, D. A., Calhoun, D. M., Beldon, M. A., Chan, E. T., et al. Risky business: linking Toxoplasma gondii infection and entrepreneurship behaviours across individuals and countries. Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 285:20180822. doi: 10.1098/rspb.2018.0822

[6] Zhang, N. Z., Chen, J., Wang, M., Petersen, E., and Zhu, X. Q. 2013. Vaccines against Toxoplasma gondii: new developments and perspectives. Expert Rev. Vaccines 12:1287–99. doi: 10.1586/14760584.2013.844652

[7] Pinzan, C. F., Sardinha-Silva, A., Almeida, F., Lai, L., Lopes, C. D., Lourenço, E. V., et al. 2015. Vaccination with recombinant microneme proteins confers protection against experimental toxoplasmosis in mice. PLoS ONE 10:e0143087. doi: 10.1371/journal.pone.0143087

 

(Editoração: Loren Pereira)

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